quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Na vila...

Aviso: Este post contém elogios à minha pessoa. Não são feitos por mim mas por mim são reproduzidos, o que vai quase dar no mesmo. Eu sei que pode parecer presunçoso e pouco bem, ser assim juiz em causa própria, mas quero partilhar isto convosco mesmo que não comentem. Quem não gosta, meta de lado. Coma só as batatas que também alimentam.

Foto belíssima daqui

Eu pensei duas vezes em escrever este post. E fi-lo porque preciso, porque este espaço foi precisamente criado com essa intenção primeira: a de me permitir descarregar o que me vai na alma, sem limites, nem concessões. To speak my mind, como os ingleses tão bem definiram a intenção, nessa expressão que é, a meu ver, tão feliz quanto intraduzível.

No sábado passado fui visitar a feira medieval a Castelo de Vide na companhia de um casal amigo. Fiz portanto, uma coisa que não fiz nos anos passados em que desempenhei funções autárquicas e que muito provavelmente não faria se ainda tivesse essas responsabilidades. Vou ser sincero convosco… eu e Castelo de Vide temos um diferendo histórico. Passei lá 5 longos e duros anos da minha vida e nem todas as recordações são boas. De cada vez que passo por aquela Carreira de Cima lembro-me sempre dos dias frios de Inverno em que um vento gélido varria o empedrado e nós, tão pequenitos, por ali rodávamos de mochilas carregadíssimas, à espera da hora do autocarro. Com 10 anos… levantar às 6 e 20h da manhã para regressar depois das 7h da tarde, sempre por nossa conta e risco, não foi fácil. Claro que vivi ali coisas maravilhosas, cresci imenso, fiz montanhas de amigos, mas não foi uma estadia idílica.

Depois, sabem como é… há sempre aqueles espinhos cravados na história… A perda de autonomia do concelho… que foi “assimilado” por Castelo de Vide, o desaparecimento do Arco da Aramenha (um símbolo absoluto), roubado e levado… para Castelo de Vide… enfim…

A situação não melhorou quando assumi o cargo de Vice-Presidente e passei a ter responsabilidades óbvias na “política externa” do município. Apesar de sermos vizinhos, de termos executivos chefiados pelo mesmo partido, de estarmos envolvidos em projectos comuns que tudo teriam a ganhar se falássemos a uma só voz, de termos quase tudo o que fazia falta para que a coisa funcionasse às mil maravilhas… nunca senti, sinceramente, que havia uma vontade única e inequívoca de trabalhar para o bem comum. Parecia sempre que existia uma vontade latente de demarcação, de aproveitamento, de imitação, de desdém, até. As tentativas frustradas para conseguir que as ruínas da cidade romana de Ammaia fossem consideradas um investimento estratégico para o tão falado triângulo turístico são um exemplo evidente do que pretendo demonstrar.

Neste contexto, é óbvio que sendo o principal responsável pela concretização em Marvão do festival islâmico Al Mossassa, não pude ver com os melhores olhos a criação em Castelo de Vide de um acontecimento que apesar de se centrar num período histórico diferente, tem uma natureza muito semelhante.

Eu sei que pode ser uma parvoíce, uma birra sem sentido, mas pareceu-me mais uma tentativa de cópia que outra coisa qualquer. Atenção que o mesmo já tinha sucedido com a semana gastronómica do Cabrito e do Borrego na Páscoa e com outros eventos pelo que já não era de estranhar. Perguntava-me se teria sido necessário Marvão avançar para uma iniciativa desta natureza para que a congénere da vila tivesse surgido…

