Mesmo assim. Por esta ordem: primeiro vergonha, depois orgulho.
A vergonha…
Ihor Homeniúk aterrou em Lisboa no dia 10 de março
às 11:00. Vinha de Istambul e foi imediatamente parado na primeira linha de
controlo. Sete horas depois, sem a presença de advogado, terá declarado que
vinha trabalhar. Não tinha documentação válida e foi-lhe recusada a entrada em
território nacional.
Como só falava ucraniano,
a tradução foi feita por uma funcionária sem habilitações, uma vez que o
inspetor do SEF não falava a língua. O Ministério Público coloca a hipótese de
Ihor nunca ter declarado que pretendia trabalhar em Portugal e que apenas teria
vindo em turismo, o que significa que estava isento de visto.
O regresso a Istambul
estava previsto para as 16:00, mas por motivos que não são conhecidos, ter-se-á
recusado a viajar. Terá sido algemado com fita adesiva à volta dos tornozelos e
braços por dois vigilantes de uma empresa de segurança até que os inspetores do
SEF chegassem.
Dois dias depois foi
declarada a morte. Teria estado 15 horas manietado, com fita cola e algemas, as
calças pelo joelho e a cheirar a urina.”
O Estado que somos todos nós, que nos
alberga, nos protege, nos dá guarita, para o qual trabalho, me alimenta a mim,
à minha mulher e às minhas filhas, que nem sempre é a pessoa de bem que todos
gostaríamos que fosse… por vezes, tantas vezes, vezes demais, envergonha-me.
Perante o triste e trágico sucedido acima
relatado, em primeiro lugar, culpo-me a mim próprio. por ter calado, por não
ter reclamado assim que soube, por ter ido na carneirada, por ter deixado. O
impecável Bernardo Ferrão, da SIC, diz que essa atitude foi muito provocada
pelos tempos atípicos que todos vivemos, por nestes dias, não sabermos muito
bem onde colocamos os pés. Mas eu, que tenho esta culpa imensa de me ter
calado, não me consigo perdoar.
O meu país, onde tenho a honra e o orgulho de
viver, um Estado de Direito, democrático, no continente mais civilizado,
moderno e organizado, não pode permitir que este tipo de situações aconteçam.
Este homem que vinha de fora à procura de um
futuro melhor, e a desbravar o caminho para poder trazer consigo a sua mulher e
filhos menores, não merecia um final assim. Nem os animais merecem um
tratamento de tal forma inclemente e humilhante.
A decisão de recusa de entrada de Ihor Homeniúk em território nacional, tomada a 10 de Março deste ano, no dia em que chegou a Portugal num voo proveniente de Istamul, foi da direção nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), delegada no aeroporto da capital, e o principio do fim, o começo e final de um filme de terror que acabou em tragédia.
O então diretor de Fronteiras,
Sérgio Henriques, demitido a 30 de março, após ter sido noticiada a morte de
Ihor e a suspeita de homicídio que impedia sobre três inspetores (desde 30 de
setembro acusados do mesmo), tratou o sucedido nas respostas à Inspeção Geral
de Administração Interna como uma mera questão burocrática - admitindo que não
delegara a competência, mas que os inspetores de turno podiam na mesma recusar
entradas, ou que era esse o "costume" - transformou a detenção
de Ihor no Centro de Instalação Temporária do aeroporto de Lisboa, onde veio a
morrer, no crime de sequestro, na opinião de juristas com os quais concordo.
O orgulho!
Neste episódio escabroso, quando
as forças que nos governam calaram, ou deram os pêsames à família do defunto de
boca fechada, foram os jornalistas, essa classe tão fundamental para que a
democracia funcione, o ar seja respirável, e o futuro viável, que colocaram os
pontos nos is. E essa televisão não foi a oportunista e mediática TVI, não foi
a demasiadamente manietada pelo poder que lhe paga, RTP; foi mesmo a única,
singular e indispensável Sociedade Independente de Comunicação, que procura
lucros, como todos neste mercado, mas que no meu modesto entender, é intocável,
e nos garante, com o seu extraordinário lote de jornalistas, que cada assunto
tem o relevo que merece.
Graças a ela, Costa não fez rolar
a cabeça do irritante Cabrita, menino bem do regime a quem tudo é permitido; e
essa mente brilhantemente afetuosa que dirige a nossa nação, que se adiantou a
dar os pêsames a esses ilustres portugueses como foram George Michael, David Bowie ou Prince (clique na hiperligação),
mas desta vez nada disse, porque Portugal não foi visto, nem achado no assunto.
O homem assassinado era
controlador aéreo, não propriamente um aprendiz de servente, e a sua esposa,
professora, no país natal, o que faz com que não estejamos a falar de cidadãos completamente
desqualificados, o que torna tudo muito mais insólito e bizarro.
As palavras amargas de Oksana Homeniúk, a revolta e o ódio com que se refere ao nosso país (clique na hiperligação), a amargura expressa na forma como contou a partida do pai aos filhos menores, como lida com a falta dele neste Natal, deixa-me também a mim profundamente triste e revoltado.
Apesar de estar todos estes meses sem qualquer tipo de indemnização, e de ter suportado a trasladação do corpo do malogrado (clique na hiperligação), pelo menos, pelo menos, teve há dias, a culpabilização do Estado que lhe fez tanto mal, e a comunicação tantos meses depois (apenas há dois dias), em cartas oficiais do Ministro da Administração Interna e do Primeiro Ministro à representante diplomática da Ucrânia em Lisboa, que a família do desgraçado será indemnizada pelo Estado português (clique na hiperligação).
Segundo o que já deu para ver, o SEF será
profundamente remodelado, alteração com a qual concordo em absoluto, para que
seja uma plataforma mais administrativa, uma acesso de receção dos cidadãos de
todo o mundo, sem qualquer tipo de filtro racista ou xenófobo; e menos criminal,
onde um cidadão de bem seja cruelmente mal tratado, como se fosse um leproso,
ao ponto de nem conseguir controlar os filtros fisiológicos, sucumbir perante os
tratamentos afligidos a troco de porrada,
e os responsáveis comentarem impunes, que depois daquilo já nem seria preciso
ir ao ginásio, para queimar calorias.
Expulsão, para mim, seria pouco. A prisão é
que teria de ser efetiva, por homicídio qualificado.
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