Pois que recebi então uma notificação toda formal para me apresentar hoje mesmo na Junta Médica, em Évora, belíssima cidade alentejana, Património da Humanidade via Unesco.
“Na Junta médica?!?!?”, perguntei eu à minha entidade empregadora. “Mas se eu já estou ao serviço desde Janeiro! Não será excesso de zelo da parte deles?”.
Responderam-me que não. Que já tinham enviado um e-mail a explicar isso mesmo mas que ainda assim, os homens queriam-me lá e assim fui eu, que remédio!, de armas e bagagens a caminho de Évora.
Lá chegado pela mão do abençoado GPS (que grande invenção esta!), por ali estacionei, à espera que se fizessem as duas da tarde. Antes de me aventurar, cá da rua vislumbrei aquilo que me pareceu ser um Centro de Saúde com uma casinhola ao lado. Não avistando qualquer placa identificativa que me orientasse, procurei junto das piquenas do guichet do centro se me podiam indicar a dita junta e não é que era na tal casinhola da entrada? Comigo é sempre ao lado…
Mas ainda bem que lá fui, pensei depois. Deu para ver que o Centro de Saúde tinha uma enorme recepção com dezenas de cadeiras vagas e um televisor todo XPTO, um ambiente bem diferente da austeridade espartana da sala de espera da dita Junta. Se aquilo era um cubículo 6mx6m com uma dúzia de cadeiras obviamente ocupadas e outras tantas pessoas em pé… Estive, eu e os outros convocados que chegaram ao mesmo tempo, no mínimo, um quarto de hora à espera que alguém da casa nos explicasse como funcionava a coisa. Pois… funcionário, nicles! Senhas, nem vê-las! Indicações, népias! E assim aguardámos, em pé, claro está, por novidades.
Se vos disser que o ambiente é constrangedor certamente não estarei a surpreender ninguém. Se partirmos do pressuposto que quem ali está passou ou está a passar por uma doença incapacitante, creio que digo tudo. Os ares são sorumbáticos. Os rostos… carregados. Os olhares vagos e presos a pormenores sem sentido: um azulejo do chão, uma fissura na parede, um estore fora do sítio, um pormenor do parco mobiliário... Todos como se fossemos peças numa mesa de xadrez real, à espera da mínima movimentação de um dos pares para sintonizarmos nele as atenções. Era inevitável. Mesmo que não fosse essa a nossa vontade, a falta de assunto e de motivo de distracção levava-nos a isso. Olhando o semblante, o corte de cabelo, a forma de vestir e de estar cada um ia imaginando, fingindo sempre não o fazer, quem seria que estava do lado de lá: que faria? De onde viria? E por aí fora… até à derradeira questão: Qual o motivo que o (a) trouxe ali? Teria melhoras?
É triste mas nada ali ajuda a que seja de outra forma. Não há uma revista (mesmo que fosse de há duas semanas), um jornal (mesmo que regional), uma televisão (mesmo que no Baião), nem mesmo uma porcaria de um rádio que debitasse um rebuçadinho para a alma. Nada! De certeza que as altas instâncias da saúde do nosso burgo se fartaram de pensar no bem estar das pessoas que ali param e deve ser por isso que tudo fizeram para que não se sentissem como párias que andaram baldados ao trabalho. Não sei porquê mas dei por mim a pensar nos antigos sanatórios onde se encafuavam os tuberculosos à espera que o mal se extinguisse com o fim do infectado. Coisa de país do terceiro mundo. Enfim… coisa de Portugal.
Quando reiniciaram a chamada apercebi-me que a ordem não era a de chegada mas sim a alfabética, o que abriu para mim uma animadora hipótese de “bater dali asa” quanto antes. Tinha acabado de entrar um José. Jê-Lê-Mê-Nê-Ó----Pê!