A ver se nos entendemos… Castelo de Vide é uma vila belíssima com inúmeros recursos: tem uma envolvente de encantar, tem um rico património edificado e cultural, tem jardins muito bem cuidados, um asseio esmerado, tem restaurantes, tem esplanadas, tem estruturas desportivas, tem inúmeras camas e tem o legado judaico que na minha opinião é a sua jóia da coroa e está ainda muito longe de ser devidamente explorado até porque é único e diferenciador das suas “concorrentes” vizinhas (chamemos-lhe assim) a destino turístico. Ademais, diz respeito a uma comunidade poderosa e bem colocada que está sempre disposta a investir. Faria todo o sentido para mim, a criação de um evento baseado nessa herança judaica, recriando a sua fixação naquela zona (e não numa instável e para eles perigosa, pela proximidade da fronteira, como era Marvão) após o édito de expulsão dos reis católicos e que explorasse o seu modo de vida nas mais diversas vertentes, incluindo as actividades económicas, o lazer, o vestuário, a gastronomia, os progressos culturais e científicos, as celebrações religiosas. Será que não seria bem mais original, mais singular e mais adequada ao passado daquela terra e daquelas gentes?


Mas bem… passou um ano desde que cessei funções e eu sou um homem de paz. É essa a minha condição natural. Enterrados os machados de guerra, lá rumei à vila, de espírito livre e coração aberto a fim de visitar o dito certame.

Não fui cedo e consegui encontrar, com relativa facilidade, um lugarinho para estacionar e aí foram logo pontos a favor. Depois, estando perto do Ciclo Preparatório, sempre pude explicar à minha Leonor onde é que a mãe me roubou os primeiros beijos (ou terá sido o contrário?) e isso também teve a sua legítima piada. Mais pontos a favor.

A tarde estava fantástica, com uma temperatura ideal e a convidar ao passeio. Demos uma vista de olhos pelo recinto, só para ter uma perspectiva geral e encaminhámo-nos ao Djóni (fantástico portuguesismo adaptando o anexim anglo-saxónico). O Djóni é um restaurante que fica de esquina por baixo das antigas bombas de gasolina, onde ficava o antigo Núcleo do Sporting, e merece uma visita, não só pela cozinha e pelos preços acessíveis, mas sobretudo pela personagem do proprietário, pela sua bonomia, galhardia e enorme jeito para receber. Se há tipos que têm pinta para estar atrás de um balcão, que sabem cativar e fazer-nos sentir bem, o Djóni é certamente um deles. Um tasqueiro à moda antiga! Eu tiro o chapéu!

Bem aviados e de barriguinha cheia, seguimos depois para o mercado medieval onde encontrámos tantos, mas tantos amigos que acho que nunca conseguimos dar mais de 20 passos seguidos. Foi demais! Chegou ao ponto das mulheres se fartarem de nós e terem ido para a frente sozinhas pelo que houve vagar para quase tudo. Em amena cavaqueira ou encostados a um balcão para uma ginja ou uma imperial, divertimo-nos a bom valer, desfrutando do prazer da companhia e de caras que há muito não víamos.

A dada altura cruzo-me com dois colegas de carteira dos tempos de ciclo e diz-me um deles:

“Olhó Sabi… andas bom? Sabes que eu sou frequentador lá do teu blogue? É! Vou lá quase todos os dias. Parto-me todo a rir com aquilo. Às vezes estou aborrecido lá no emprego e digo assim… eh, deixa cá ver o que é que o Sabi está para ali a dizer. É demais. Gosto muito. Dá vontade de rir mas tens lá coisas mais sérias das quais eu também gosto muito. Aquela cena que tu escreveste quando morreu aquele teu vizinho… O Bicho, isso! Fogo… estava demais. É que tu vais de uma ponta à outra com uma facilidade do caraças. Impecável. Olha… parabéns. Tens de continuar, pá!”.

Eu não sei se vocês estão a ver, mas quando uma pessoa que eu considero (e não via há anos!) me diz uma cena destas… é bom. Não sei se deu para perceber, mas o meu ego deve então ter ficado maior que a estátua do Pedro V, coitadinho, que estava logo ali ao lado a mitrar tudo. Acreditem que muitas vezes, são estes estímulos que menos esperamos que fazem com que não vá logo para a cama com as pequenas e fique aqui sozinho a fazer este crochet cibernético no sofá até altas horas da matina.

