Com
42 e dois anos, tão feliz por viver num mundo que, apesar de tão injusto, duro
e difícil; ter ainda assim, dois homens desta natureza em dois pontos de maior
destaque.
Tão
feliz.
Na
atual visita do Papa Francisco aos Estados Unidos, Obama disse: acredito que o entusiasmo em torno da sua
visita, santo padre, não se deve apenas ao cargo que desempenha, mas às suas
qualidades únicas enquanto ser humano. Na sua humildade, na adoção da
simplicidade, na gentileza das suas palavras, na generosidade do seu espírito;
vemos um exemplo vivo dos ensinamentos de Jesus; um líder cuja autoridade
moral, provém não só das suas palavras, mas também das ações.
E
neste contexto, não resisto a partilhar convosco, clientes da minha taberna
virtual ou do meu quiosque no facebook, a entrevista à Renascença que o meu
querido caríssimo Amigo, irmão, João André Escarameia, me enviou pelo correio
eletrónico. Bem sei que ele é muito mais recatado e introspetivo que eu, mas
não levará certamente a mal a minha divulgação deste texto. Que o veja como um
apregoar da palavra de Deus. J
Do bem estar.
Bem
hajas, sempre, meu querido.
Para
um Papa que vem do “fim do mundo”, como olha para Portugal e para os
portugueses?
Em Portugal, só estive uma vez no
aeroporto, há anos, quando vinha para Roma, num avião da Varig que fazia escala
em Lisboa, por isso, só conheço o aeroporto. Mas conheço muitos portugueses. E,
no Seminário de Buenos Aires, havia muitos empregados, emigrantes portugueses,
gente boa, que tinha muita familiaridade com os seminaristas. E o meu pai tinha
um colega de trabalho português. Lembro-me do seu nome, Adelino, bom homem. E
uma vez conheci uma senhora portuguesa, com mais de 80 anos, que me deixou boa
impressão. Quer dizer, nunca conheci um português mau.
No
seu discurso aos bispos portugueses, além de elogiar o povo português e olhar
para a Igreja com serenidade, o Santo Padre manifesta duas preocupações: uma em
relação aos jovens e outra em relação à catequese. O Santo Padre usa uma
imagem, dizendo que “os vestidos da primeira comunhão já não servem aos
jovens”, mas que há “certas comunidades que insistem em vestir-lhos”. Qual é o
problema?
É uma maneira de dizer. Os jovens
são mais informais e têm o seu próprio ritmo. Temos de deixar que o jovem
cresça, temos de o acompanhar, não o deixar sozinho, mas acompanhá-lo. E saber
acompanhá-lo com prudência, saber falar no momento oportuno, saber escutar
muito. Um jovem é inquieto. Não quer que o incomodem e, nesse sentido, pode-se
dizer que “o vestido da primeira comunhão não lhes serve”. As crianças, pelo
contrário, quando vão comungar, gostam do vestido da primeira comunhão. É uma
ilusão. Os jovens têm outras ilusões que, muitas vezes, são muito boas, mas há
que respeitar, porque eles mesmos não se entendem, porque estão a mudar, estão
a crescer, estão à procura, não é? Por isso, é preciso deixar o jovem crescer,
há que o acompanhar, respeitar e falar-lhe muito paternalmente.
Porque,
ao mesmo tempo, há uma exigência a propor, mas essa exigência, muitas vezes,
não é atractiva!
Por isso, há que procurar aquilo
que atrai um jovem e exigir-lho. Por exemplo, um caso concreto: se você propõe
a um jovem – e vemos isto por todo o lado – fazer uma caminhada, um acampamento
ou fazer missão para outro sítio, ou por vezes ir a um “cotolengo” [obra
fundada por sacerdote italiano de acolhimento de doentes com grave
deficiência múltiplas, abandonadas pelas
famílias e em situação de risco] para cuidar dos doentes, durante uma semana ou
quinze dias, entusiasma-se porque quer fazer algo pelos outros. Está envolvido.
“Involucrado”?
Sim, fica por dentro,
compromete-se. Não olha a partir de fora. Envolve-se, ou seja, compromete-se.
Então,
porque é que não fica?
Porque está a caminhar.
