Até que nos encontremos por aí...
Este
texto… é daqueles que tinha mesmo de escrever. Tem andado a viver comigo, há
mais de 15 dias, de férias, no mar, a correr, assim que acordo. Tem andado a
ser desenhado na minha cabeça. Como se tivesse nela, uma folha em branco, que
começava a ser rabiscada, onde iam sendo colocadas notas, de por onde deveria
seguir.
E
perguntam-me, muitas vezes, muitas pessoas diferentes: (e eu vou classificando
as opiniões, de acordo com o crédito que elas me merecem, umas muito, outras
menos) mas porquê é que escreveste aquilo? Tinhas mesmo de o fazer? Mas quem é
que te paga para dizeres sempre as verdades? Teria vindo mal algum ao mundo, se
não tivesses escrito aquilo? Porquê?!?!?
E
eu penso, ou respondo, mesmo: Eu sei lá! Aquilo tinha de sair de mim. Quando eu
escrevo, faço a minha justiça. Resolvo-me. Oiço-me. Poupo dinheiro em
psiquiatras.
E
depois… é apenas um blogue. O Sousa Tavares, que adoro e muito considero,
abomina os blogs e os bloggers. Diz que é um mundo de calúnias, de invejas, de
gente mal formada, indecente e covarde. Eu concordo quase sempre com aquilo que
ele defende, mas neste caso, quero que ele tenha mas é, um filho pela barriga
das pernas. Eu sou livre e… é apenas um blogue. Por Deus! É apenas um blogue.
Por exemplo, em relação ao meu último texto que aqui publiquei, tive as mais
diversas reações, de gente que muito considero, e senti-me… bem. Sinto que é
feita justiça à arte, que fui para Lisboa aprender a aperfeiçoar, durante 4
anos seguidos. E ademais, se o visado tivesse um blogue e tivesse tido o arrojo
de escrever um texto sobre mim, assim, às claras, sem nada nas mangas…
provavelmente nem o ia lá ler. Eu quero lá saber disso! Daquilo que ele pensa
sobre mim! Apenas estimo e considero, ouço,
e prezo, quem quero. A minha liberdade dá para isso. Quanto mais não seja.
Hoje
traz-me aqui a perda de um amigo. Que dói. Porque inesperada. Porque fortuita.
Porque nos prova, mais uma vez, de forma dura, quão efémero é tudo isto. A
vida… é um período de férias que a morte nos dá. Cada vez mais me convenço
disso. Passamos tão pouco tempo cá, aqui, por muito que cá passemos, que não
vale a pena, a maior parte das coisas que deixamos que nos aconteçam.
Animosidades, invejas, discussões, pretensões, usura, vaidade… nada disso.
Vimos nús, sem nada; e assim nos marchamos. Seja o Américo Amorim, que tinha
conseguido amealhar na vida, os 4 mil milhões, que fazem falta ao país para
sair do buraco; ou o mais pelintra dos pelintras… sai tudo pelo buraco dos
fundos.
Sempre
que pensava neste texto, e na homenagem que quero fazer a este homem, a este
querido Amigo, pensava nesta música:
Para ir ouvindo, enquanto se lê...
Porque
é assim que me sinto, cá dentro. Algo me morre na alma, quando um amigo parte
para sempre.
Vou
ficando velho, sabem? Isto pode soar ridículo, a quem apenas tem 44 anos, mas…
já são 44!
São
4 décadas, mais 4 anos. Não sou propriamente um puto. E de cada vez que
desaparece um dos pilares que me habituei a ver desde sempre, vai-me dando a
sensação que o meu tempo se está a desintegrar. Não sei se me consigo explicar
mas, a ideia é de que, quando se nasce para o mundo, há uma série de
referências, na família, na terra, no país, no mundo, na música, nos filmes, no
showbizz em geral, e… há medida que eles se vão esfumando, outras vão surgindo,
mas… o nosso tempo já não é delas. É dos putos.
Por
mais que se ame um neto, ou uma neta; este amor temporal nunca será o mesmo
para um pai, ou um filho. Acho que é isto que quero dizer. Há cadência, mas a intensidade…
nunca será a mesma, para um e para outro.
