domingo, 1 de novembro de 2020

A Covid e o dia dos mortos

Do capítulo “Coisas que me assombram e me fazem tanta confusão”

 

Logo para começar, há que esclarecer que o dia 1 de Novembro é o dia dedicado a todos os santos,  uma “festa celebrada em honra de todos os santos e mártires, conhecidos ou não, celebrada pelos crentes de muitas das igrejas da religião cristã, por terem assimilado do paganismo. Assim sendo, não há que fazer confusão com o dia dos fiéis defuntosdia de finados ou dia dos mortos, que é celebrado pela igreja católica no dia 2 de novembro, amanhã, já que desde o século II, alguns cristãos rezavam pelos falecidos, visitando os túmulos dos mártires para rezar pelos que morreram.


O que acontece é que como o dia 1 é geralmente feriado, as pessoas aproveitam o dia dos santos para fazerem correria aos cemitérios a fim de recordarem os mortos, lavarem as campas, comprarem flores para as adornar, e fazem uma injeção de capital substancial no mercado dos floristas, que obviamente se anima com estas ondas.

 

A pandemia Covid que acelera a velocidade assustadora no nosso país, com os números de infetados e de óbitos a dispararem como nunca antes, provocando que os hospitais, sobretudo os do norte, já asfixiados, antevejam os piores cenários para os próximos dias, veio assombrar ainda mais a já taciturna treva desta data, em que habitualmente se visita a campa dos falecidos.


Para precaver o pior, o governo proibiu a circulação entre concelhos entre 30 de Outubro e 3 de Novembro, estancando assim a migração entre as cidades e o interior, obstando a que a propagação aumente.


A Igreja fez uma enorme pressão para que os cemitérios ficassem abertos e os vivos pudessem chorar os seus mortos, muitos resultantes desta desoladora crise, como se pode ver aqui,

https://www.lusa.pt/article/2WaL0aRWU8SjL4snRSosTDMSZM5iuSI1/covid-19-com-regras-sanit%C3%A1rias-e-sem-abra%C3%A7os-h%C3%A1-cemit%C3%A9rios-abertos-em-gaia


Mas (e agora entro eu): as pessoas vão chorar os mortos mas… nesse sítio onde eles supostamente estarão sepultados… não há lá nada! Nada! Apenas um lugar. Umas pedras, umas lápides, umas fotografias, ou apenas uns dizeres, coma data de nascimento e a data do óbito. No caso da minha família paterna, que está sepultada na minha Beirã, no sítio para onde muito provavelmente também os meus restos irão ser depositados (oxalá ainda tarde muito), a decoração escolhida foi muito simples, sem qualquer fotografia, e uma pirâmide de mármore, apenas.


Partindo daqui, entramos no campo do acreditar em algo para além da vida terrena, ou não. Quem acredita, assume que isto da vida aqui no planeta terra é mesmo uma passagem, um momento, um fogacho, uma aventura que pode durar décadas, ou não, mas que não é um fim; antes se trata de uma aprendizagem, uma fase que não pode ser saltada num processo maior.

 

Para quê, porquê, para onde vamos, no que nos tornamos, para onde voltamos, são perguntas que nem eu, nem mais alguém pode responder, mas que quem crê, acredita que um dia, que queremos sempre o mais longínquo possível (porque isto aqui, apesar de tudo, é muita bom), há-de ter uma resposta. A luz.

 

Para quem não acredita, tudo se torna ainda muito mais rápido, como se pode comprovar aqui: https://pt.wikipedia.org/wiki/Putrefa%C3%A7%C3%A3o, porque a esqueletização começa em 4 semanas. https://pt.wikipedia.org/wiki/Esqueletiza%C3%A7%C3%A3o

 

De forma que acredito mesmo que tudo isto é apenas uma fase, um momento, uma passagem e o mais importante de tudo é o… amor. O amor por quem queremos e nos quer a nós, não valendo de nada a pena que existam zangas, invejas, ódios que só atrapalham a serenidade que devemos ter, para vivermos tranquilos e em paz.



Então, em vez de choros, e visitas a pedras, proponho antes que se recordem vidas, sorrisos, frases, gestos, para que se mantenham vivos na nossa memória, aqueles que nos tocaram.

 

Peço emprestadas as palavras ao que acho grande Miguel Sousa Tavares quando disse que de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente. Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros. Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram.


Comigo também assim o é.


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