E
qual é o desafio que a Igreja, então, deve enfrentar? O Santo Padre também
falou de uma catequese, que muitas vezes permanece teórica e onde falta esta
capacidade de propor o encontro…
Pois é importante que a catequese
não seja puramente teórica. Isso não serve. A catequese é dar-lhes doutrina
para a vida e, portanto, tem de incluir três linguagens, três idiomas: o idioma
da cabeça, o idioma do coração e o idioma das mãos. E a catequese deve entrar
nesses três idiomas: que o jovem pense e saiba qual é a fé, mas que, por sua
vez, sinta com o seu coração o que é a fé e, por sua vez, faça coisas. Se falta
à catequese uma destas três línguas, destes três idiomas, não avança. Três
linguagens: pensar o que se sente e o que se faz, sentir o que se pensa e o que
se faz, fazer o que se sente e o que se pensa.
Escutando
vossa Santidade, isto parece óbvio, mas, olhando à volta – sobretudo na velha
Europa, na velha cristandade – não é assim. O que é que falta? Mudar a
mentalidade? Como se faz?
Mudar a mentalidade, não sei,
porque não conheço tudo, não é? Mas é verdade que, a metodologia catequética,
às vezes, não é completa. Há que procurar uma metodologia da catequese que
junte as três coisas: as verdades que se devem crer, o que se deve sentir e o
que se faz, o que se deve fazer, tudo junto.
Santidade,
para o centenário das aparições de Nossa Senhora de Fátima, nós esperamos por
si em Portugal. Três Papas já nos visitaram (João Paulo II por três vezes). O
Senhor, que ama muito a Virgem, o que espera da sua visita em 2017?
Bom, vamos lá esclarecer as coisas.
Eu tenho vontade de ir a Portugal para o centenário. Em 2017 também se cumprem
300 anos do encontro da Imagem da Virgem de Aparecida.
….
uma data estereofónica, em dois lados! (risos)
... por isso, também estou com
vontade de lá ir e já prometi lá ir.
Quanto a Portugal, disse que tenho vontade de ir e gostaria de ir. É mais fácil
ir a Portugal, porque podemos ir e voltar num só dia, um dia inteiro, ou,
quanto muito, ir um dia e meio ou dois dias. Ir ter com a Virgem. A Virgem é
mãe, é muito mãe, e a sua presença acompanha o povo de Deus. Por isso, gostaria
de ir a Portugal, que é privilegiado.
E
o que espera de nós, portugueses? Como podemos preparar-nos para o receber e
também para seguir os pedidos de Nossa Senhora?
O que a Virgem pede sempre é que
rezemos, que cuidemos da família e dos mandamentos. Não pede coisas estranhas.
Pede que rezemos pelos que andam desorientados, pelos que se dizem pecadores –
todos o somos, eu sou o primeiro. Mas a Virgem pede e há que se preparar
através desses pedidos da Virgem, através dessas mensagens tão maternais, tão
maternais... e manifestando-se às crianças. É curioso, Ela procura sempre almas
muito simples, não é? Muito simples.
Esta
entrevista acontece em plena crise dos refugiados. Santo Padre, como está a
viver esta situação?
É a ponta de um icebergue. Vemos
estes refugiados, esta pobre gente que escapa da guerra, que escapa da fome,
mas essa é a ponta do icebergue. Porque debaixo dele, está a causa. E a causa é
um sistema socioeconómico mau e injusto, porque dentro de um sistema económico
(dentro do mundo, falando do problema ecológico, da sociedade socioeconómica,
da política) o centro tem de ser sempre a pessoa. E o sistema económico
dominante, hoje em dia, descentrou a pessoa, colocando no centro o deus
dinheiro, que é o ídolo da moda. Ou seja, há estatísticas, não me recordo bem
(isto não é exacto e posso equivocar-me), mas 17% da população mundial detém
80% das riquezas.
E
esta exploração das riquezas dos países mais pobres, a médio prazo traz esta
consequência: a de estes todos que agora querem vir para a Europa…
E
o mesmo acontece nas grandes cidades. Por que surgem as favelas nas grandes
cidades?
O
critério é o mesmo…
É o mesmo; é gente que vem do
campo, porque o desflorestaram, porque fizeram monocultivo, não têm trabalho e
vão para as grandes cidades.
Em
África, também é igual…
Em África... ou seja, é o mesmo
fenómeno. Então, esta gente emigrada que vem para a Europa – é a mesma coisa –
à procura de um sítio. E, claro, para a Europa neste momento, é uma surpresa,
porque até custa a crer que isto esteja a acontecer, não é? Mas acontece.