Recebi
a notícia da forma mais abrupta. Ia dançar à vila de Castelo de Vide, com a
marcha dos Outeiros, a convite do Sr. Presidente António Pita, e descemos junto
o Cine Teatro, onde nos íamos vestir. Dispararam-me um “sabes quem é que
morreu?”, o que me deixa sempre em suspenso, a ler a expressão de dor, espanto
e mágoa, de quem ma dá.
Em suspenso.
-
“O Zé Maria!”
Mas qual? Fui
pensando. Conheço tantos…
-
Estava lá a carrinha da VMER na Beirã, à porta dele, e já não havia nada a
fazer…
Zé Maria… Beirã…
foi o da Graça!
-
Como?!?!?!?!?!?
-
Foi uma coisa que lhe deu. Não sei se coração, cabeça… estava na horta e… caiu
redondo.
-
Caraças! Precisei de respirar e
desviei-me.
Porra…
Nem velho, nem doente, nem… nada!
O
Zé… Sessentas largos, setentas?
Conhecia
o Zé desde sempre. Era guarda fiscal na minha terra, na Beirã. Tinha 3 filhas,
todas mais velhas que eu, minhas amigas, e uma esposa que é um amor. Daquelas
mulheres autênticas, verdadeiras, trabalhadoras, da terra. Aliás, todas elas
são!
O
Zé Maria tinha idade para ser mais que meu pai, e tinha sido bem amigo dele.
Quase que dava para ter sido meu avô. Mas gostava tanto de mim… e eu dele!
A tratar de mim... A pentar-me e a arranjar-me os óculos nesse dia de festa. |
Quando nos encontrávamos…
- Ehhhhhhh… o meu Zé Maria! Anda cá meu amor. Quando vejo o Zé Maria, é como ça visse o Deus do céu!
(ele agarrava-se a mim,
deixava-se rir, e dizia: ai este cabrão deste gaiato…)
Davamos sempre um
beijinho. Era como a gente se cumprimentava.
Quando
eu era miúdo, ele era o Sr. Graça, como havia o Sr. Gonçalves, o Sr. Felino, o
Sr. Leandro, o Sr. Curinha, o Sr. Sabino, o Sr. Cardoso… E eu era o amigo dos
filhos e filhas. Eram senhores. Senhores, e nós, só os tratávamos assim.
Depois
andei a estudar por Lisboa. Quando regressei, ao fim de 4 anos, entrei para as
finanças, em 2000, para Nisa. Aí foi quando passámos a privar mais os dois,
como companheiros. Eu usava muito a estrada da Póvoa, sobretudo à sexta-feira,
quando entrávamos no fim-de-semana, e encontrava-o no Nicau, onde parava quase
sempre para dar as boas vindas ao período de descanso. Ali molhava o bico, ali
tirava um petisco, ali dava dois dedos de conversa a quem estava por lá. E aí
entranhei o Zé Maria.
O
Zé Maria era um homem genuinamente bom. Era bom. Naturalmente bom. Nunca o vi
zangado com ninguém. Estava-se bem ao pé dele. Por isso é que eu nunca o
largava. Na Casa Nicau, fomos seguramente, dos melhores clientes de camarão
frito da Dona Teresa, aos sábados à tarde. Eu e o Zé, sempre tivemos esta
capacidade de atrair amigos e assim, conseguimos ir juntando um grupo, onde
contavam os indefetíveis Manuel Coelho e Careca, por exemplo, e outros que por
lá iam passando.
Com o Xico da Blusa... entre os amigos, num dia de festa, como gostava de estar |
Quando
me via:
-
Pedro, como é? Hoje há meio quilinho delas? (gambas fritas)
-
Ó meu Zé Maria, é claro que sim!
E
foram muitos, muitos, muitos meios quilinhos delas, sempre muito bem regados,
com umas fresquinhas à maneira, que a gente até vinha de lá regalado.
O
Zé era um esmerado cozinheiro, e adorava fazer petiscos na garagem, onde tive o
prazer de comer alguns. Aperfeiçoou a arte nos tempos do posto da Guarda
Fiscal, quando lá se cozinhava, e, segundo dizem as más-línguas, se consumia
algum vinho, ao ponto de terem existido queixas de casas comerciais da terra,
desta concorrência… desleal?
O
Zé era muito novo. Não era velho, nem nada que se pareça, não sofria de males,
e parecia que ainda teria muito para viver. Quem diria...
