sábado, 16 de maio de 2020

Até sempre, Zé... (Já?!? Assim?!?)

O seu sorriso de menino captado pela lente do seu, e meu amigo
Pedro Silvério, o olho de excelência de Marvão
Foto: Facebook Pedro Silvério

Neste período de teletrabalho, de confinamento em que me encontro, privado do contato permanente com o exterior que tanta me faz, vou vivendo numa espécie de redoma fictícia que me vai dando acesso ao que se passa lá fora… aos bochechos.


Hoje foi o chefe que me avançou que quem tinha morrido… foi o Zé Luís.
O Zé luís?!?!? Diacho! Nem é preciso sobrenome, alcunha, ou outra designação qualquer, porque…o Zé Luís… era o Zé Luís. Mais nada a dizer.
A princípio não percebi bem se também ele tinha sido o seu carrasco, se tinha sido acidental… mas depois já percebi por conversas, que foi um fim natural.


O Zé Luís era novo, era um homem que ainda teria muitos anos pela frente, mas… a sua relação com o álcool, a sua alimentação, a sua atroz solidão, eram ameaças gritantes à sua continuidade.
Assim que eu soubesse, à exceção de alguns bons amigos que o tratavam como se fosse família, o Zé não tinha ninguém. Nunca lhe conheci familiares, nem mulheres, nem filhos, nem nada.
Na volta de bicicleta desta tarde, em que subi Marvão, encontrei a minha madrinha Dona Carminda (já sabem que é assim considerada, por ter sido por ela que soube que estava aberto o concurso para o emprego que tenho hoje, e por isso lhe hei-de estar sempre grato), que também era tratada por madrinha pelo Zé. Éramos assim afilhados adotivos à força, desta Senhora maravilhosa que hoje estava muito abalada e desgostosa. Natural, eu também estou.


Conhecia o Zé desde sempre, mas quando fui para a câmara, tivemos assim um período em que não estivemos tão bem. Na altura de uma festas, creio que de Marvão, num momento em que ele já estava do meio para a frente, e eu não estava nada na onda, foi estranhamente aborrecido, e incisivo comigo, como se me quisesse penalizar por um cargo onde ainda nem sequer tinha estado tempo algum. Eu fiquei magoado e ressenti-me, tendo-me afastado.
Mas depois, o tempo, que tudo cura e tudo traz, que tudo limpa, clarifica, e peneira, devolveu-mo, ou devolveu-me a ele. O Zé Luís era mesmo aquilo a que se pode chamar um pobre de Cristo, alguém por quem é natural que se nutra um amor quase que de misericórdia.


Não conhecendo bem os motivos porque desaguou por estas bandas, sempre o conheci como  trabalhador da Câmara Municipal de Marvão, não sei se por obra do amor a que me referi acima. Pendurado das traseiras do camião do lixo, o Zé percorreu o nosso concelho durante vezes incontáveis, fazendo um serviço que tem tanto de essencial, como de menosprezado, injustamente, pela grande generalidade dos demais. Todos os trabalhos honestos são igualmente dignos, e não é a complexidade que faz distinguir os seus executantes dos demais, como se fosse a balança pela qual se deva orientar a sociedade.

Nos últimos anos, não sei se por já não terá a força física suficiente para dar resposta ao manuseamento dos pesados contentores, passava os dias em Marvão, sempre acompanhado com o seu carrinho com dois caixotes e uma vassourinha, com os quais ajudava a que Marvão seja um sítio absolutamente impecável, de limpeza e asseio.

Muitas vezes parava a contemplá-lo, ao longe, só, e… de forma egoísta e até má, lamento e confesso-o, pedia a Deus que não me deixasse nunca cair assim, naquele vazio adormecido que parece tranquilo, mas que deve ser sufocante.


