Na Barragem da Póvoa, palco frequente de brincadeira quando visitava a terra, na nossa melhor versão Tom Sawyer – Huckleberry Finn. Ele com 11 anos, chineloca com meia e boné a condizer ao melhor estilo seventies, mais preocupado com o achigã. Eu com 4, armado em boneca, mais preocupado com a pose (já então...), a fingir que pescava mas com carinha de quem estava mais deserto de dar uso às pistolas que trazia à cintura, imaginado que os Cheyennes me aguardavam numa emboscada traiçoeira detrás dos eucaliptros
Há muito tempo que não falávamos. O João, que há-de ser sempre o João "Pequeno”, afastou-se muito de nós depois da morte do meu pai, em 94, que era para ele mais do que um modelo... chegava a ser uma espécie de herói. Depois da morte dele e da avó, voltou à Beirã apenas uma vez, pelo meu casamento.
Tentei que viesse pela minha festa de despedida de vereador quando estiveram todos os meus parentes da Covilhã... à excepção dele. Tentei que viesse pelo baptismo da Alice e comunhão da Leonor. Em vão… O João era assim. De ideias fixas. Eu sei que ele não vinha porque lhe doía demais. A falta de quem ele tanto gostava custava-lhe menos à distância. Ao longe… podia fazer de conta que ainda cá estavam.
Há uns meses mandou-me um sms de madrugada a dizer que precisava de mim. Jamais me passou pela cabeça fazer outra coisa que abrir-lhe os braços. Eu gostava dele como se fosse um irmão mais velho. Ausente, é certo. Mas ainda assim... irmão. Hoje agradeço a Deus ter-me dado o discernimento para fazer o que devia ter sido feito.
A partir daí, trocámos sms esporádicos. Voltei a falar com ele há uma semana, quando o cunhado António me ligou. Tinham estado os dois a ler o meu blogue. Disseram-me que se riram comigo e pensaram ligar-me. Tinham visto a “Canção da Alice”. Perguntei-lhe se andava bem e ele disse-me que sim, que parecia que as coisas se iam endireitar. Era difícil arranjar emprego mas as perspectivas eram boas. Pedi-lhe que viesse à Beirã. Outra vez. Disse-lhe que as tias estavam velhotas e que iriam adorar vê-lo. “Se elas te vissem era como se vissem o Deus do Céu”. “Eu sei”, respondeu. “Eu vou”.
Hoje quando o telemóvel tocou com o número da Covilhã pensei: “é desta que vêm passar o fim-de-semana”, mas a voz do António não era de festa. Tinha havido problemas com o João e eu nem fui capaz de perguntar o quê. Do outro lado da linha chegou o pior. O João tinha tombado perante a morte, vítima de um ataque cardíaco fulminante quando fazia de biscate umas pinturas ocasionais com um amigo.
Eu já levei uns grandes pontapés na cabeça da vida e quando isso acontece… cria calo, mas nunca estamos preparados para notícias assim.
Tinha apenas 44 anos, feitos em Dezembro último. Era apenas um garoto.
Há pessoas para quem a vida é madrasta. Há pessoas que apesar de inteligentes, apesar de serem capazes de fazer quase tudo, nunca chegam a fazer realmente nada. O João foi assim. Como se tivesse esperado o comboio da vida na linha 1 e ela o tivesse “fintado” passando na linha ao lado. Foi sem ter casado, sem ter tido a alegria de ver nascer um filho, sem ter tido a estabilidade de ter um emprego, sem ter tido a sua própria casa. Ainda tinha tudo por fazer e quando assim é… fica um amargo de boca, uma azia difícil de domar. É como ser excluído sem ir a jogo.
O João também morreu de amor. Eu nunca vi ninguém que tivesse uma paixão pela mãe como a que ele nutria com tanto carinho. Quase comovia só de ver. Quando ela desistiu de viver, cansada de tanto lutar por cá continuar, a alegria esfumou-se do olhar do João. Aquele corpo deixou de ter luz e gente lá dentro. A partir daí foi um lento arrastar até hoje.
E até na morte decalcou o seu ídolo, imitando-o nesse derradeiro mergulho para a eternidade.
Hoje estamos todos combalidos, derrotados, devassados por esta dor imensa de o ter perdido mas eu sei que o João, esteja lá ele onde estiver, está bem, está acompanhado por quem mais amou, está a sorrir de certeza. Pode ser duro dizer isto mas eu acho que ele está onde sempre quis estar desde que ficou sem a mãe.
A partir de agora viveremos das memórias. Iremos sempre recordá-lo e assim mantê-lo juntinho a nós. Cada vez que me falarem nele hei-de sempre recordar as longas tardes de pescaria na Barragem da Póvoa, os lânguidos almoços na cozinha grande da Covilhã, as tricas e as tretas que me ensinou, as tardes a jogar snooker no Figueiredo ou no café dos Penedos Altos, as noites na batota e no "montinho", os jogos sempre novos que trazia das ruas da cidade para a aldeia da Beirã. Onde hoje os sinos choraram por ele.
É o mais batido dos lugares comuns mas eu sei que a vida é mesmo assim. Ainda ontem li no Facebook, respostas que deu acerca de mim no “Jogo do Sim e do Não” (e eu tive que me inscrever naquela treta para desbloquear a resposta) e hoje já não o tenho cá. De vez.
Dizia a pergunta: “Achas que Pedro Sobreiro gosta de ti?”. Resposta dele: “Sim”.