Mas
o Santo Padre, quando foi a Estrasburgo, disse que era “necessário actuar sobre
as causas e não apenas sobre os efeitos”. Mas parece que ninguém ouviu e,
agora, os efeitos estão à vista…
Temos de ir às causas.
E
ninguém o ouviu, muito provavelmente…
Onde as causas são a fome, há que
criar fontes de trabalho, investimentos. Onde a causa é a guerra, procurar a
paz, trabalhar pela paz. Hoje em dia, o mundo está em guerra contra si mesmo,
ou seja, o mundo está em guerra, como digo, uma guerra em folhetins, aos
pedaços, mas também está em guerra contra a Terra, porque está a destruir a
Terra, ou seja, a nossa casa comum, o ambiente. Os glaciares estão a
derreter-se, no Árctico, o urso branco vai cada vez mais para o norte para
poder sobreviver.
E
a preocupação pelo homem e pelo seu destino, parece ignorada. Como vê a reacção
da Europa à vaga de refugiados? Uns constroem muros, outros escolhem os
refugiados consoante a sua religião, outros aproveitam esta situação para fazer
discursos populistas.
Cada um faz uma interpretação da
sua cultura. E, por vezes, a interpretação ideológica, ou das ideias, é mais
fácil do que fazer as coisas, que é a realidade. Mais longe da Europa, há um
outro fenómeno que também me doeu muito: os “rohingya” [grupo étnico muçulmano,
provavelmente, com origem na antiga Birmânia. Marginalizados por razões étnicas
e religiosas, foram apontados pela ONU como uma das minorias mais perseguidas
do mundo], que foram expulsos do seu país e que entram num barco e partem.
Chegam a um porto ou a uma praia, dão-lhes água, dão-lhes de comer e depois,
mandam-nos outra vez para o mar e não os acolhem. Ou seja, falta a capacidade
de acolhimento da humanidade.
Porque
não é tolerar; é mais do que tolerância: é acolhimento.
Acolher, acolher as pessoas, e
acolher tal como vêm. Eu sou filho de emigrantes e pertenço à onda migrante do
ano 1929. Mas na Argentina, desde o ano 1884, começaram a chegar italianos,
espanhóis... portugueses, não sei quando chegou a primeira onda portuguesa;
vinham sobretudo destes três países. E quando chegavam lá, alguns tinham
dinheiro, outros iam para o hotel de emigrantes e daí eram enviados para as
cidades. Iam trabalhar ou procurar trabalho. É verdade que, naquela época,
havia trabalho, mas, os da minha família – que tinham trabalho quando chegaram,
em 29 –, no ano 32, com a crise económica de 30, ficaram na rua, sem nada. O
meu avô comprou um armazém com dois mil pesos que lhe emprestaram e o meu pai,
que era contabilista, andava a fazer distribuição com a canasta; ou seja,
tinham vontade de lutar, de vencer... Eu sei o que é a migração! E depois, vieram
as migrações da Segunda Guerra, sobretudo do centro da Europa, muitos polacos,
eslovacos, croatas, eslovenos e também da Síria e do Líbano. E sempre nos demos
bem por lá. Na Argentina, não houve xenofobia. E agora, há migração interna na
América, vêm de outros países da América para a Argentina, apesar de ter
diminuído nos últimos anos, por falta de trabalho na Argentina.
E
também do México para os Estados Unidos. Há todo um fenómeno…
O fenómeno migratório é uma
realidade. Mas eu queria abordar o tema, sem censurar ninguém. Quando há um
espaço vazio, a gente procura preenchê-lo. Se um país não tem filhos, vêm os
emigrantes ocupar o lugar. Penso no nível dos nascimentos de Itália, Portugal e
Espanha. Creio que é quase 0%. Então, se não há filhos, há espaços vazios. Ou
seja, o não querer ter filhos, em parte, – e isto é uma interpretação minha,
não sei se está correcta – é um pouco o resultado da cultura do bem-estar, não
é? Eu ouvi, dentro da minha própria família, cá, há uns anos, por parte dos
meus primos italianos dizer: “Não, crianças, não; preferimos viajar nas férias,
ou comprar uma ‘villa’, ou isto ou aquilo”... e os idosos vão ficando sozinhos.
Creio que o grande desafio da Europa é voltar a ser a mãe Europa...