Como me conhecia desde miúdo, e é daqueles que ainda recordava sempre com saudade, a forma envolvente que o meu pai tinha de viver, perguntava-me sempre de forma carinhosa pela minha mãe, e mandava sempre, sempre, mas sempre, cumprimentos para o meu irmão Miguel, de quem ele nunca se esquecia, por saber que tinha a sua devoção clubística, e é um lagarto de alta escala.
Isto ao ponto de eu ter pensado tantas vezes, meu Deus, e sabes que é tão verdade, “tenho de cá trazer o meu irmão para estar com ele.”
Já não vai a tempo…

Aquelas brincadeiras que sempre tínhamos com a bola, as gargalhadas que dava quando se ria das minhas parvoíces, dos meus desgostos quando mamava cabazadas, das minhas neuras pelos jogos menos conseguidos, da seleção, caraças!!! que quando jogava eu lhe dizia, antes de ir de fim-de-semana: AI ZÉ!!! NESTE FIM DE SEMANA SOMOS OS DOIS DO MESMO, C#&Fo!!!!!”…

Foi-se.

O Zé era uma Figura de Marvão! Não tão importante como os monumentos que cá chamam os turistas, óbvio; mas uma guarita que, para mim, sempre lá esteve, e já não estará mais, de agora em diante.

É assim por estas (tristes) faltas que percebemos, que o nosso tempo também se está a esfumar.

O estilo calmo, completamente à vontade, as gargalhadas, a boa onda. A bondade...


Agora que todos te choram nas redes sociais, embora saiba que muitos eram mesmo muito amigos, e fizeram coisas por ti, creio que importa aqui, a meu ver, prestar homenagem e aprender, para que possamos ajudar mais e melhor no futuro, quem está a viver nestas zonas limítrofe da nossa comunidade local.

Neste caso concreto, sei que seria muito difícil conseguir retirar os hábitos que preenchem, dão alento e companhia, quando… do outro lado, o que temos para oferecer… é praticamente uma mão cheia de nada. Lamento a vida adiada, adormecida, sem ter frutificado, porque o fundo era bom.

Eu, que tenho a benesse de acreditar:
nas escrituras milenares,
na força que a força nos dá,
que esta dimensão que conhecemos não pode ser a única, porque se assim fosse, as injustiças seriam por demais e gritantes;
que quem sofre aqui, há-de ter a sua recompensa algures;
que a vida terrena é a aprendizagem constante, não sei é para o quê, e espero que ainda falte muito para que descubra;
creio que consigo compreender a inevitabilidade da nossa finitude, de outra forma, queria eu mais tranquila e serena.

Se houvesse este intercomunicador para o lado de lá, dir-te-ia: “Juízo, Zé! Aproveita para ser feliz. Vais deixar falta.
Grande abraço!”

N' "O Castelo" do Jorge Rosado, como este outro seu amigo, o captou.
Como eu o vi tantas vezes, depois de tomar um café largo, olhando a luz e o infinito,
com o ar abstrato de quem não tem obrigações...

Foto: Facebook Jorge Rosado

sábado, 9 de maio de 2020

(Nova) Crónica do confinamento (da reclusão?)


Durante o dia, trabalho, depois estudo, e à tardinha, como não tenho o meu “Cheers, aquele bar” aberto (leia-se Pastelaria Caldeira), venho aqui, ao cimo do miradouro de Santo António das Areias, a escassos metros da minha casa, (talvez seja a descoberta mais fantástica desta pandemia, que percorro sempre com o cão após o almoço, e à tarde) perante este cenário absolutamente magnífico, que é o meu: beber uma cerveja Sagres média, e fumar um cigarro orgânico enrolado com mortalha e filtro vegetal (único do dia, porque o meu amigo Vítor Arnelas me explicou que é muito mau), que me sabe A OURO! Recarrega baterias!!!

Na passada quarta-feira fez um mês que estou retido em casa...


Um mês.


Há qualquer coisa de tão estranho em todo este fenómeno covid 19, que acho sinceramente que ainda ninguém está capaz de aferir ao certo, o impacto que tudo isto está a ter na nossa vida.
Um mês a trabalhar remotamente a partir de casa, um mês… fechado em casa. Um mês inteiro sem estar nos meus espaços, no serviço, com os meus amigos, a conviver, a descomprimir… um mês retido.