Sofreu
muito com a doença do irmão, de Marvão, que teria abatido muito e perdido
muitos quilos. Foi-se a ver… foi ele, mais novo.
Isto
a vida…
Se
havia coisa que o Zé adorava, para além de gostar dos amigos, de um petisco e
de um copinho com eles, era da família. O Zé adorava as filhas, a mulher, os
genros, e do neto Ricardo. Não sei se tinha mais netos mas deste, como estava
tão próximo e foi o primeiro... Falava deles com um gosto, uma veneração, que
dava prazer. Percebia-se que eram a melhor coisa no mundo, para ele.
Não
resisto a contar-vos uma história, que conta muito sobre mim e, sobre o Zé.
Quando eu trabalhava em Nisa, andei a juntar dinheiro para comprar uma
televisão. Mas não era uma televisão qualquer, atenção! Era para comprar uma
televisãzorra! Que eu já era casado desde 97, já vivia numa casinha própria com
a minha Cris, na Rua do Espírito Sano, nº 8; já ganhava o meu dinheirinho, e já
merecia uma televisão, que não fosse aquela caguincha pequenina que lá tinha.
Fui-me direitinho ao Electro Narciso e comprei um aparelho Sanyo, que me custou
230 contos! Caraças! Era um maquinão! 80 centímetros de ecrã plano, P.I.P.
(picture in picture, que dava para ver 2 ecrãs diferentes ao mesmo tempo),
P.O.P. (picture outside picture), capaz de durar o resto da vida. Ou quase… que
a gaja só berrou há 2 anos atrás quando comprei esta que tenho agora.
Convidei
o meu amigo Zé Maria para ir lá a casa, para ver o que eu tinha comprado. Sentámo-nos
os dois no sofá a ver e… não foi notícias, não foi tourada , e muito menos
futebol. Foi… filmes de homens, que me tinham emprestado! Ou melhor, para
homens verem, se é que me faço entender. Ou seja, com gaijas… pouco vestidas.
Aquilo são películas sem história, sem enredo, com muita ação, que quanto mais
tiver, melhor! Meti aquilo a bombar, com a música ambiente bem altinha,
postigos fechados, e eu a ver o Zé Maria regalado. Nem dizia nada…
Até
que lhe perguntei: atão Zé, o que achas da televisão? Tem uma boa imagem?
-
Porra, se tem! Os cabelos (de baixo) das gajas parecem troncos!
EHEHEHEHEHEHEHEHEHEH…
tanto que a gente se riu… Parece que o estou a ver…
O
meu Zé Maria… Tenho tanta pena que ele tenha abalado, e já nunca mais no possamos
ver, nem malhar meio quilinho delas, como agora, na festa da Beirã, que é hoje
o dia!
Estive
no teu funeral, assisti à missa na casa mortuária. Senti, com pesar, o teu fim.
Lamentei o som das tantas conversas lá fora. Não quiseram deixar de estar.
Compreendo. Mas foram falando de outras coisas, triviais, da vida, do
quotidiano. Lamento tanto que seja assim. Mas o meu, não será diferente. Eu
estou de luto, cá dentro, por ti, amigo. Não sou da tua família, mas de cada
vez que vir os teus, ou te vir a ti (nas tuas coisas), ou falar de ti, lamentarei
a falta, com muita saudade.
Foste na
frente, companheiro. As leis da vida assim o ditaram. Até que nos vejamos por
aí, outra vez. Que a tua alma fique em paz…
4 comentários:
muitas vezes os amigos são muito a família da gente
forte abraço
Já o meu saudoso pai dizia que vimos cá apenas e só ganhar um fatinho ... Nascemos nús e, em condições normais, levamos um fatinho ... Para quê tanta inveja e ganãncia .... Era bom que o ser humano aprendesse de uma vez por todas a viver em paz, harmonia e não pensasse apenas no vil metal ... que fica cá todo !!!!! Um abraço par ti Pedro que escreves de maneira a que fiquemos a pensar no assunto ....
Pedro Sobreiro, o José Maria da Graça, fez parte da minha companhia CCS 729, anos de 1964 a 1967, em Moçambique.
Foi um bom amigo.
Paz à sua alma.
Paz a sua alma, escreveste uma homenagem linda, o que morte e o corpo a sua alma espero que esteja bem.
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