E
não a…
... a avó Europa. Perdão, há países
da Europa que são jovens, por exemplo, a Albânia. A Albânia impressionou-me,
gente com 40 anos, 45 anos... e a Bósnia-Herzegovina, ou seja, países que se
refizeram depois de uma guerra, não é?
Por
isso, o Santo Padre os visitou…
Ah sim, claro. É um sinal para a
Europa.
Mas
este desafio do acolhimento a estes refugiados que estão a entrar, na sua
perspectiva, pode ser muito positivo para a Europa? É um benefício, uma
provocação? Finalmente, de algum modo, a Europa pode despertar, mudar de rumo?
Pode ser. É verdade e reconheço
que, hoje em dia, as condições de segurança territorial não são as mesmas de
outra época porque, na verdade, temos, a 400 quilómetros da Sicília, uma
guerrilha terrorista sumamente cruel, não é? Então, existe o perigo da infiltração,
isso é verdade.
E
que pode chegar até Roma.
Ah sim, ninguém assegurou que Roma
seja imune a isto, não é? Mas podem-se tomar precauções e pôr toda a gente que
vem a trabalhar. Mas também há outro problema, é que a Europa atravessa uma
crise laboral muito grande. Há um país, melhor, vou falar de três países, mas
que não vou nomear, dos mais importantes da Europa, em que o desemprego juvenil
dos jovens com menos de 25 anos, num país é de 40%, noutro país é de 47% e
noutro é de 50%. Há uma crise laboral, o jovem não encontra trabalho. Ou seja,
misturam-se muitas coisas. Nisto, não podemos ser simplistas. Evidentemente, se
chega um refugiado, com as medidas de segurança de todo o tipo, há que
recebê-lo, porque é um mandamento da Bíblia. Moisés disse ao seu povo: “Recebei
o forasteiro porque não esqueçais que vós fostes forasteiros no Egipto”.
Mas
o ideal era que eles não tivessem fugido, que ficassem nas suas terras, não?
Isso, sim.
No
Angelus de 6 de Setembro, lançou o desafio às paróquias para que acolham
refugiados. Já houve reacções? O que espera em concreto?
O que eu pedi foi isto: que cada
paróquia, cada instituto religioso, cada mosteiro, acolha uma família. Uma
família, não uma pessoa. Uma família dá mais segurança de contenção, um pouco
para evitar que haja infiltrações de outro tipo. Quando digo que uma paróquia
deve acolher uma família, não digo que tenham de ir viver para a casa do padre,
para a casa paroquial, mas que toda a comunidade paroquial veja se há um lugar,
um canto num colégio para aí se fazer um pequeno apartamento ou, na pior das
hipóteses, que arrendem um modesto apartamento para essa família; mas que
tenham um tecto, que sejam acolhidos e que se integrem na comunidade. Já tive
muitas reacções, muitas, muitas. Há conventos que estão quase vazios.
Há
dois anos, o Santo Padre já fez esse apelo e que resultados é que houve?
Só quatro. Um deles, dos jesuítas
(risos); muito bem, os jesuítas! Mas o assunto é sério, porque aí também há a
tentação do deus dinheiro. Algumas congregações dizem “Não, agora que o
convento está vazio, vamos fazer um hotel e podemos receber pessoas e, com
isso, sustentamo-nos ou ganhamos dinheiro”. Pois bem, se quereis fazer isso,
pagai os impostos! Um colégio religioso, por ser religioso está isento de
impostos, mas se funciona como hotel, então, que pague os impostos como
qualquer vizinho do lado. Senão, o negócio não é limpo.
E
o Santo Padre já disse que, aqui no Vaticano, acolhe duas famílias.
Sim, duas famílias. Já me disseram
ontem que as famílias já estavam localizadas e as duas paróquias do Vaticano
encarregaram-se de as procurar.
Já
estão identificadas?
Sim, sim, sim, já estão. Quem o fez
foi o cardeal Comastri, que é o meu vigário-geral para o Vaticano, juntamente
com o encarregado da Esmolaria Apostólica, monsenhor Konrad Krajewski, que
trabalha com os sem-abrigo e foi quem fez os duches debaixo da colunata, o
serviço de barbearia – realmente, uma maravilha – é o que leva os que vivem na
rua a ver os museus e a Capela Sistina.
E
estas famílias ficam até quando?