Graças a Deus tenho estado com quem eu mais quero no mundo mas, esta coabitação, nem sempre, como é óbvio, e seria de esperar, tem sido a mais perfeita e angelical das partilhas de um espaço comum. Teoricamente, será um pai, a esposa e as duas filhinhas. Na realidade, é um homem e três fêmeas... 3 mulheres... 3 gaijas, que têm uma forma muito própria e particular de pensar. À mínima “ofensiva”, defendem-se em bloco, e reagrupam-se como as gladiadoras em pleno circo de Roma, para aniquilarem a oposição que lhes faz frente.

As filhas têm tido aulas (através da televisão, ou de um computador), a esposa tem trabalhado (através de um pc ou de um telefone), eu tenho trabalhado (através do pc e muito através de quem tem o meu contato e me chama, me tecla, ou me apanha na rua e pede o meu apoio), mas… é tudo tão diferente que… nem sei explicar.

"Casa"?!?!?
Engraçadinha... a setôra...

Certamente também elas sentirão falta dos seus colegas, dos seus amigos, dos seus pares, e as pessoas, por muito que se amem, precisam do seu espaço, precisam de variar os contatos, precisam de respirar lá fora. Tenho saudades de termos saudades uns dos outros, e de queremos chegar a casa. Aquela sensação do dia feito, e do guerreiro que chega ao seu espaço para descansar, baixar as armaduras e as armas, e estar em paz, é dos sentimentos dos quais sinto mais falta.

Como muita gente daqui, temo-nos abastecido mais do que nunca nos pontos locais cá da terra, que prestaram um serviço absolutamente fundamental durante a pandemia, mas nesta semana fui a Portalegre, como um labrego quando vai à cidade tirar sortes! Parecia que nem o caminho conhecia já!

Lá chegado, estava tudo muito bem organizado, preparado para enfrentar esta nova realidade.

Para mim, o mundo está estranho, e as pessoas podem dividir-se em 3 tipos:

A – As que percebem que têm de lidar com isto, se resignam, cumprem o estabelecido, mas não conseguem deixar de se sentir incómodas com a liberdade que lhes é sonegada;

B -  As que até parece que gostam e se recriam com esta nova forma de existir, exibindo as mascarilhas, fazendo show off enquanto se besuntam com álcool gel sempre que apanham um;

C – As que lidam com tudo como se tudo isto fosse a coisa mais natural do mundo, com um transtorno praticamente indelével.
Perante o já exposto, já viram para onde vou de cabeça.


No Modelo, que agora é Continente, e foi onde fomos porque calhou, uma vez que todos os outros hipers também são bons, e cada um tem as suas vantagens que o torna diferente dos demais, senti-me muitas vezes como se estivesse num pesadelo, ou num filme de ficção científica, com as pessoas todas com um ar alucinado que creio está muito relacionado com o facto de não se ver a boca. Eu sabia da importância de se verem os olhos, claro, que também falam, mas nunca pensei que ver-se a boca tinha uma importância tão grande na fisionomia, e na expressão de uma pessoa.


Passando entre as prateleiras parecia que estava a bordo da “Imperial Star Destroyer” do “Star Wars”, com toda a gente a viver assim uma trip marada, onde reconheci, mas não falei à muito simpática arquiteta Ana Pestana, sempre só com um beijo! (porque não me reconheceu a mim, armado em mascarilha com a máscara de ganga hand made by Fernanda Cristina), nem ao meu ex-colega da Autoridade Tributária e hoje deputado Cristóvão Crespo (que não me falaria mesmo que eu fosse a descoberto, porque só falava quando não era deputado e era só colega. Agora é deputado da nação, importante, pois).
É estranhíssima aquela sensação de se ter de estar tapado. Falta o ar, sufoca, tira a alegria. Custa-me imenso.

eu...a ver de manteiga...

À medida que nos vamos apercebendo que este tsunami, não chegará cá com a força com que todos tememos que poderia ter no início, sobretudo quando vimos a dantesca destruição em Itália, Espanha, e agora Inglaterra e Rússia, não me canso de felicitar a forma feliz como António Costa, soube gerir a orquestra que teve uma prestação absolutamente notável. Nem parece que este foi o mesmo homem que esteve à frente da jangada esta, aquando dos fatídicos incêndios de 2017.
Foi bom aluno. Aprendeu a lição.

