Sapat... ai! Marteladas, aí vou eu! |
Ei-los! |
O
convite surgiu de forma inusitada, quando entregava a minha filha na escolinha.
Esse desafio chegava de uma profissional com P maiúsculo, alguém que comecei a conhecer,
com quem trabalhei muito, sempre de forma muito feliz e eficaz quando fui o
vereador responsável pela educação na Câmara Municipal de Marvão. Se havia
pelouros importantes, este era seguramente um dos mais, um daqueles nos quais
depositava a máxima concentração e dedicação.
Naquela
manhã, a professora Teresa Maria Reis perguntou-me se queria ajudar os alunos
na última atividade do projeto de empreendedorismo do Pré- Escolar. Ainda antes
de dar a resposta, a minha cabeça já estava a fervilhar de que forma poderia
fazer algo que tivesse o meu selo e tivesse um nível… alto. Procurei reunir, quanto
antes, o máximo de informação possível para saber de que forma poderia criar o
meu ”boneco”.
Soube
logo então que o objetivo de fundo era nunca exceder os 10 euros por cada obra.
O suficiente para cobrir os custos dos materiais utilizados em cada uma (3
euros pelo tela + tintas…). Para além disso, o mais importante era conseguir
recriar o ambiente de um leilão verdadeiro, para que os pequenos se sentissem
mesmo enquanto artistas que tinham a sua obra a ser licitada, valorizada,
querida. E aqui entrava eu.
Quem
me conhece sabe que eu adoro festa, estar bem disposto, brincar, ser feliz. Mas
mesmo para brincar, a pessoa tem de ter nível. Quem conhece a minha história no
Marvão Folião (aqui cristalizado no separador “Carnaval”, no banner direito)
sabe da dedicação que o meu grupo de amigos carnavaleiros da “Escola de Samba
Unidos da Ramila de Cima” colocava em cada atuação que assumia. São os grandes
detalhes que fazem os grandes quadros e eu, artista do método, sempre assumi
que assim era.
Com beldades destas... onde é que estão as obras de arte? |
Por
isso imaginei logo um leiloeiro que teria de ter um aspeto consentâneo com a
figura que queria. Fui-me ter com a minha amiga Luana, da Loja China Store e
procurei por um martelo, indispensável à coisa.
-
Martelo para pregos?
-
Não, querida… um martelo de leilão.
-
Não tem.
-
Não tens?!?!?!? Mas se vocês aqui vendem tudo… Com simpatia, baixo preço, questionáveis
garantia e durabilidade, mas ainda assim… têm tudo. COMO NÂO TÊM?!?!? E onde é
que eu vou agora a ver disso?!?!? Já não há rua do comércio…
Vinha
já um pouco abatido e cabisbaixo quando o Jorge, o seu marido chinês, que tem
um nome bem tuga e um aspeto dandy fantástico, sempre com um lencinho atado ao
pescoço, disse…
-
Espera! E lá vem ele, todo contente, com… um martelinho de sapateira!
-
Perfeito, rapaz. Quanto vale?
-
Euro e meio.
-
Levo!
Já
a pagar… Epá! Ainda me falta um adereço para o pescoço! Luana, tens gravatas,
preta?
- Tem, tem.
- Então levo uma… espera! E papillon?
- Tem, tem… (o que eu adoro esta música. Tão assertiva…)
- Isso! Levo!
Agora
que os adereços já estavam, teria de levar uma roupa de cor apelativa associada
ao caráter que queria para o menino, os meus óculos de massa da Ray Ban, e o
bigodinho misto Tonico Bastos/Fernando Pessoa teria agora permissão. Uma trégua
já vai bem. De resto, tinha de ser um leiloeiro um pouco empanascado. Com
tiques gay e pelas fotos creio que se percebe isso foi consegyuido. Que isto de
coisas das artes e papillons e camisinhas cor de rosa e taratati, taratatá! não
ia meter ali um tuga de braceletes, tatoos, fios de prata ao pescoço e a unhaca
grande do dedo pequenino. Também dava! Mas isso era para outras calendas… Para
dar arrotos e coçar os tintins em público…
Se
o leilão era para começar às 5 ou 5 e meia, apresentei-me logo bem cedo para estudar
o pintor, saber mais sobre os quadros que foram realizados, dispor os lugares
por forma a que as cadeiras dos licitadores ficassem todas viradas para os quadros,
criar um espaço para os alunos poderem ver toda o processo do leilão, preparar
tudo. Método.