Até quando o Senhor quiser. Não se
sabe como isto vai acabar, não é? De todas as maneiras, quero dizer que a
Europa tomou consciência, e eu agradeço-lhe. Agradeço aos países da Europa que
tomaram consciência disto.
A
Renascença aderiu em Portugal a uma iniciativa, que reúne instituições cristãs
e também de outras religiões, para acolher e movimentar-se a favor dos
refugiados. Pode dizer algumas palavras a quem participa nesta plataforma?
Felicito-vos e agradeço-vos pelo
que estão a fazer e dou-vos um conselho: no dia do Juízo Final, já sabemos
sobre o que vamos ser julgados, está escrito no capítulo 25 de São Mateus.
Quando Jesus vos disser “Estive com fome, deste-me de comer?”, vocês vão dizer
“Sim. “E quando estive sem refúgio, como refugiado, ajudaste-me?”, “Sim”. Pois,
felicito-vos: vão passar no exame! E também queria dizer uma coisa sobre o
trabalho com jovens desocupados. Creio que aqui é urgente, sobretudo para as
congregações religiosas que têm como carisma a educação, mas também os leigos,
os educadores leigos, que inventem cursos, pequenas escolas de emergência.
Então, para um jovem que está desocupado, se estudar, durante seis meses, para
ser cozinheiro ou canalizador, para fazer pequenas reparações – há sempre um
tecto para arranjar - ou para pintor, com esse ofício, terá mais possibilidade
de encontrar um trabalho, ainda que parcial ou temporário. Fazer o que nós
chamamos de “biscate”, um trabalho ocasional e com isso não está totalmente
desocupado. Mas hoje é o tempo da educação de emergência. Foi o que fez Dom
Bosco. Dom Bosco, quando viu a quantidade de crianças que havia na rua, disse
“tem de haver educação”, mas não mandou as crianças para a escola média ou
secundária, sim aprender ofícios. Então, preparou carpinteiros, canalizadores,
que os ensinavam a trabalhar e, assim, já tinham com que ganhar o pão. Dom
Bosco fez isso. E agora gostava de contar um episódio sobre Dom Bosco. Aqui em
Roma, perto do Trastevere, onde...
Era
uma zona pobre.
Sim, era uma zona muito pobre, mas que
agora é zona da moda para os jovens, para a “movida”, não é? Pois Dom Bosco
passou por ali, ia de carruagem – ou de carro, não sei – e atiraram-lhe uma
pedrada que partiu o vidro. Ele mandou parar e disse: “Este é o lugar que onde
vamos ficar!”. Ou seja, perante uma agressão, não a viveu como agressão,
viveu-a como um desafio para ajudar aquela gente, as crianças, os jovens que só
sabiam agredir. E hoje, existe ali uma paróquia salesiana que forma jovens e
crianças, com as suas escolas e as suas coisas. Assim, volto ao tema dos
jovens: o importante é que hoje se dê, aos jovens que não têm trabalho, uma
educação de emergência sobre algum ofício que lhes permita ganhar a vida.
É
muito crítico também sobre o estilo de vida ocidental e da Europa, o chamado primeiro
mundo, muito centrado no bem-estar. O que é que o incomoda mais?
Bem, quer dizer, também nas grandes
cidades americanas, quer da América do Norte, quer da América do Sul, existe
este mesmo problema, não é só na Europa...
...é
o chamado primeiro mundo.
Sim, nas grandes cidades... Em
Buenos Aires há um grande sector da cultura do bem-estar e, por isso, também há
esses cordões à volta das cidades, as favelas e todas essas coisas, não é? Eu,
em relação à Europa, hoje, não lhe atiraria à cara este tipo de coisas. Há que
reconhecer que a Europa tem uma cultura excepcional. Realmente, são séculos de
cultura e isso também dá um bem-estar intelectual. Em todo o caso, o que eu
diria da Europa, é a sua capacidade de retomar uma liderança no concerto das
nações. Ou seja, que volte a ser a Europa que define rumos, pois tem cultura
para o fazer.
Mas
mantém a identidade, hoje em dia, a Europa? Está em condições de afirmar a sua
identidade?
O que eu disse em Estrasburgo,
pensei muito antes de o dizer. Ou seja, volto a repetir um pouco isso: a Europa
ainda não morreu. Está meia-avozinha [risos], mas pode voltar a ser mãe. E eu
tenho confiança nos políticos jovens. Os políticos jovens tocam outra música.