Podes crer, meu velho. Gosta mesmo.
Sempre gostará...
Tentei que viesse pela minha festa de despedida de vereador quando estiveram todos os meus parentes da Covilhã... à excepção dele. Tentei que viesse pelo baptismo da Alice e comunhão da Leonor. Em vão… O João era assim. De ideias fixas. Eu sei que ele não vinha porque lhe doía demais. A falta de quem ele tanto gostava custava-lhe menos à distância. Ao longe… podia fazer de conta que ainda cá estavam.
Há uns meses mandou-me um sms de madrugada a dizer que precisava de mim. Jamais me passou pela cabeça fazer outra coisa que abrir-lhe os braços. Eu gostava dele como se fosse um irmão mais velho. Ausente, é certo. Mas ainda assim... irmão. Hoje agradeço a Deus ter-me dado o discernimento para fazer o que devia ter sido feito.
A partir daí, trocámos sms esporádicos. Voltei a falar com ele há uma semana, quando o cunhado António me ligou. Tinham estado os dois a ler o meu blogue. Disseram-me que se riram comigo e pensaram ligar-me. Tinham visto a “Canção da Alice”. Perguntei-lhe se andava bem e ele disse-me que sim, que parecia que as coisas se iam endireitar. Era difícil arranjar emprego mas as perspectivas eram boas. Pedi-lhe que viesse à Beirã. Outra vez. Disse-lhe que as tias estavam velhotas e que iriam adorar vê-lo. “Se elas te vissem era como se vissem o Deus do Céu”. “Eu sei”, respondeu. “Eu vou”.
Hoje quando o telemóvel tocou com o número da Covilhã pensei: “é desta que vêm passar o fim-de-semana”, mas a voz do António não era de festa. Tinha havido problemas com o João e eu nem fui capaz de perguntar o quê. Do outro lado da linha chegou o pior. O João tinha tombado perante a morte, vítima de um ataque cardíaco fulminante quando fazia de biscate umas pinturas ocasionais com um amigo.
Eu já levei uns grandes pontapés na cabeça da vida e quando isso acontece… cria calo, mas nunca estamos preparados para notícias assim.
Tinha apenas 44 anos, feitos em Dezembro último. Era apenas um garoto.
Há pessoas para quem a vida é madrasta. Há pessoas que apesar de inteligentes, apesar de serem capazes de fazer quase tudo, nunca chegam a fazer realmente nada. O João foi assim. Como se tivesse esperado o comboio da vida na linha 1 e ela o tivesse “fintado” passando na linha ao lado. Foi sem ter casado, sem ter tido a alegria de ver nascer um filho, sem ter tido a estabilidade de ter um emprego, sem ter tido a sua própria casa. Ainda tinha tudo por fazer e quando assim é… fica um amargo de boca, uma azia difícil de domar. É como ser excluído sem ir a jogo.
O João também morreu de amor. Eu nunca vi ninguém que tivesse uma paixão pela mãe como a que ele nutria com tanto carinho. Quase comovia só de ver. Quando ela desistiu de viver, cansada de tanto lutar por cá continuar, a alegria esfumou-se do olhar do João. Aquele corpo deixou de ter luz e gente lá dentro. A partir daí foi um lento arrastar até hoje.
E até na morte decalcou o seu ídolo, imitando-o nesse derradeiro mergulho para a eternidade.
Hoje estamos todos combalidos, derrotados, devassados por esta dor imensa de o ter perdido mas eu sei que o João, esteja lá ele onde estiver, está bem, está acompanhado por quem mais amou, está a sorrir de certeza. Pode ser duro dizer isto mas eu acho que ele está onde sempre quis estar desde que ficou sem a mãe.
A partir de agora viveremos das memórias. Iremos sempre recordá-lo e assim mantê-lo juntinho a nós. Cada vez que me falarem nele hei-de sempre recordar as longas tardes de pescaria na Barragem da Póvoa, os lânguidos almoços na cozinha grande da Covilhã, as tricas e as tretas que me ensinou, as tardes a jogar snooker no Figueiredo ou no café dos Penedos Altos, as noites na batota e no "montinho", os jogos sempre novos que trazia das ruas da cidade para a aldeia da Beirã. Onde hoje os sinos choraram por ele.
É o mais batido dos lugares comuns mas eu sei que a vida é mesmo assim. Ainda ontem li no Facebook, respostas que deu acerca de mim no “Jogo do Sim e do Não” (e eu tive que me inscrever naquela treta para desbloquear a resposta) e hoje já não o tenho cá. De vez.
Dizia a pergunta: “Achas que Pedro Sobreiro gosta de ti?”. Resposta dele: “Sim”.
Podes crer, meu velho. Gosta mesmo.
Sempre gostará...
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Com a mãe, minha querida tia paterna Irene, o meu irmão e a Lassie na varanda na casa da Barroca do Lobo, sob o look atento e muito eighties das minhas primas Paula e Céu
Brincando na barragem da Serra num piquenique familiar, imitando touros para a câmara com o meu pai
1 comentário:
Lamento a sua perda. Que notícia terrível.
É muito triste quando a morte chega assim de repente, sem nos dar tempo de nada, sem nos dar tempo para nos despedir-mos. É triste a despedida, quando havia ainda tanto por dizer, tanto por ouvir e abraços por dar.
Coragem. Receba um abraço apertado.
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