Quando
se está todo o dia no atendimento do público, 7 horas por dia, enquanto se vai fazendo
serviços em back office; ainda por cima bem junto à porta de entrada do
serviço, estamos muito expostos a todo o tipo de pessoas, discursos, problemas
e situações, estados de espírito, e, como não, pressões.
Em
Marvão, atendem-se imensos cidadãos estrangeiros. Isso acontece porque a
comunidade de naturais de outros países é cada vez maior entre nós. Muita dessa
chega em busca do contato com a natureza, da tranquilidade dos dias com que se
vive por aqui, à procura de afastamento das grandes urbes, da poluição, dos
engarrafamentos, do stress.
Muitos
são ingleses, espanhóis, alguns americanos, e no serviço local onde trabalho procuram
sobretudo a capacidade de lhes ser realizado um atendimento bilingue, onde se
sentem à vontade. Qualquer um dos três funcionários compreende a língua
inglesa, e é capaz de estabelecer um atendimento com quem apenas se sente capaz
naquela língua. Isso, creio eu, é uma enorme mais valia, e acredito até que seja
um fator diferenciador que nos pode distinguir pela positiva.
O
casal que me entrou há dias, pela meia manhã, era de uma senhora muito
composta, tipically british, de meia idade, acompanhada por um jovem que
colocaria na casa dos 40, como verifiquei depois no passaporte. Tinha menos 3
ou 4 que eu mas… parecia meu filho, e lá vem a porcaria da história da falta de
cabelo, que nos transporta logo para a casa dos 50. Tu podes estar em forma,
podes estar atlético, podes-te cuidar, podes ter preocupação em te arranjar,
podes não ter rugas, podes levar uma boa alimentação, podes não ter hábitos
nocivos compulsivos, mas… a falta da penugem capilar, catapulta-te sempre umas
décadas à frente.
Ora
o rapaz tinha um ar assim meio informal, a atirar para o neo-hippie, de fartos
cabelos (lá está ele!) aos caracóis, que lhe caiam em farripas encaracoladas.
Pois
a senhora começou por se expressar num português muito bem colocado,
pronunciado, expressivo e claro. Queria criar um número de identificação fiscal
para o jovem.
A
páginas tantas, eu e o meu vício de meter conversa, de não me limitar ao
essencial (gajo de humanidades a respirar num mundo de números…), sorrindo,
perguntei: é aluna do João Aleixo? (O João Aleixo é um jovem que chegou ao
nosso concelho há um par de anos, exerce diversas atividades em vários ramos, faz sempre tudo bem, e
prima pela sua simpatia, boa educação, e é, de longe, o melhor professor de
português da comunidade estrangeira. Os seus alunos dizem sempre de si
maravilhas, esforçam-se por fugir à língua natal, tentam sempre usar a nossa, e
são pessoas que se vêm… felizes)
-
“Não”, respondeu ela, num português impecável. Sou professora de inglês no
ensino superior em Portalegre, e aprendo imenso com os meus alunos.
-
(com natural cara de paro. A minha, enfim…) “Pois… (sorrindo), o nível aí…
ainda é melhor!”
-
Mas tu também falas bem inglês…
-
Ahhhh… (envergonhado, claro!) Obrigado. Eu tento, não é? Sabe que também dei
aulas de inglês aos alistados da G.N.R. em Portalegre, quando acabei o curso de
Comunicação Social, em Lisboa. Regressei à terra, e como não havia aqui mercado
(jornalístico) para mim, tive de me integrar no que existia. Consistia apenas
em dar as noções básicas e mais essenciais, para que pudessem estabelecer uma
conversação com pessoas nessa língua universal. Foram apenas três anos, e muito bons
tempos…
-
Mas tu também és muito conhecido, Pedro. As pessoas dizem que tu também falas
muito bem inglês, sabes? És muito famoso por aqui.
(riso
amarelo. Envergonhado) “?!?!?!? (pensando, tentando não ficar com um ar ainda
mais aparvalhado) PEDRO?!?!? FAMOSO?!?!?!? J J J J J”
Fiquei
tão inchado e feliz que, caso tentasse sair pela porta naquela hora, teriam de
me abrir as duas portadas da janela principal, porque apenas aí deveria de
caber.
Que
bom… eu cá gosto! E muito!
Tive
esta durante o dia, e à tardinha, quando fui ao meu Chocolate, para o ritual da
imperial babosa diária quando pode ser, cruzei-me no multibanco com o João
Aires, um vizinho aqui do bairro, um par de anos mais novo que eu, que me
interpelou, em jeito de brincadeira. Já não sei bem como, mas acabou por me dizer
que andava a preparar uma exposição dos seus trabalhos a tinta da china, na Casa
da Cultura, andava a escrever o texto de apresentação e… “oh Pedro, tu é que
eras mesmo bom para isso! De certeza que fazias isso com uma perna às costas e …”
“epá…
(outra vez envergonhado… Acho que pareço muito seguro de mim, mas vou ao tapete
com facilidade…), ajudar posso, mas para quando?”
Acho
que ele me respondeu: “para ontem… J”
Então…
puxando do telemóvel para tirar notas, pedi-lhe alguns dos dados que me
poderiam servir de tijolos para o texto que comecei logo a fazer na cabeça, e
nessa mesma noite, enviei-lhe este que acabou por adotar em definitivo, na
íntegra (na imagem de cima).
Pois
eu posso não ser professor, posso não ser escritor, posso não ser jornalista,
posso não ganhar mundos e fundos à pala da minha verve, mas… sou feliz! E isso
é tudo, para mim!
Tenho
dito.
Nota: Ide, ide, que os trabalhos ainda lá estão, e sempre estarão em https://www.facebook.com/A-desenhar-Marv%C3%A3o-1401497510154759/
O artista... admirando a sua arte... |
a desenhar Marvão
exposição de desenhos a
tinta da china, de João Aires
O João Aires é um miúdo de
Marvão.
Ainda não chegado à casa dos 40,
aqui nasceu, aqui casou, e aqui criou família, com uma miúda… também ela
natural de Marvão. Nesta terra, chamaram à vida dois herdeiros que com eles
aprendem todos os dias, os valores da vida, e o prazer em respirar este ar que
desce a encosta do castelo.
Nesta terra que é a sua,
encontrou ocupação, e há mais de 15 anos que trabalha na escavação da cidade romana
de Ammaia, onde é auxiliar de campo, fazendo de tudo um pouco, e é necessário.
Ali, gosta sobretudo de dar largas à paixão da sua vida, desde que se lembra:
desenhar. Assim, tem o prazer de poder reproduzir as peças que são resgatadas
das entranhas da terra, e recriar espaços, imaginando como seriam.
Autodidata, entusiasta, sem
qualquer formação específica, vai, nos seus tempos livres, dando largas a esta
sua vontade de criar.
A partir de 13 de Abril, a Casa
da Cultura – Câmara Velha, acolherá a sua 1ª exposição de desenhos a
tinta-da-china, a preto e branco, alusiva a Marvão, a espaços, e a cenas
emblemáticas deste concelho.
Uma experiência a descobrir…
(porque o João é mesmo craque!)
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