O "altar" na minha secretária |
Depois
de ter batido com a cabeça, tenho alguma dificuldade em me lembrar que dia é,
quando acordo. Tenho de ficar ali um bocadinho a pensar se é sábado, domingo ou
outro dia qualquer da semana. Isso não aconteceu no dia do pai. Acordei
naturalmente, sem despertador como agora é habitual, depois de 7 horas de sono.
Despertei e fiquei logo ali a pensar, em silêncio, sobre o que significa este
dia para mim.
Já
aqui escrevi que ainda não me habituei a que este fosse o meu dia também. Já
passaram 12 anos desde que me estreei na condição, tive a carta revalidada há 4, mas para
mim, neste dia, lembro sempre o meu pai e não me lembro que o dia é meu também.
Comecei
a pensar nele e desta vez o pensamento não me levou para a saudade avassaladora
que deixou em quem o conheceu e amou. A angústia e a raiva foram-se instalando
em mim e surgiram do nada. Calhou assim. Comecei a pensar que partiu com 49. Só
mais 9 que eu, o que só por si dá logo um nó na garganta. Depois pensei que
desfrutei dele apenas 20 anos (partiu 5 dias antes de fazer 21). Já estou sem
ele há 20. Metade da minha vida.
Depois,
fui por aí fora e pensei que se fosse vivo, teria 69. Uma idade bastante
acessível. Nada inalcançável. Para se atingir, e sendo saudável (querendo com
isto dizer que nunca foi traído por uma doença silenciosa que derruba qualquer
gigante) apenas teria de mudar de hábitos de vida. Como a alimentação era
frugal bastaria afastar o copo e sobretudo o cigarro sempre aceso. Se desse
ouvidos a quem estava mais próximo, a quem acompanhava os seus sustos de dores
no peito, más disposições e tivesse ido ao médico… provavelmente ainda cá o
teríamos. A rir e a ver os filhos a serem bem sucedidos na vida, a construírem
famílias e a darem-lhe netos.
Mas
estamos a falar do João Sobreiro. Se há uma coisa que aquele homem fez foi
percorrer o caminho à sua maneira. Ele até podia ter ido fazer análises, exames
e não ter fugido dos médicos porque era fácil de imaginar o modo de vida
saudável (e penoso) que lhe receitariam.
Mas nem ele, nem nenhum de nós imaginávamos que poderia ser assim. Tão
rápida, tão certeira, tão lancinante.
Ficou
a falta e há-de sempre ficar enquanto eu respirar. Não era grande músico, nem
grande pensador, nem queria nada da política mas tinha uma maneira de ver o
mundo (percebem a sucessão dinásticas?) que não deixavam ninguém indiferente.
Ou se gostava ou…
Envolto
nestas conjecturas “fui acordado” pelas minhas filhas que não têm culpa nenhuma
do passado e queriam o pai delas. Mudei o cérebro do “Modo filho” para o “Modo
Pai” e segui caminho. Patrocinadas pela mãezinha deram-me um jersey que estreei
no dia no “Modo Pai Vaidoso” para mostrar a quem me perguntava.
Das prendinhas
delas, a Alice deu-me um bonito organizador “pra tu meteres os teus documentos
lá nas finanças”. Adorei o desenho com uma frase escrita por ela. Deve ter sido
igual para todos os meninos (e que difícil deve ter sido conseguir para todos) mas
isso não interessa nada. Já sabe fazer o nome sozinha e esta é a primeira frase
que tenho dela.
A
da Leonor merece ser escamoteada, só pela delícia e pelo prazer. Meu prazer agora
e dela quando for mais velhinha. O que escrevo aqui pode ser visto por todos
mas é para elas que o faço. Para que leiam estre livro vivo online de como era
a nossa vida. Como de vez em quando a apanho a ler a entrada dela para a escola
primária, dias em férias e afins. O resto do blogue são desvarios meus, de um
jornalista (que hei-de sempre ser, agora reduzido a relator da vida) vendido à
vida normal (com mangas de alpaca).
O
“gosto muito de ti e és o melhor pai do mundo” dou de
borla. Percebo e agradeço mas são lugares comuns. O “és muito inteligente” agradeço mas não acho que seja verdade por
aí além. “Querido” é bom, “preocupado” é verdade e “muito fotogénico” é uma delícia.
-
“Isto do fotogénico é o quê, Leonor?”
-
“Porque andas sempre a tirar-nos fotografias!”
São
12 anos. J
A
frase chave é a seguinte, porque é mesmo dela. Quando foi para o quarto na
noite antes para fazer a minha prenda, saiu-lhe isto. A minha Leonor é assim. O
“Gosto tanto de te ter cá!” é assim
uma coisa de arrepiar. Pelo menos a mim. Gosta tanto de me ter cá (neste mundo)
porque se lembra bem do tempo em que o pai não esteve cá e correu o risco de
não voltar. Ela, minha querida, há-de sempre viver com o trauma da noite em que
a GNR veio cá a casa informar do acidente. O meu papel agora é mitigar essa dor
e ajudar a apagar isso da memória dela e de quem tem ainda essa ferida aberta.
O
“Adoro-te” é recíproco. Ela sabe-o
bem.
Ainda
bem que não mencionou os ralhetes, as discussões e as chamadas de atenção por
os erros serem sempre os mesmos, mas realmente, não era dia para isso.
Qual
é a minha missão diária de pai doravante? Esforçar-me, em cada dia, por ser um pai
melhor. Antes do tropeção sei que era bom mas não tão com quanto poderia ser.
As prioridades não estavam bem definidas e bem hierarquizadas. Naquela noite,
sei pelo que me contaram, tinha ido jantar e ensaiar com A Grupa para uma atuação
creio que em Campo Maior. Montado numa Vespa, de guitarra às costas, regressava
com um copo a mais no alforge e alguma coisa se deu. O sangue disse que era
1,15 ou 1,20. Nada do outro mundo mas a mais para quem pega na estrada. A viver
uma de rockstar ia ficando com o fim de uma. O choque foi violento e as
repercussões também. Regressar demora muito. Mas o regresso faz-se.
Agora
que domino mais o equilíbrio, é o o cansaço (físico e mental) que me ataca como
nunca antes do acidente. É a diferença que agora noto mais. Dias em que não faço
nada demais e caio por terra no final.
Uma
coisa de cada vez. Também pensava que nunca haveria de voltar a correr.
Agora
este post é para as minhas princesas. Dou porque me deram.
Dia do pai em 2014. Obrigado. Soube-me tão bem vivê-lo convosco.
1 comentário:
O meu marido morreu um mês depois de fazer 48 anos e à semelhança do seu pai também não teve uma segunda oportunidade. Um mês antes de morrer fez vários exames, entre eles um electrocardiograma com prova de esforço e uma ecografia ao coração, passaram os olhos pelos exames e siga com a indicação que "está tudo normal". Não estava, não podia estar, mas o senhor doutor tinha mais que fazer e limitou-se a assinar sem ter visto o que lhe competia ver.
Um abraço
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