À frente encontrei outro amigo, este mais recente, colega das aulas de música e das minhas andanças como vereador da Educação. Falámos da vida e de tudo um pouco e a dada altura, disse-me que tinha uma proposta para mim. Que andou a musicar uns versos do Pessoa e tinha em mente fazer um projecto a partir dessa base. Queria convidar-me, a mim e ao nosso professor de música, para fazermos parte dele.

“A mim?!?!? Tens a certeza que não te enganaste na pessoa? Mas vocês tocam milhões, os dois! Tu não és professor de música mas tocas quê? Desde os 6? 7?”.

Mas o rapaz não bebe e disse-me que sim, que era eu. “Opá… tu tens tido uma evolução extraordinária. Trabalhas e ensaias muito e depois, és um animal de palco. Sabes relacionar-te com as pessoas, cativá-las, puxar por elas. Era fundamental que tu também entrasses…”

Ai… (pensei eu) queres ver que estes gajos hoje me estragam com mimos?

“Olha, está bem. Vou pensar se consigo. Manda-me as músicas que vamos falando”.

“Anda lá, Pedro. Estás sempre bem disposto. Tu animas, pá! Olha… só estar ao pé de ti, já é um prazer”.

A esta hora, e eram quase 2h da manhã, o tal ego que vos falei há pouco mal cabia na Carreira de Cima. O homem vinha inchado e disposto a regressar à base mas a pequena por força que queria um vestido de odalisca ou bailarina ou lá o que era aquilo. Vamos lá, atão!

- “Boa noite, senhora, (acercando-nos da barraca). Então não me arranja um fatinho em conta aqui para a minha pequena?”.

- “Claro qui sim!” (Em português brasileiro).

- “ E para mim? Eu gostava de um cor-de-rosinha…”

(Rindo) – “Ah… sei não… é mais difíciu… Não sei si tem seu tamanhu…”

E a conversa continuou na galhofa até que o patrão, que estava de costas, sentado numa cadeira, se virou para trás para ver quem era o artista e com ar desconfiado me perguntou:

- “O sinhor é di onde?”.

- “Eu? (Vendo que também ele me reconhecia) de Marvão”.

(Levantando-se num ápice e encaminhando-se para mim de mão esticada) “Sinhó Pedro. Disculpa… Não reconheci logo… Não fazia tua cara aqui…”

E por ali fomos falando até que me disse: “Ah, sinhó Pedro. Sei que este ano não está no Al Mossassa. É pena… Nós gostarmos muito de si. Bom coração. Preocupado connosco. Sabe, sinhó Pedro… eu tem reparado e falado com outros vendedores e nas feiras em Portugal, sempre que uma pessoa da organização sai… fica sempre pior. Sempre, sinhó Pedro! Eu não sei quem faz Marvão mas eu te digo… sinhó Pedro… Tua reputação estava muito alta porque todos que fazem feiras falam de ti e de Marvão… Tu amigo de nós e nós gostamos de ir”




Já de saída despedi-me do Anthony (luso-francês, vendedor de antiguidades, 2 vezes em Marvão). Deu-me um abraço apertado e um beijinho no pé da minha mais pequena e disse-me “Ah, Pedro… tens uma família linda…”.





Quando vínhamos mais para a frente, ouvi alguém chamar. Virei-me e era ele, com um saquinho na mão que me entregou sorrindo. “É uma lembrança que quero que tu guardes. É para a tua senhora”.

Era um pregador que parecia antigo com umas pedrinhas incrustadas, em forma de flor.



E partiu sorrindo, dizendo adeus.



Eu fui à vila… e vim de lá feliz como nunca pensei.




