A cada dia que passa sem que
escreva, é um dia que sinto como perdido.
Se não escrevo, não transmito,
não comunico, não respiro.
Nesta cápsula em forma de blogue que
inventei na internet para viver também, ficam páginas em vazio, vagas, sem
existência. Eu, que sonho com os netos, dos netos, dos netos, a recriarem-se
com esta vida passada, como eu o faria se pudesse ler o testemunho de
antepassados meus de há uns séculos atrás, não consigo deixar de me sentir
vazio nestas alturas.
Porque se há fases em que escrever
é tão essencial à vida sã, tão compulsivo e obrigatório… há outras em que o
movimento da vida dos dias nos centrifuga, acomoda, e torna distante dos
outros.
Toda a gente sabe que eu passo muito
tempo a pensar. Gosto. Por vezes tenho alturas em que posso estar com ar
aparvalhado, sorumbático (enfim, o meu), a parecer que estou a pensar na morte
da bezerra, a pobre, mas não! Garanto que nessas fases, até nessas fases, ou
sobretudo nessas fases, estou a pensar.
Ultimamente tenho pensado muito
que a grande maioria das pessoas tem pouca consciência de que somos mortais,
efémeros, e esta passagem nesta vida terrena é do mais volátil que pode haver.
Eu sei que toda a gente sabe que todos iremos morrer um dia, mas o que quero
realmente dizer, é que a grande maioria tem pouca consciência da espiritualidade
que temos dentro de nós, e, ou a relega para um plano inferior, ou a renega.
Ninguém sobrevive mais que 3
semanas sem alimentação, ou 3 dias sem água, mas pode viver uma vida inteira
sem falar consigo, sem ter uma força que o alimente e oriente, sem ter um norte
na bússola espiritual que tem dentro de si.
Há pessoas que vivem apenas a
responder a estímulos externos. Desde que acordam com o despertador, levam o
dia em respostas a reações, à mulher, aos filhos, à escola, ao trabalho, aos
colegas, aos “amigos” ao final do dia, à família outra vez, 24h/24h , 7/7, ano por ano, década a década, até que tudo
acaba.
E mesmo alguns daqueles que
frequentam a igreja… (por Deus, sei que vou ser criticado por isso, mas é
aquilo que penso, e se não o posso dizer aqui… digo onde?), eu disse ALGUMAS
PESSOAS, NÃO TODAS, COMO É OBVIO, ALGUMAS… muitas vezes, tantas vezes, não têm
consciência onde estão, quando esperam pelo nosso pároco, quando aguardam que
comece a eucaristia dominical.
Domingo é um dia especial, é o
primeiro da semana, aquele em que Cristo ressuscitou, aquele em que nós,
cristãos, damos graças por tudo aquilo que temos, e pedimos perdão pelos nossos
erros naturais da condição de humanos.
Mas nesses instantes antes do
início da eucaristia, em que gosto sempre de estar em silêncio, muitas vezes,
ou quase sempre de joelhos perante o altar, o ruído de fundo, das conversas
entre presentes, chega a ser de tal ordem que já ouvi uns ssshhhhhhhhhhhhh…
mais austeros.
Sempre ensinei aos meus meninos
da catequese que quando se entra na casa do Jesus, se tem de fazer silêncio, porque
Ele vive ali, em sentido figurado, dentro do sacrário. Eles, contrariados pela
idade tão naturalmente rebelde, aceitaram com dificuldade, mas foram aceitando.
No final, sentia que já respeitavam.
Às vezes sinto que poderia dar
reciclagem, a estas pessoas mais velhinhas.
Compreendam, não é que eu me
sinta melhor, que de verdade sinto que não sou melhor que ninguém; não é que eu
me sinta mais… mas sinto-me no direito de opinar sobre assuntos que mexem
comigo, e o respeito, é um deles.
Quem fala disto, tem também de
obviamente falar sobre a vivência da espiritualidade, e do respeito por ela,
nos funerais. Aquilo que escrevi sobre o nível de sussurros, alegres, de
cavaqueira e convívio antes da missa, atinge nos velórios um nível
absolutamente incomportável.
Na última homenagem que fui
prestar a um filho ilustre desta terra, do qual gostava muito e admirava, a
família da qual era oriundo e a atual; o trato distinto, e o extraordinário
grau de benfiquismo; em que orei e pedi clemência por si, pela sua alma, e pelo
seus; saí completamente consternado pelo nível de ruído que se respirava lá
dentro da casa mortuária. Que coisa incrível!
Para aquilo, mais valia que
tivessem ficado cá fora com os homens que “matam” o tempo que falta até ao
enterro do cadáver, encostados ao muro da casa mortuária, a falarem de tudo e
mais alguma coisa, fazendo apenas pausas para irem molhando a goela com um
tintinho ou uma imperial babosa na casa mais próxima.
E não há pessoas que lamentem uma
vida inteira que se perdeu, pessoas que pensem em todas as vivências que deve
ter tido, boas e más; pessoas que verdadeiramente lamentem a sua perda, por
tudo aquilo que deu, pelos frutos que deixou neste mundo?
Há!
Eu faço-o sempre que me despeço,
em silêncio, de um corpo no qual viveu uma alma da qual eu gostava, e me sentia
amigo.
Despeço-me sempre de pessoas que
considerava. Na casa mortuária.
Na verdade, evito cada vez mais
entrar no cemitério porque considero que aquele último momento é tão íntimo,
que deveria ser fechado apenas para os familiares mais próximos.
Lá está… toda a gente “gosta” de
ver, sente-se aliviada ao emocionar-se, por isso… vai.
Eu… não. A menos que haja uma
proximidade tão grande com quem fica, que sinta que posso apoiar, auxiliar,
servir de conforto.
Acho tão importante esta dimensão
espiritual que rezo com frequência durante o dia, “falo” a força que me apoia,
me empurra, me protege.
Ser cristão não é ser maricas,
como muitos pensam. Ser cristão é ser bravo, é ser forte, é ser consciente, é
acreditar que aqueles que são mortos diariamente por esse mundo fora por
defenderem essa condição, não partiram à força deste mundo em vão.
Quando se preserva, acalenta, e
estimula a dimensão espiritual, o ser humano sobe a uma dimensão diferente,
muito mais proveitosa e satisfatória para si.
Recomendo uma leitura, que já foi
aqui proposta creio que mais de uma vez, mas que serve na perfeição este
propósito, escrita por um Homem da ciência, com o qual partilho este entendimento
filosófico.
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