Era
a sessão de abertura do “Periferias”, o Festival Internacional de Cinema de
Marvão e, agora, o de Valência de Alcântara também (já na sua 4ª edição). Eu
tinha de estar presente. Não para aparecer no Jet 7 da porcalhota, mas porque o
documentário inaugural que teria a sua estreia nacional, versava uma temática
muito nossa, e por isso também muito apelativa: o contrabando.
Uma
vez que iria só, pensei em convidar a minha mãe, que adora estas temáticas e
por certo alinharia. Rumamos assim bem cedo e logo após o jantar para evitar
atrasos e constrangimentos diversos que poderiam obstar a que fosse uma noite
bem passada, como por exemplo, não termos um sítio confortável para sentar,
pensando sobretudo nela.
Chegámos quando faltavam 10 min para as 9 h e deu tempo para sondar o terreno, fazer os
cumprimentos queridos; um ou outro circunstancial e tempo ainda para virar a
cara (o que dá o tal prazer especial) a quem tudo beija, mesmo que seja num
funeral, que em tempo de guerra não se limpam armas.
Antes
de dar largas ao teclado e à minha verve escorreita, que louva sempre o que é
bem e zurze no que é mal, tenho de começar por dar os parabéns à bela, simpatiquíssima
e doce Paula Duque Giraldo porque é ela a mola que faz tudo girar em torno
desta mostra cultural. Quando se está à frente seja do que for, de vez em
quando as pessoas têm a sorte de sem saberem ler, nem escrever, nem nada terem
feito para algo acontecer, lhe aparecerem assim estes diamantes como ela a pedirem
que lhe possam dar alguma margem para que possam brilhar por nós todos.
Pelo
que conheço da Paula, das poucas vezes que tivemos possibilidade de trocar
algumas impressões, já me apercebi que tem um background imenso nesta área de
cinema, sobretudo o tipo curtas/documentários e de cariz independente. Vai daí,
com os seus conhecimentos da arte e da área, tudo tem remexido e esgravatado
para levar avante esta sua ideia quase que Quixotesca de ter uma mostra deste
tipo em Marvão. A ela e antes mais que a nada, nem ninguém, os meus muitos
parabéns!
Notem
bem que as observações que irei fazer não são para criticar objetivamente nada,
nem ninguém mas são… observações. Isso mesmo. Observações. Daquelas que visam o
melhoramento e não para deitar abaixo seja lá o que for.
O
festival seria para começar às 9h. Nestas coisas há sempre um ou outro atraso,
normal. Ora entre discursos circunstanciais e agradecimentos diversos, perdemos
1 hora. Leram bem. 59 longos e eeeeeeexxxxtttteeeeeeeeeennnnnnssssssooooooosssssss
minutos, mais um. Falou o alcalde de Valência, um cachopo novo mas com óbvio treino
político e pareceu-me que com menos sinceridade e veracidade do que aquela que
eu gosto mesmo.
Falou
também um rapaz que não me consegui aperceber muito bem quem era, mas creio que
era alguém ligado ao cinema ou aos fundos que suportam a iniciativa e depois
falou o presidente da câmara de Marvão que, com o seu estilo absolutamente
marcante nos abrilhantou a sessão em cerca de 15/20 minutos de estilo livre,
isto é, sem recurso a qualquer cábula ou guia orientadora. O que se traduziu
numa brilhante viagem pela temática dos “Direitos Humanos” que é a linha que
une todas as obras que serão envolvidas no festival. Ou seja, enquanto toda a
gente se preocupa em devorar os filmes, este homem vai mais longe e na sua
visão clarividente, mergulha no verdadeiramente fundamental, sem sequer passar
cartão aos relógios que isso é coisa para os comuns mortais que se preocupam
com tudo o que não interessa.
