sexta-feira, 10 de setembro de 2021

À maneira dele (em Marvão, pelo feriado municipal) - Tim ao vivo (a crónica)


Esta vai pelo meu grande Amigo Pedro Silvério, o Chefe, o maior Marvanense a viver no degredo que eu me lembre, fora de Marvão que ele tanto ama, com quem troquei mensagens sobre a magnitude da cena, logo hoje de manhã! Foi como se estivesses estado cá, meu velho!


Epá, palavra que não estava nada à espera de passar uma noite do feriado municipal tão agradável assim. O nome que me levou lá era mais que apelativo: o Tim há-de sempre ser a voz daquela banda que tem sido a oficial nacional da minha vida, aquela que tem acompanhado o meu crescimento de puto que fui, a homem que sou, como os U2 o foram a nível internacional. Nenhuma delas é a preferida, mas são as que estiveram sempre lá, aquelas que cresceram comigo, as tais.

Se a essência era apelativa, as “&Vozes do Alto Alentejo” davam assim um ar suspeito à coisa, e deixava adivinhar o pior possível que… nada se assemelhou ao que por lá se passou… e à que pode assistir, quem teve resiliência para aguentar o tradicional arzinho (eu disse frio?!?!?) de uma noite de Marvão a dizer adeus ao Verão, e olá ao Outono, que há-de chegar daqui a uns dias.

 

Antes de mais, por esta altura, apetece-me felicitar o Município que teve a feliz ideia de convidar e trazer um artista digno desse nome, é certo que integrado numa oferta inter-municipal (e aí certamente foi influenciado a tal), mas que destoa da habitual gama de valores em que tem apostado, e que vão da intragável Rosita, ao inexplicável  (e inexplicavelmente desaparecido) Zé do Pipo, passando pelo abominável Toy “das Neves”, que tem patrocinado para gáudio das populações. Na verdade, ali, também não haveria muito a perder porque nestas festividades, tradicionalmente, nunca se aglomeram muitos populares, e se nunca chegam a mais de uma centena.



Se esteve bem por aqui, borrou a pintura toda quando “permitiu” que o espetáculo se iniciasse apenas uma hora depois das 21.30h anunciadas no cartaz, sem que um único dirigente do município, ou funcionário adido à área, pelo menos, se tivesse dignado a dar uma explicação aos potenciais espetadores presentes, o que levou a que muitos tivessem batido em retirada (porque o dia a seguir, hoje, era de escola), e não tivessem esperado pela justificação que até agora não chegou. Foi verdadeiramente lamentável, penoso, e deixou como que se uma carga negativa fosse tomando conta das almas presentes. Terá sido um problema com a luz, com o som, com alguém? A verdade é que o bom do Tim acabou por fazer esquecer a quem ficou, tamanho mau começo, quando entrou com aquele seu eterno de tipo fixe, de camarada à prova de bala, para todas as horas, sempre sorridente por detrás dos eternos óculinhos de proteção, para conquistar toda a gente, com o seu ar anti-rock star, terra a terra, enternecedor.

 

Quando as luzes permitiram vislumbrar os artefactos que aguardavam quem os manuseasse, percebi que os meus maiores medos eram infundados. Assim que os artífices foram tomando posições, todos fardados com um negro de gala, assim que chegou à boca de cena quem manuseasse as teclas, o violino, o violoncelo/braguesa, o contrabaixo, a bateria e o timoneiro se agarrasse à guitarra, com o seu clássico estilo de motard, de t-shirt negra e o lenço ao cowboy à volta do pescoço, percebi que o barco iria certamente chegar a bom porto.


E o que se passou foi muito bom, foi a revisitação de toda uma carreira sobre um prisma clássico(?), na medida do possível, porque embora nunca o tendo desvirtuado, o engalanou com um toque aristocrático, o enobreceu, o tornou ainda muito mais a ver com a essência de Marvão, que Tim confessou adorar, já ter visitado por diversas vezes, e querer poder ter uma casa, embora “não tivesse certamente guito para tal!”


