terça-feira, 31 de janeiro de 2012

O meu pequeno mundo



Na passada quinta-feira assisti à estreia no jornal da noite da SIC da grande reportagem “O meu pequeno mundo”. Situada algures entre a reportagem e o documentário, este novo programa da estação de Carnaxide prometia dar “espaço a esses pequenos mundos e às suas intimidades”, desvendando “segredos de realidades que julgamos conhecer e também histórias de realidades que nem imaginamos”. Segundo o comunicado da estação, este novo formato é “um olhar diferente sobre os nossos mundos. Um programa onde os lugares têm voz. Porque cada mundo é uma história“. Esta foi da autoria de Ana Sofia Fonseca, chamou-se “Hospital”, debruçou-se sobre o Centro de Reabilitação de Alcoitão e trouxe histórias de pessoas que chegaram àquela unidade para “reaprender a viver”.


O meu primeiro ímpeto foi assistir, assim que ouvi o anúncio no ar pela primeira vez. Tendo estado e tendo sido mais um residente hospitalizado em Alcoitão, não queria perder por nada esta visão sobre aquele mundo que foi também o meu, agora visto por outros olhos quando eu inclusivamente assisti sem querer à filmagem fortuita de algumas cenas sem ainda saber muito bem para o que eram. Aquela impulsão que me “empurrava” para ver refreou-se por vezes, intimidou-me, questionou-me se eu estaria mesmo preparado para assistir a tudo aquilo. Mas ainda assim, não perdi a oportunidade de estar “na linha da frente” e ver tudo.


Do ponto de vista jornalístico, a peça recebe aquele louvor a que a SIC já nos habituou, como melhor canal do género em Portugal. Não há outra televisão assim, capaz de produzir e colocar peças deste calibre no nosso país.


Quanto ao resto, a peça em si… foi aquilo que eu já esperava. Eu vivi ali, eu estive lá no meio deles, eu conhecia e conheço por dentro aquele lugar como ninguém porque o conheço à minha maneira. Aquilo que lá vivi, lá ficou mas eu não esqueço! Conheci os doentes da reportagem com os quais me cruzei muitas vezes em corredores, no refeitório, na sala de convívio e em elevadores sempre em cadeira de rodas porque as normas de segurança não nos permitiam (de todo!) circular de outra forma que não fosse essa. Reconheci os enfermeiros, os auxiliares, os médicos… reconheci-os todos!


Rever tudo aquilo fez-me regressar e apesar de já estar a salvo, em casa, junto às minha três princesas, a sensação com que fiquei não foi de alívio, não foi de ter ultrapassado tudo aquilo. Estranhamente fez-me só regressar… aos corredores, aos quartos, àquele mundo. Revivia a história do protagonista que era muito popular por lá apesar de não conseguir dizer um só palavra. Revivi tudo.


Agora pensei que para defesa minha, habituei-me a pensar que era diferente deles. O pessoal de apoio também sem querer, ajudou nisso pela forma como me tratavam. Quando entravam no quarto, por exemplo, perguntavam quem era ali “o independente”? Ora com tanta gente acamada que era incapaz de se levantar por si, sem apoio, eu até tinha todo o gosto em ser positivamente discriminado e colocava-me em pé na cama de um salto. Como tinha toda a mobilidade e era capaz de fazer tudo a nível de arrumações no armário, sacos de viagem, como não precisava de chatear ninguém… fui-me convencendo que estava melhor do que realmente estava, fui-me convencendo que estava melhor do que quase todos eles, fui-me convencendo que seria tudo mais fácil, mais acessível… o que não estou, de todo, a ver no meu regresso à realidade. É tudo muito difícil. Muito, muito difícil. Este tempo em que eu tenho estado doente, em que eu estou a recuperar da coma, é terrivelmente difícil.. Tenho que fazer todos os dias um esforço enorme para não me “ir abaixo” porque o mais fácil é desistir, é entregar-me, “deitar-me às feras” e “entregar o jogo”. Quando eu tenho de pacientemente assumir o meu estado de convalescente, sempre que eu me tenho assumir que estou em recuperação, que estou a tentar melhorar, fazendo os exercícios que me mandam fazer ou as coisas que me solicitam… tenho de me saber posicionar, tenho saber ser “pequenino”, tenho de me saber colocar “no meu lugar”. Não é fácil, não é fácil, não é mesmo nada fácil e isto digo-vos eu, podem acreditar. Se eu era uma pessoa que sempre tive olhos para os outros, se sempre quis e amei os mais necessitados, os que passavam mal, se sempre fui consciencioso, se sempre fui humilde, se sempre fui amigo do meu amigo, porquê esta lição tão grande e tão dura? Não me canso de perguntar! Porquê?


A minha recuperação é a prova mais difícil que tenho de fazer na minha vida. De longe! Quer a nível psicológico, quer a nível físico. Nunca houve nada que eu tivesse feito tão difícil em 38 anos! Nem o curso superior de comunicação social, nem o curso de fiscalidade para entrar nas finanças, nem as meias-maratonas, nada! Isto é, de longe, a coisa mais difícil e que me está a custar mais fazer por uma razão muito simples: em todas as outras coisas eu nunca duvidei que chegaria ao fim e nunca questionei que chegaria ao sucesso. Eu sabia que custasse o que custasse, acabaria por triunfar. Eu tinha a certeza do meu trabalho, do que era capaz, do que me esforçava e dos resultados que acabariam por vir. Agora… nem noto os avanços do meu trabalhos, nem sei realmente o que tenho e o que quero fazer, nem tenho a certeza de nada. Limito-me a seguir as instruções de quem me é próximo ou de quem me ajuda. É muito bom ter apoio e auxílio sem o qual não seria nada mas limito-me a caminhar em frente sem perguntar para onde ou como. Pela primeira vez na vida em muito tempo eu limito-me a seguir em frente o que não deixa de ser seguro mas redutor. Olhando, sonhando mas apenas caminhando, esperando que melhores (e mais esclarecidos…) dias venham.


Como ele diz logo no início da reportagem e muito bem: "É como se tivesse nascido de novo".


A reportagem na íntegra está clicando aqui: http://videos.sapo.pt/4RcB6zRQYq96a6CQc3VL , com o título "O Hospital". Vá lá... Façam isso. É meia horinha que não se esquece. Vale mesmo a pena!

2 comentários:

Helena Barreta disse...

Quando estiver mais "em baixo" lembre-se dos seus amores e do quanto lhe querem bem, se o virem triste e desiludido, certamente também ficarão.

Não vi, ainda, a reportagem, mas é sempre um testemunho e uma força que todos deveríamos ter em atenção quando nos queixamos de coisinhas simples sem importância.

Força, Pedro, não se deixe desanimar, coragem e persistência para continuar essa sua luta.

Um abraço

mjamador disse...

Sabemos o quanto as distâncias nos afectam, sejam elas físicas ou barreiras psicológicas que nos afastam do nosso querer, da nossa necessidade... mas são também essas distâncias que nos fazem erguer, caminhar, procurar ultrapassar as dificuldades e chegar ao nosso destino... do nosso ser ou dos nossos… viver é mais que sobreviver e não haverá prova maior dessa que passas, que com esse sorriso e essa vontade, encurtarás caminhos para seres quem realmente és!
Força e coragem
Abraço Pedro
Mário Amador