Como já não havia senhoras de pé, nem nenhum outro senhor com ar de lhe apetecer estar sentado, e havendo 3 cadeiras disponíveis, aproveitei para dar descanso à costas que ainda se ressentem de duas horas de condução e muito tempo em pé. Foi então que me começou a entrar um nervoso miudinho no estômago. É que eu sou daqueles que acham sempre que há sítios melhores para se estar do que em consultórios, hospitais e afins. Esplanadas, por exemplo.
Que raio seria aquilo da Junta Médica? Seria uma sala assim ao estilo daquela onde dissecaram o extraterrestre descoberto em Roswell, cheia de luzes e vultos brancos aos quais só se reconheciam os olhos? E que me poderiam fazer eles lá dentro? Meter-me um termómetro digital pelo rabo acima para aferirem a temperatura da alma? Ligar-me a um maquinão que me sugasse a memória? Colocar-me um chip que passasse a dominar a minha consciência? Fazer-me uma lobotomia que me transformasse em vegetal…
“Senhor PEDRO SOBREIRO!”.
“Vou!”.
A sala era um cubículo com três sujeitos, dois sentados com ar inquisidor e outro de pé, agarrado a uma fotocopiadora. Suponho que seriam médicos mas até podiam ser electricistas. “O hábito faz o monge” e dele, nada! Nem um estetoscópiozinho para tranquilizar a malta. Mal feito: não há carpinteiro que não tenha, pelo menos, uma pontinha de lápis a dormir detrás da orelha.
O mais jovem, sentado à esquerda, parecia ser o único com sinais vitais e até me pareceu simpático. Os outros dois, para lá dos 60, mal me olharam. Podia ter ido com uma máscara do Darth Vader que nem iriam reparar. Só se fosse pela respiração metálica…
- Sente-se!
- Com licença…
- Trouxe o relatório?
- Desculpe?
- O relatório!
- Não trouxe relatório nenhum. Não tive indicação nenhuma para o fazer…
(Aqui lembrei-me taaaaanto do Kafka. E do absurdo d’ “O estrangeiro” do Camus…)
- Ah… Então… Já está a trabalhar!
- Isso! Desde dia 18 de Janeiro! (E aqui apeteceu-me dizer “Olaré!”, mas contive-me. Nestes sítios, como na vida, mais vale cair em graça do que ser engraçado…).
- Ah… Então assine aqui, leve este papel e pode sair.
- Muito obrigado. Passem bem e muito boa tarde.
Tempo médio estimado da “consulta”: 2 minutos.
E este é o momento em que alguns podem dizer “lá vem o gajo com a lengalenga” mas é que… que… que… FODA-SE! Vai um gajo daqui… quase duas horas para lá (com estacionamentos, xixi e cafezinho na estação de serviço)… quase duas horas para cá… para aí 30 euros de combustível… + almoço… mais um dia sozinho a cirandar… menos dia de trabalho… para dois minutos de conversa?!?! E eles não sabiam já que eu estava ao serviço?!?!?
O nosso país… olhem… já não digo nada… Façam vocês o fim da história.
Canta Jorge! Canta!
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5 comentários:
Absurdo, é só o que me ocorre dizer.
Este país vai de mal a pior.
Um abraço
Só pode realmente entender a tua descrição quem já passou por ela...
É de uma revolta.
Eu penso que sempre que fui convocada para essas tretas, nem me olharam. limitamo-nos a assinar papelada...
Grande treta.
Será que o teu serviço comunicou que já estavas ao trabalho???
Não era a 1ª vez...
Citando:
“Na Junta médica?!?!?”, perguntei eu à minha entidade empregadora. “Mas se eu já estou ao serviço desde Janeiro! Não será excesso de zelo da parte deles?”.
Responderam-me que não. Que já tinham enviado um e-mail a explicar isso mesmo mas que ainda assim, os homens queriam-me lá e assim fui eu, que remédio!, de armas e bagagens a caminho de Évora.
:)
Abraço
Só comento o cabeçalho.
Quem é que é aquele gajo de cabelo grisalho ao lado do Sr. Dr. Peter Sobrêro?
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