terça-feira, 5 de abril de 2011

Com um nó na garganta (outro no estômago e outro na alma)


A reportagem era sobre a forma como famílias de diferentes níveis sociais estão a lidar com a crise e esta mulher, apesar da situação em que ainda se encontra, não teve problemas em dar a cara.



Nunca tinha vivido bem mas também nunca tinha precisado da ajuda de ninguém. Sempre soube viver com os seus rendimentos. Antes das coisas começarem a correr mal tinham casa e carro mas depois ele perdeu o emprego e o dela foi a seguir. O rendimento social garantido pelo Estado foi um importante balão de oxigénio mas já se sabia que não ia durar para sempre.



A situação foi piorando até ao limiar do insustentável. Viu-se obrigada a vender tudo o que podia ser vendido para tentar angariar algum que fosse dando para seguir em frente.



- “Até as aliança vendi…”, confessou com um sorriso triste. “Mas os votos podem sempre ser renovados… e alianças como aquelas há muitas... quando a coisa melhorar compramos outras. Tenho pena é dos brincos que o meu avô me deu (e o seu semblante esmoreceu)...




É que ele já não está cá para me poder dar outros…”.



Abriu uma prateleira da cozinha e mostrou os ingredientes iguais de todos os dias com os quais tenta sempre inventar refeições diferentes. “Carne e peixe nem vê-los. Em dias especiais lá sai uma lata de salsichas com ovos mexidos ou uma latinha de atum das que vou buscar ao Banco Alimentar”.



“O meu grande medo é perder a nossa casa. Se nos levarem a casa vai ser muito difícil… Não sei o que vai ser de nós… mas eu tenho esperança que vou conseguir renegociar a dívida”.



E sorriram para a câmara… os três… ela, o marido e o filho, todos sentadinhos num banco do jardim, aproveitando um tímido sol primaveril que é das poucas coisas que ainda não pagam imposto por cá.



“Temos muito cuidado em não passar as nossas preocupações para o nosso filho. As crianças não têm culpa e tem tudo de ser explicado de uma maneira muito soft. Ele tem noção das dificuldades mas tentamos não o fazer refém dos nossos problemas. Tentamos-lhe incutir que é preciso ter fé e esperança no futuro”.



E agora digo eu, Pedro Sobreiro, que neste mundo sempre houve desigualdades e pobreza, sempre houve fome e gente a viver com muitas dificuldades. O infeliz upgrade dos nossos dias é que muitas das pessoas que hoje se encontram nessa situação foram pessoas que sempre trabalharam e tiveram uma vida desafogada e agora tombaram aos pés de uma crise sem quartel. “Ter e deixar de ter” deve ser muito mais difícil do que “nunca ter tido”.



“You’ll never miss what you never had”, dizem eles, com toda a razão.



Estamos todos no fio da navalha, por mais absurdo que isso nos possa parecer.



Não meio de toda esta injustiça, de toda esta desgraça, são estes heróis e estas heroínas anónimos(as) e emergentes que me fazem acreditar que um dia, por muito longínquo que seja, ainda vamos todos dar a volta por cima.


2 comentários:

Helena Barreta disse...

Não vi a reportagem, mas pelo que descreve ainda bem, fico sempre triste.

A classe média está a desaparecer em Portugal, o meu filho já deu conta de que alguns colegas desistiram de estudar por os pais não terem como pagar as propinas e estou a falar de uma faculdade pública, conheço professoras que me dizem ter alunos que a única refeição que eles tomam é na escola e há tantos, mas tantos mais exemplos destes e o mais revoltante é que somos sempre os mesmos a pagar por aquilo a que não demos azo. Mas como sou optimista por natureza digo muitas vezes, melhores dias virão.

Um abraço

Ilda disse...

A classe média está condenada... Todos sabemos quem serão os 1ºs a pagar a factura do FMI??? Todos sabemos quem de forma mais directa já a está a pagar? Mas nós aguentamos, lutamos, reestruturamos, gerimos e vamos seguindo em frente. Com a consciência que o tapete nós foge debaixo dos pés e para que lado vamos cair quando no-lo puxarem na sua totalidade??? Pois, certamente, não será para a classe alta ...