Se olharmos para o line up do concerto, percebemos que, ou ao prestar homenagem às bandas de que sempre gostou, ao interpretar temas da sua eterna “casa mãe” Xutos e Pontapés, ou ao revisitar projetos icónicos que tem integrado como os emblemáticos Resistência (seleção de monstros nacionais à guitarra interpretando clássicos, do início dos 90), os clássicos Rio Grande (final dos 90), ou os seus sucedâneos Cabeças no Ar, onde se tem juntado à mais nobre estirpe musical portuguesa (Palma, Gil, Veloso, Vitorino, Monge) este homem é um verdadeiro crooner de espinha dorsal, porque todas as suas variações, ou mesmo o seu  trabalho a solo, têm revelado um valor lírico e musical verdadeiramente fora de série, para quem tem 61 anos, apenas mais 13 anos que eu!

 

Quem teve coragem para ir, e aguentou estoicamente até que começasse (porque depois, certamente aqueceu!) teve o mais puro e prazenteiro deleite de saborear:

- À minha maneira (belíssimo clássico dos Xutos! Um “My Way” do Sinatra num despique roqueiro de altas guitarras);


- Voar (tocante tema a solo de sonhos infantis. Sobre o poder da capacidade de sonhar, e onde nos pode levar);


- Postal dos Correios (a carta enternecedora de um emigrante, como devem ter havido tantos antes, para os pais, do projeto RioGrande


- Menina estás à janela (Popular que aprendeu a valorizar pelo seu “mestre” Vitorino)


- À noite (Viagem aos Sitiados, do malogrado João Aguardela)


- Tu não me digas adeus (tema que fecha o seu último trabalho a solo “20 20 20”, e foi caraterizado por ele próprio com, muita graça, “que é uma lamechice”);


- Por quem não esqueci (Clássico da Sétima Legião, em jeito de tributo);

 

- Chuva dissolvente (dos Xutos que eu mais gosto, do disco “Dizer Não! de vez”, de 92)


- Nasce selvagem (a fazer lembrar os Resistência e os Delfins)


- Casinha

 

- Contentores


- Circo de feras (Num tríptico de luxo!, de grande homenagem aos Xutos!)

- Para sempre (BSO do filme “Tentação”, de Joaquim Leitão)

E no encore:


~ Homem do leme (Clássico intemporal dos Xutos, do segundo álbum “Cerco”)


- Não sou o único (Para fechar, apresentada como a "Canção do Zé Pedro", por ter sido ele que a escreveu, logo o mais rebelde de todos, e o que mais cedo desapareceu, muito vítima das suas dependências do álcool e outras substâncias psicotrópicas, com a isca já desfeita)_com um bem haja muito especial à D. Isabel Bucho, por me ter ajudado a corrigir o lapso da publicação inicial, de ter chamado Maria ao Pedro! 👍) 

 

Olhem, valeu!

 

Para o ano há mais? Fix!


Só um cheirinho...



a) nota de rodapé de última hora: neste blogue, como sempre, quero aqui contar a verdade, toda a verdade (porque sou um homem dela e da palavra), pelo menos a minha verdade. Assim, quero sempre relatar o que os meus olhos viram, mas não quero, de todo, dizer inverdades ou falsidades. Digo isto porque logo na manhã seguinte a esta publicação, foi informado por fontes oficiais, por vias informais e mensagens pessoais, de amizade, que o pedido de desculpas pelo atraso no início do concerto foi de fato formulado no palco, mas logo por azar aconteceu quando eu já, vergado pela demora e com receio pelo que pudesse vir, me desloquei à casa de banho do Centro Cultural de Marvão, para verter águas. Apresento pois assim o meu pedido de desculpas pela crítica infundada que formulei.

Eu estava certo do que tinha acontecido, mas a versão oficial estava mais certa, e por isso a trago à luz do dia. Azares desses acontecem muitas vezes, mas o importante é que os eventos, sobretudo o de qualidade, como este, se repitam muitas vezes.

Como os direitos de autor não me cortaram capturas que fiz do evento, vamos lá fazer mais umas tentativas de divulgação desse bonito evento, para ver se passam...
Para os meus leitores habituais,

 



domingo, 5 de setembro de 2021

Shangri La... - O meu horizonte longínquo... - (Pt IV)_As famílias e (Pt V)_Ser criança ali

A Beirã tinha duas grandes famílias em termos de poderio económico, que se distinguiam de todas as outras, pela projeção e pelo impacto que tinham: os Vivas e os Caritas, tendo ambos os homens fortes de cada uma delas, chegado a presidentes da câmara de Marvão (Manuel Berenguel Vivas, 1945-1954 / João Diniz Carita, 1964-1973), o que é bem revelador.