De elogiar também, como não?, está o pessoal da linha da frente da saúde, que… completamente exaustos, com horas e horas de combate ininterrupto,  rostos marcados pelas máscaras, a viverem sós, longe das famílias; foram absolutamente determinantes nesta tremenda guerra.

Depois, acho sinceramente que o que nos safou mesmo foi termos tido estes exemplos tão maus e gravosos antes de nós, que nos fizeram abrir a pestana. Os italianos, latinos, borrifaram-se para a cena quando apareceu e quilharam-se.
Estão a imaginar um bar em Espanha antes do jantar, a promiscuidade de espaços, a proximidade entre as pessoas, e o vírus por ali fora a lavrar, entre cañas e cigarrillos, como os fogos?
E um pub em Inglaterra, à noite, com tudo grosso?!?!?!? Ah... pois é, bébé! Foi fartar vilanagem!

Nós… comedidos, cautelosos, fechámos escolas, mandámos trabalhadores para casa, metemos as empresas em lay-off… fizemos quase tudo bem, porque… há sempre algumas falhas, e a perfeição é aqui impossível de atingir.

Agora, ainda há muito pela frente para reaprender, até que possamos voltar à normalidade que… nunca mais será a mesma, convenhamos. Ou esta “guerra” das nações pela vacina, que mete israelitas e russos, americanos e ingleses, sem esquecer os chineses, que parece que são as nações que estão na pole position; dá frutos depressa, ou o medo que o arrefecimento depois do Verão traga tudo de volta, não nos vai deixar descansar.

E como vão ser estas férias? E como vão ser as nossas festarolas? E como vão ser as nossas praias (chuinfff!!!), a nossa piscina municipal (que remédio…pelo menos!)? E os nossos restaurantes? E o meu Choca?!?!?!?!? (que me disse agora, quando lá fui pagar a décima da coleta do euromilhões, que vai fazer no dia 12? 2 meses que fechou as portas… 2 MESES?!?!?!?!?!?!?!? JÁ ESTOU HÁ TANTO TEMPO SEM UMA MARAVILHOSA?!?!?!!? Quando voltar, eu acho que… pelo menos, uma por cada dia… seria o justo. Teria era de arranjar era alguém que me viesse cá a casa no dumper da junta. Nem 15, quanto mais, para além de 60?!?!?!?!?
Para casa não, que elas não me haveriam de querer cá. Olha, que me levassem assim para um armazém onde pudesse ficar a destilar em paz.

AAAAAaaaarrrrrgghhhhhhhhh... faleci!
O meu reino por uma, agora...
O fresquinho a passar nas goelas... as bolhinhas... o bater no estômago... tum!!
Saudades imensas...

Eu que vivi tanto tempo longe da igreja, e que regressei depois de um curso de cristandade onde redescobri esse meu lado interior, sou agora, desde que começou a pandemia, assíduo das missas ao domingo, a partir da basílica do Cristo Rei, na RTP 1. Nunca pensei que pudesse vir a sentir tantas saudades das celebrações, e homílias do nosso amigo Padre Marcelino, das quais sempre gostei tanto. Quando se redescobre o prazer de conseguir pensar que tudo isto (da vida) poderá ter um sentido e não acabar aqui, nem se consegue lembrar da falta que isso lhe fazia quando nem sequer pensava nisso.

Faço as minhas orações, todas as noites, todas as manhãs, e peço por todos, mas muito pelos que estão a sofrer, pelos que estão a lutar, para que os que já não conseguem voltar, possam partir de vez; e para que os que ainda conseguem regressar, que  tenham a bênção de o conseguirem fazer.

Nunca pensei estar tanto tempo sem ver a minha tia Cremilde, mas sei que está protegida por uma estratégia muito inteligente e cuidadosa da Santa Casa da Misericórdia de Marvão, que colocando o pessoal por turnos e de quarentena, conseguem zelar pelo melhor de quem protegem. Se Deus quiser, hei-de vê-la depressa.

Oxalá passe tudo e… fique mesmo tudo bem.

Continuem a cuidar-se! Saúde!

domingo, 3 de maio de 2020

Parabéns Sr. Sizzle

Obrigado. Tão obrigado, Amigo... <3