Há um problema mundial, que afecta não só a Europa, mas o mundo inteiro, que é
o problema da corrupção. A corrupção a todos os níveis... e isso também revela
um baixo nível moral, não é?
O
Santo Padre fala disso na sua última encíclica e pede para as populações
estarem mais conscientes. No entanto, verifica-se muita abstenção. Se vemos os
resultados das eleições, a abstenção é quase maior do que um partido…
Porque a gente está desiludida. Em
parte, por causa da corrupção, em parte pela ineficácia, em parte pelos
compromissos assumidos anteriormente. E, no entanto, a Europa – volto a dizer o
que disse em Estrasburgo – tem que desempenhar o seu papel, ou seja, recuperar
a sua identidade. É verdade que a Europa se enganou – não estou a criticar, mas
só a recordar –, quando quis falar da sua identidade sem querer reconhecer o
mais profundo da sua identidade, que é a sua raiz cristã, não foi? Aí
enganou-se. Bom, mas todos nos enganamos na vida... está a tempo de recuperar a
sua fé.
O
que é que pode tocar a liberdade de alguém que “faz o que quer” e que foi
educado desde pequeno com um conceito de felicidade para quem “a felicidade é
não ter problemas”? Em geral, educam-se as crianças com este desejo de que a
felicidade é “não ter problemas e fazer o que se quer”.
Uma vida sem problemas é
aborrecida. É um tédio. O homem tem, dentro de si, a necessidade de enfrentar e
de resolver conflitos e problemas. Evidentemente, uma educação para não ter
problemas, é uma educação asséptica. Faça você mesma a experiência: pegue num
copo de água mineral, de água comum, da torneira, e depois pegue num copo com
água destilada. Mete nojo, mas a água destilada não tem problemas... (risos) é
como educar as crianças no laboratório, não é? Por favor!
Arriscar
é importante?
Correr o risco, propor sempre
metas! Para educar, faz falta usar os pés. Para educar bem, há que ter um pé
bem apoiado no chão e o outro pé levantado mais à frente e ver onde o posso
apoiar. E quando tenho apoiado o outro, levanto este [faz o gesto com os pés]
e... isso é educar: apoiar-se sobre algo seguro, mas tentar dar um passo em
frente até que o tenha firme e, depois, dar outro passo.
Dá
mais trabalho educar assim…
É arriscar! Porquê? Porque talvez
piso mal e caio... pois bem, levantas-te e segues em frente!
Na
onda individualista em que vivemos – falou nisso em Estrasburgo – parece um
capricho exigir direitos, sempre mais direitos separados da busca da verdade.
Crê que isto é também um problema na maneira de viver a fé?
Pode ser... sempre com mais exigências,
sem a generosidade de dar. Ou seja, é exigir só os meus direitos e não os meus
deveres perante a sociedade, não é? Eu creio que direitos e deveres caminham
juntos. Senão, isso, cria a educação do espelho; porque a educação do espelho é
o narcisismo e hoje estamos numa civilização narcisista.
E
como é que se a vence, como se combate?
Com a educação, por exemplo, com
direitos e deveres, com a educação dos riscos razoáveis, procurando metas,
avançando e não ficando quieto ou a olhar ao espelho... não vá acontecer-nos
como aconteceu ao Narciso que, de tanto se olhar espelhado na água e se achar
tão lindo, tão lindo, “blup”, afogou-se. [risos]
Diz
que prefere uma igreja acidentada a uma igreja estagnada. O que entende por
“igreja acidentada”?
Sim, eu explico: é uma imagem de
vida. Se uma pessoa tem em sua casa uma divisão, um quarto, fechado durante
muito tempo, surge a humidade, o mofo e o mau cheiro. Se uma igreja, uma
paróquia, uma diocese, um instituto, vive fechada em si mesmo, adoece (acontece
o mesmo com o quarto fechado) e ficamos com uma Igreja raquítica, com normas
rígidas, sem criatividade, segura, mais que segura, assegurada por uma
companhia de seguros, mas não segura! Pelo contrário, se sai – se uma igreja,
uma paróquia saem – lá para fora, a evangelizar, pode acontecer-lhe o mesmo que
acontece a qualquer pessoa que sai para a rua: ter um acidente. Então, entre
uma igreja doente e uma Igreja acidentada, prefiro uma acidentada porque, pelo
menos, saiu para a rua.