 A história dos Vivas, mais antiga, confunde-se com a criação da própria aldeia, e teve nela um papel fundamental. Nem sempre por aqui estavam, mas por aqui passavam com muita frequência, quando pernoitavam num casarão enorme de belíssimos azulejos, frente à estação, com um jardim privado de grandes dimensões, que se estendia até à igreja de Nossa Senhora do Carmo, templo que mandaram construir como privado, em homenagem a Carmen Berenguel Vivas, mas que depois abriram e ofertaram à terra, sendo a padroeira da freguesia. Pais de muito filhos, que por sua vez tiveram vasta descendência, os Vivas são sempre muitos e ainda hoje, quando regressam à terra, pelo menos para os de lá, esta parece ter outro ar.

Os Caritas tiveram o seu apogeu mais tarde, muito relacionado com o caudal económico associado ao ramal de Cáceres, e os despachos alfandegários das mercadorias. Recordo-me que tinham um escritório na estação, onde trabalhava o meu pai, com mais 6 ou 7 colegas; e uns casões situados mais à frente, a 200 metros dali, onde estavam outras tantas funcionárias no escritório, com mais alguns funcionários nos casões, para o trabalho mais braçal.

O pai trabalhando no escritório, como ajudante de despachante

 A freguesia tinha a alguns quilómetros dali, na herdade do Pereiro, outra família muito influente de Marvão, daquelas que já não vai havendo nos dias de hoje: uma extensão da família Sequeira, com o filho Artur, que se fixou na herdade do pereiro, e ali chegou a ter, lá está, segundo a minha memória, uma min-aldeia de trabalhadores daquelas terras, com escola primária inclusive! Ali labutava diariamente um exército de homens e mulheres que se dedicavam desde apanha da azeitona, e a todos os trabalhos no campo, que implicassem cuidados, manutenção e extração de produtos.

A família Sequeira tinha o seu centro económico nevrálgico, a 4 quilómetros dali, em Santo António das Areias, com um enorme edifício onde exploravam a sua produção industrial de amêndoas, calçado, e demais produtos que vendiam para todo o país. Hoje, está há alguns meses para venda.


 Ser criança ali (o antes e o depois)

É certo que já virámos o século, e já passaram quarenta anos, mas tudo aconteceu… ontem. As crianças que viviam na Beirã nesse então, estão tão a anos-luz das crianças de hoje em dia, que mais parece que foi noutro milénio. Tudo passou tão rápido, que quase que nem nos conseguimos dar conta das pequenas grandes revoluções que se forma instalando nas nossas vidas.

Do meu ponto de vista, a internet, os computadores, e os recursos tecnológicos associados como os smartphones, mudaram radicalmente o mundo. Recordo-me perfeitamente quando comprei o meu primeiro computador pessoal, ou melhor, que os meus pais me compraram o meu primeiro pc, na loja COAL e Portalegre. Tratava-se de uma CPU com uma torre gigantesca, e um monitor que mais parecia um aquário daqueles das grandes marisqueiras. Era uma máquina muito lenta, muito vagarosa, que desenvolvia muito pouco.

A internet chegou num pequeno pacote da Telepac, que se tinha de ligar à ficha telefónica e ficava ali tempo sem fim a emitir uns ruídos estranhos (BBBBZZZIIIIIIIIIIIIIIIINNNNNNN, BBBBZZZZRRRRRRRROOOOOOOOOOOONNNNNNNNN,BBBBBBBBBZZZZZZZZZZZZZZZZREEEEEEEEEEEEEEEEEENNNNNNNNNNNNNNN, até se conseguir ligar a rede virtual mundial.