Pedi
então às crianças que saíssem um pouco da sala para realizar alguns
preparativos do grande momento e estando a sós com os pais, aproveitei para
explicar o funcionamento da coisa, dizer que o objetivo era cada pai ficar com
o do seu filho e não digladiarem-se entre si. Nessa medida, quis saber se havia
alguns que “não quisessem brincar tanto”.
Depois
de estar tudo pronto, Portugal continuava a perder com a Hungria e eu pedi para
desligarem a televisão do bar. Se se queria realismo, valores mais altos se
levantavam e um leilão, não é uma brincadeira qualquer.
Não é deles. É original. |
Demos
início ao leilão. Fiz uma ligeira apresentação do pintor, José de Guimarães, também baseado na
cartolina exposta que tinham realizado sobre ele; e de seguida, chamei para
junto de mim cada pequeno artista antes do quadro ser licitado. Não é algo
comum num leilão real, que os artistas não se preocupam muito com essa coisa
vil como é o dinheiro e, ou estão mortos, no momento do leilão, ou não ligam
cheta à moeda, que ou abunda ou escasseia.
Os
miúdos, estarrecidos de contentes, todos inchados e importantes com o seu
trabalho a ser avaliado. Os pais, impecáveis, a assumirem na íntegra a postura
que lhe tinha pedido. A licitarem, a picarem-se e a oferecerem um mais que o
outro até que eu… DOU-LHE UMA. DOU-LHE DUAS… DUAS… DOU-LHE TRÊS! Vendido àquela
senhora ali do fundo!
Em
surdina, ao ouvido:
-
Conheces aquela senhora?
-
Sim.
-
Quem é?
-
É a minha mãe.
-
PPPPPPPPxxxxxxxxiiiiiiiiiiiiiiiuuuuuuuuuuu… é uma senhora com muito dinheiro
que veio da América. Olha que se dizes que é a tua mãe, eles pensam que estás a
fazer batota e não te deixam levar o quadro.
E
era vê-los a irem para o lugar todos contentes, cheios da brincadeira e do
realismo da coisa.
Foi
tão bom. Fui tão feliz. Muitos pais e professores me agradecem, ainda hoje,
pela prestação. Eu sei que a falsa modéstia é arrogância e, sei que estive bem.
Esforcei-me, preparei-me e… o trabalho é sempre bem recompensado.
Mas
a haver aqui agradecimentos, é meu e creio que posso dizer extensivo de todos
os pais, à professora Teresa Maria Reis e a toda a sua equipa (a prof. Rosa
Jacob, ao nosso professor Filipe Ferreira, à Sílvia Siveira, e a todos os funcionários)
que estiveram em contato com os nossos filhos e lhe proporcionaram o melhor
ambiente para aprender. À Teresa em particular, tenho que lhe dizer que o que
diferencia um bom trabalhador de um trabalhador que marca para toda a vida com
quem contata, é o amor e a paixão que coloca no que faz. E a Teresa será
certamente uma profissional para a qual eles sempre hão-de olhar com um carinho
desmesurado.
VOILÁÁÁÁÁÁÁÁÁ Francisco! |
Por
esta sua dedicação no ensino, que tem sido para nós bem possível de apreciar pelos
quadros que os põe a criar, podemos tirar as ilações que nos fazem falta para
nos tranquilizar por todo o tempo que os nossos filhos estiveram consigo. Eu só
sei o descanso que tinha de cada vez que a levava até si.
Bem
haja. Tudo de bom e a correr sempre pelo melhor. Sorte, saúde e continue. Há
muitos anos de gerações de crianças (e pais) para fazer felizes.
Obrigado
Teresa.
Por Alice Lança Sobreiro, de 6 anos Já dorme na sala. Ao lado do Matisse e do Van Gogh |
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