E aqui, quero repetir uma coisa que
já disse noutra ocasião: na Bíblia, no Apocalipse, há uma coisa linda de Jesus,
creio que no segundo capítulo (no final do primeiro ou no segundo), em que está
a falar a uma Igreja e diz: “Estou à porta e chamo” - Jesus está a bater – “Se
me abres a porta, entro e vou comer contigo”. Mas eu pergunto: quantas vezes,
na Igreja, Jesus bate à porta do lado de dentro para que O deixemos sair, a
anunciar o reino? Por vezes, apropriamo-nos de Jesus só para nós, e
esquecemo-nos que uma Igreja que não está em saída, uma Igreja que não sai,
mantém Jesus preso, aprisionado.
Foi
por causa disso que foi eleito Papa?
Isso pergunte ao Espírito Santo!
[risos]
Desde
que é Papa, considera que a Igreja está mais acidentada?
Não sei. Sei que, pelo que me
dizem, Deus está a abençoar muito a sua Igreja. É um momento que não depende da
minha pessoa, mas da bênção que Deus quis dar à sua Igreja, neste momento. E
agora, com este Jubileu da Misericórdia, espero que muita gente sinta a Igreja
como mãe. Porque pode acontecer à Igreja o mesmo que aconteceu à Europa, não é?
Ficar demasiadamente avó, em vez de mãe, incapaz de gerar vida.
É
este é o motivo do Jubileu da Misericórdia?
Que venham todos! Que venham e
sintam o amor e o perdão de Deus. Conheci, em Buenos Aires, um frade
capuchinho, um pouco mais novo do que eu, que é um grande confessor. Tem sempre
uma grande fila, com muita gente, está todo o dia a confessar. Ele é um grande
“perdoador”, perdoa muito. E, às vezes, tem escrúpulos por ter perdoado muito.
Então, uma vez, em conversa, disse-me: “Às vezes, tenho escrúpulos”. E eu
perguntei-lhe: “E o que fazes, quando tens esses escrúpulos?”. “Vou diante do
sacrário, olho para o Senhor e digo-lhe: Senhor, perdoai-me, hoje perdoei
muito, mas que fique bem claro que a culpa é toda vossa, porque fostes Vós a
dar-me o mau exemplo!"
Por
isso o Santo Padre, neste sentido, também decidiu, nesta carta [a monsenhor
Rino Fisichella sobre o Jubileu da Misericórdia] propor o perdão às situações
mais difíceis e agora mesmo publicou estas cartas [de “motu proprio”,
iniciativas do Papa que têm normalmente a forma de decreto] que aceleram os
processos de nulidade. Isto também tem a ver com o Jubileu?
Sim, simplificar... Facilitar a fé
às pessoas. E que a Igreja seja mãe...
A
razão destas cartas “motu proprio” para a nulidade qual é, exactamente, é
agilizar?
Agilizar, agilizar os processos nas
mãos do bispo. Um juiz, um defensor do vínculo, só uma sentença, porque até
agora havia duas sentenças. Não, agora, é só uma. Se não houver apelo, já está.
Se houver apelo, vai para o metropolita, mas agilizar. E também a gratuidade
dos processos.
O
Santo Padre fez isto a pensar também no Sínodo e no Jubileu?
Está tudo relacionado.
Já
sei que não quer falar do Sínodo, mas, no seu coração de pastor universal, o
que pede?
Peço que rezem muito. Sobre o
Sínodo, vocês os jornalistas, já conhecem o “Instrumentum Laboris”. Vai-se
falar disso, do que lá está. São três semanas, um tema, um capítulo, para cada
semana. E esperam-se muitas coisas, porque, evidentemente, a família está em
crise. Os jovens não se casam. Não se casam. Ou então, com esta cultura do
provisório, dizem “ou vivo junto ou me caso, mas só enquanto dura o amor,
depois, tchau...”
E
que diz a quem vive uma moral contrária à indicação da Igreja e que tem esta
ansiedade de perdão?
Lá no Sínodo vai-se falar de todas
as possibilidades de ajudar estas famílias. Que uma coisa fique clara – e que o
Papa Bento o deixou bem esclarecido: as pessoas que vivem uma segunda união não
estão excomungadas e têm de ser integradas na vida da Igreja. Isso ficou
claríssimo. E eu, no outro dia na catequese, também o disse claramente:
aproximar-se da missa, da catequese, na educação dos filhos, nas obras de
caridade... há mil coisas, não é?