Nós hoje observamos uma criança de três ou quatro anos a mexer num smartphone, ou num tablet, e ficamos boquiabertos com a destreza com que os pequenos dedinhos interagem com o ecrã e os conteúdos. Por vezes, dou por mim a perguntar a mim mesmo se serão mais espertos que nós, mas acalmo-me dizendo que é capaz de não ser bem assim. O que se passa é que os recursos que têm são muito mais absorventes, e impulsionadores, do que eram os nossos. Depois, por acréscimo, ou em consequência, têm respostas como a que há dias me deu o filho de um amigo meu, que andará na casa dos 8/9 anos, e encontrei na piscina municipal, enquanto esperávamos cada um por sua coisa: eu pela hora de entrada e ele, que o viessem buscar. Entrei por baixo, de manso, de fininho, como que a experimentar. Fui tentando encontrar pontos comuns por onde desenhar uma conversa. Pronto descobri quem era, de onde era, e sabendo que era grande amigo de longa data da família, perguntei-lhe se me poderia dizer o que era para ele, o aspeto mais preocupante do nosso país.

Ele respondeu-me… “a corrupção!”

Atónito, pasmei: “A corrupção?!?!?” Comássim?!?!? Danou-se!” Eu com a sua idade, nem tampouco saberia o que isso era, quanto mais!

Fiquei assim para o… pensativo e sorridente.


Foto clássica da juventude da Beirã, na década de 70: o treinador João Sobreiro, sempre fumando, Paulo Varela com o remoinho caraterístico no cabelo, o craque Rui Felino, Paulo Jorge “Magafo”, Jorge Oliveira “Orelhas”; em baixo: o meu querido já falecido Paulo Marôco, Joaquim Carita, Vítor Felino, José Manuel “Pop” Dias, e, com clara cunha, Pedro Sobreiro.


Assim à partida, as crianças na Beirã tinham uma grande vantagem em relação às outras espalhadas pelo país fora, e não estou a falar agora na liberdade, na tranquilidade, ou noutra coisa óbvia qualquer; mas toda a gente sabe que nos anos 80, o grande divertimento presente em cada lar era… a televisão! Nós aqui, enquanto os que viviam longe da fronteira tinham de levar com a mira técnica, relacionada com os horários racionados de funcionamento, nós tínhamos a RTVE que nos salvava!

Pois fiquem sabendo que é pela televisão que tenho tão grande facilidade de falar e compreender castelhano, ao ponto de muitos me perguntarem, quando visitam o meu posto de trabalho na Autoridade Tributária, vulgo Finanças, se andei nalguma escola, e ficarem a rir-se quando digo que não, que aprendi em casa. A minha professora foi a “Alaska, dos Dinarama”, uma cyberpunk de cabelo cor de laranja, sempre vestida de couros e borrachas, que apresentava “La bola de Cristal”, um mítico programa matinal que preenchia os sábados até à hora de almoço, onde podíamos ver a “Família Monster”, os “Teleduendes”, e os vídeos roqueiros do “Loquillo y los Trogloditas”.

Nessa nossa televisão ibérica, aprendemos a sonhar com o “Verão Azul”, por exemplo, uma mítica série de televisão transmitida em 1981, com 19 episódios, dos quais creio que me lembro de memória de todos, sobretudo do inicial, do final, de quando a Beatriz passou a ser mulher, ou de quando o Chanquete faleceu. A música do genérico ainda me transmite um sentimento de felicidade e bem-estar que ecoa no meu passado.

Pela televisão víamos o “Aplauso”, uma revista de variedades como ainda não havia por cá em Portugal, e o “Informe Semanal”, um magazine de reportagens de grande calibre e profundidade, que me influenciaram muito a seguir na minha carreia académica de jornalista.

Por la tele también seguimos la copa del mundo de España ‘82, nesse famigerado jogo em que a minha seleção brasileira de sonho com o Zico, Éder, Sócrates, Falcão tombaram nos quartos de final com estrondo aos pés de uma Itália sanguinária que venceu por 3 a 2, comandada pelo maldito Paolo Rossi. O que eu chorei nessa tarde, deitado no meio do chão da casa da minha avó Joaquina, que teve de ligar para o escritório onde o meu pai trabalhava porque “tinha de vir que o garoto não estava bem!”

Pela televisão, sempre ela, que já entrou tarde porque me lembro de ir assistir à casa da minha tia, víamos o concurso “1,2,3”, depois trazido para Portugal pelo Carlos Cruz, mas que ali, apresentado pela fantástica apresentadora Mayra Gomez Kemp, e que era um regalo de bom gosto, comédia, e entretenimento de altíssima categoria.