Falou
a Paula, que estava visivelmente satisfeita por, tudo aquilo em que há tantos
meses tem andado a trabalhar, se ter tornado finalmente realidade, e Paulo
Vinhas Moreira, o jovem realizador da obra que não a deu como sendo algo que
esteja fechado, confinado, concluído, mas sim como uma narrativa permanentemente
em construção num país com fronteiras tão extensas, onde a interação entre estes
dois povos que estão dos dois lados da fronteira está em permanente
reconstrução.
A
projeção aconteceu no edifício da Alfândega dos Galegos e aquele sítio é, para
mim, um sítio muito especial. Carregado de memórias de tardes em que a ida a
Valência com as tias e os pais, aos sábados à tarde, era uma garantia de felicidade,
não foi fácil lá voltar. Dá sempre medo quando a gente regressa ao passado.
Parece que aquilo tem vida própria e ganha mais, perante nós. Do contrabando,
recordo sempre os ralhetes que o meu pai nos dava e os pedidos que nos fazia
para não trazermos nada que não fosse permitido, tal era o medo que tinha dos
seus amigos guardas (fiscais e civis, porque trabalhava com ambos os lados no
seu serviço de ajudante de despachante) o apanhassem. Medo vão, digo eu agora
que penso nisso, porque os espanhóis nunca revistavam nada e diziam sempre “Halá
Juan! Hasta pronto!”, e os portugueses, igual.
Sobre
o filme, o documentário… a recolha de imagens é belíssima, a poesia visual
muito por causa da fotografia é um portento. O som… foi miserável. Execrável.
Inexplicável como é que se permitiu que aquilo acontecesse. Mas será que
ninguém testou os aparelhos para ver qual era a qualidade sonora? Aquilo foi ao
ponto de grande parte dos 45 minutos da projeção não terem sido audíveis. O que
me safou foram as legendas em inglês para ir apanhando a coisa, nunca com a
graça que teria a audição do original.
Mesmo
que dissessem “ai mas a sala cheia, muda muito o som e só agora se poderia
testar com essas condições…”
Tudo bem. Mas é que não se
percebia peva! O Ti Manel da Relva já tem uma forma de falar muito própria e
antiga mas ali… zero.
Muito
difícil. Aquele documentário num bom ecrã, uma boa sala escura e um bom sistema
sonoro, deverá ser uma experiência bem diferente.
O
destaque vai inteirinho para o Zé Manel pedreiro dos Galegos, o irmão do João
pequeno, que deu um verdadeiro show de bola quando contou as histórias do seu
pai, um industrial do contrabando! Tal era a dimensão e a prosápia! O som aí,
creio que por indicações da Paula, melhorou bastante. Porque houve uma altura
em que dialogavam, um português e um espanhol que, não se percebia um cacete.
Nas estradas onde corro... sempre a pensar nisso... |
E
foi este homem Zé Manuel que, para fechar o documentário, dizendo que nem sequer
conseguia explicar isso, abordou, à sua maneira, o fim do contrabando e a
abertura das fronteiras, como uma coisa que nem se consegue explicar…
Como
o espaço Schengen e a abertura das fronteiras, acabou-se com tudo, com aqueles
negóciozecos em que numa viagem os duas daquelas se conseguia tirar, o que não
se conseguia tirar em todo o dia de trabalho da terra.
Viagens
loucas naquele jogo do gato e do rato, tão bem contadas pelo bom do Zé Manuel,
naquela altura “em que um gajo tinha de andar tanto em forma que nem sequer havia
colesterol”.
Para
terminar, o fim da fronteira e o fim de tudo. O fim da minha Beirã, com imagens
dela a serem as últimas a serem projetadas, e o escritório do meu pai, o
escritório da minha mãe, e o fim do Pedro pequenino que teve de crescer para
ajudar; e eu a ver aquilo sem conseguir chorar.
Deveria
aliviar.
1 comentário:
Adorei! À medida que ia lendo as imagens formavam-se como se estivesse estado lá contigo… E por isso talvez a dispersão do som fosse o que mais me incomodou... Grande abraço
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