Santidade,
gostaria de terminar com perguntas sobre a sua vocação. No início de Março de
2013, preparava-se para ir para a “reforma”. Já tinha decidido onde ia ficar a
viver, etc.. No entanto, tornou-se um dos homens mais famosos a nível mundial.
Como vive esta circunstância?
Não perdi a paz. É um dom... a paz
é um dom de Deus. É um dom que Deus me deu, algo que eu não imaginava, pela
idade que tenho e por tudo isso. E, mais ainda, eu até já tinha previsto o meu
regresso, pensando que nenhum Papa seria escolhido na Semana Santa. Então, se
demorássemos a elegê-lo, teríamos de nos despachar até sábado, antes do Domingo
de Ramos. E comprei um bilhete de regresso, para poder celebrar Missa no
Domingo de Ramos e até deixei preparada, na minha escrivaninha, a homilia. Foi
uma coisa que eu não esperava e, em Dezembro, deixaria o cargo para o qual ia
ser nomeado um sucessor. Assim...
…há
toda uma aventura, agora, à sua frente.
Tudo... mas não perdi a paz. Não
perdi a paz.
O
Papa Francisco é amado em todo o mundo, a sua popularidade cresce, como revelam
as sondagens, e tantos querem vê-lo candidato ao prémio Nobel. Mas Jesus avisou
os seus: ”Sereis odiados por causa do meu nome”. Como é que se sente,
Santidade?
Muitas vezes me pergunto como será
a minha cruz, como é a minha cruz... As cruzes existem. Não se vêem, mas estão
lá. E também Jesus, num certo momento, foi muito popular e, depois, acabou como
acabou. Ou seja, ninguém tem garantida a felicidade mundana. A única coisa que
eu peço, é que me conserve a paz do coração e que me conserve na sua Graça,
porque, até ao último momento, somos pecadores e podemos renegar a sua Graça.
Consola-me uma coisa: que São Pedro cometeu um pecado muito grave – renegar
Jesus – e, depois, fizeram-no Papa... Se com este pecado o fizeram Papa, com
todos os que eu tenho, consolo-me, pois o Senhor cuidará de mim como cuidou de
Pedro. Mas Pedro morreu crucificado, enquanto eu não sei como vou terminar. Que
Ele decida, desde que me dê a paz, que Ele faça o que quiser.
Como
é que vive a sua liberdade sendo Papa? Apareceu de surpresa numa missa em S.
Pedro, de manhã cedo, foi ao oculista arranjar os óculos… Precisa do contacto
com as pessoas?
Sim, tenho necessidade de sair, mas
ainda não chegou a altura certa... mas, pouco a pouco, vou tendo contacto com
as pessoas às quartas-feiras e isso ajuda-me muito. Sim, a única coisa que
estranho em relação a Buenos Aires é sair a “callejear”, andar na rua.
E
terminamos com umas perguntas rápidas: o que lhe tira o sono?
Posso dizer-lhe a verdade? Durmo
como uma pedra! [risos]
E
o que o faz correr?
Sempre que há muito trabalho.
O
que nunca é urgente, que pode esperar?
O que não é urgente? As pequenas
coisas que podem esperar até amanhã ou depois. Há coisas que são muito urgentes
e outras que não são urgentes... mas não saberei dizer-lhe, em concreto, que
isto é mais urgente do que aquilo.
Com
que frequência se confessa?
Todos os 15 dias, 20 dias.
Confesso-me a um padre franciscano, o padre Blanco, que tem a bondade de vir cá
confessar-me. E nunca tive de chamar uma ambulância para o levar de regresso,
assustado com os meus pecados! [risos]
Como
e onde gostaria de morrer?
Onde Deus quiser. A sério... onde
Deus quiser...
A
última: como imagina a eternidade?
Quando era mais novo, imaginava-a
muito aborrecida [risos]. Agora, penso que é um Mistério de encontro. É quase
inimaginável, mas deve ser algo muito bonito e maravilhoso encontrar-se com o
Senhor.
Obrigada,
Santo Padre.
Obrigado eu, e uma grande saudação
a todos os ouvintes desta rádio. E, por favor, peço-vos que rezem por mim. Que
Deus vos abençoe e que a Virgem de Fátima vos proteja.
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