PS: Um abraço aos companheiros de jornada dessa noite e a todos os amigos que tive o prazer de cumprimentar. Bem hajam pela companhia. Adorei a festa! Quando é que há outra vez?

5 comentários:

Felizardo Cartoon disse...

Eu perdi há anos o hábito de ir às esplanadas de Verão de Castelo de Vide, desde que fizeram aquele elefante branco daquela praça geométrica, granítica e cinzenta pouco frequentada quer por novos quer pelos idosos: No Inverno é trespassada por um vento cortante e gelado, no verão a escassez de sombras afugenta os residentes e turistas.

Acabou com grande parte dos estacionamentos.


Com esta feira medieval, parece ter encontrado alguma utilidade. O ambiente estava magnífico, sobretudo à noite com a envolvência arquitectónica que é soberba.

O elefante branco assim engalanado até parecia um belo espaço( ao menos uma vez por ano).

Também gostei de te ver por lá !
Abraço! Hermínio

Helena Barreta disse...

Sabe sempre bem ser reconhecido pelo nosso trabalho, ainda para mais quando esse trabalho é em prol da nossa terra e das nossas gentes, quando desse trabalho e de todo o esforço, o sucesso é garantido e leva o nome da terra muito além das suas fronteiras é de elogiar. Parabéns.

Bom fim de semana

nuno mota disse...

Depois de mais uma vez passar os olhos pela magnifica sala que é o teu blog, aproveito para te dizer o seguinte: Foi com muito prazer e uma lagriminha ao canto do olho que recebi a tua oferta ! Depois de ouvir, mais sensibilizado fiquei ! E quando leio todos os comentarios que por aqui passam, não posso deixar de pensar que outra coisa não seria de esperar que ouvir comentarios elogiosos à tua pessoa, pois e, como sabes, pois já tive ocasião de o dizer, conheço muito pouca gente que como tu tenha qualidades impares que me levam a considerar-te um HOMEM perfeito a todos os niveis, e que me deixa muito feliz por pertencer ao meu lote de amigos! Poucos, mas bons ! A Vida vai-nos ensinando isto, meu caro ! Que nunca te canses de me considerares teu amigo pois sinto-me deveras lisongeado!!! Beijinhos à familia toda !!!!

Pedro Sobreiro (Tio Sabi) disse...

Meu caro Nuno,

Quando se é amigo e se gosta, tende-se a ver os outros assim, dessa forma exacerbada como tu me vês a mim. Agora… se há pessoa que não é perfeita, acredita amigo, sou eu. Tenho consciência de muitos dos meus defeitos (que não são poucos!) e de alguns nem sequer me dei ainda conta deles, vê-me bem! Mas esforço-me por ser um homem de bem e nisso aí acertaste. Tu também és assim.

Quanto ao prazer de ser amigo, aqui vais ter de me deixar ganhar. A tua amizade foi herdada do meu pai, quando tu eras o grande Nuno Cantor que maravilhava plateias pelo distrito e pelo país com as covers dos grandes êxitos da altura e eu era apenas um puto da Beirã com um cabelo algo estranho e uns óculos pretos de massa que aparecia lá por Santo António montado numa chopper em miniatura.

;)

Eh, eh…

O tempo passa mas eu não esqueço. A gente vai inevitavelmente mudando mas a massa de que somos feitos, estou em crer que não mudou nada.

Um grande abraço e desfruta desse som mágico que te enviei. Está demais, não está?


À Helena e ao Hermínio, um beijinho e um abraço, respectivamente, por serem dos clientes que não se calam. ;)

Chinchila disse...

A minha mãe deixou Santo António das Areias há 60 anos para procurar melhor vida em Lisboa. Quando a família se reune, ouvimos as histórias da guerra civil de Espanha e do tempo em que uma sardinha dava para 3 pessoas. É com muita emoção que sigo o seu blog, porque as minhas raízes estão aí e porque o Pedro escreve com o coração. Muito obrigada pelos bons momentos de leitura. Teresa