segunda-feira, 24 de março de 2014

O Dia do Pai

O "altar" na minha secretária

Depois de ter batido com a cabeça, tenho alguma dificuldade em me lembrar que dia é, quando acordo. Tenho de ficar ali um bocadinho a pensar se é sábado, domingo ou outro dia qualquer da semana. Isso não aconteceu no dia do pai. Acordei naturalmente, sem despertador como agora é habitual, depois de 7 horas de sono. Despertei e fiquei logo ali a pensar, em silêncio, sobre o que significa este dia para mim.

Já aqui escrevi que ainda não me habituei a que este fosse o meu dia também. Já passaram 12 anos desde que me estreei na condição, tive a carta revalidada há 4, mas para mim, neste dia, lembro sempre o meu pai e não me lembro que o dia é meu também.

Comecei a pensar nele e desta vez o pensamento não me levou para a saudade avassaladora que deixou em quem o conheceu e amou. A angústia e a raiva foram-se instalando em mim e surgiram do nada. Calhou assim. Comecei a pensar que partiu com 49. Só mais 9 que eu, o que só por si dá logo um nó na garganta. Depois pensei que desfrutei dele apenas 20 anos (partiu 5 dias antes de fazer 21). Já estou sem ele há 20. Metade da minha vida.

Depois, fui por aí fora e pensei que se fosse vivo, teria 69. Uma idade bastante acessível. Nada inalcançável. Para se atingir, e sendo saudável (querendo com isto dizer que nunca foi traído por uma doença silenciosa que derruba qualquer gigante) apenas teria de mudar de hábitos de vida. Como a alimentação era frugal bastaria afastar o copo e sobretudo o cigarro sempre aceso. Se desse ouvidos a quem estava mais próximo, a quem acompanhava os seus sustos de dores no peito, más disposições e tivesse ido ao médico… provavelmente ainda cá o teríamos. A rir e a ver os filhos a serem bem sucedidos na vida, a construírem famílias e a darem-lhe netos.

Mas estamos a falar do João Sobreiro. Se há uma coisa que aquele homem fez foi percorrer o caminho à sua maneira. Ele até podia ter ido fazer análises, exames e não ter fugido dos médicos porque era fácil de imaginar o modo de vida saudável (e penoso) que lhe receitariam.  Mas nem ele, nem nenhum de nós imaginávamos que poderia ser assim. Tão rápida, tão certeira, tão lancinante.

Ficou a falta e há-de sempre ficar enquanto eu respirar. Não era grande músico, nem grande pensador, nem queria nada da política mas tinha uma maneira de ver o mundo (percebem a sucessão dinásticas?) que não deixavam ninguém indiferente. Ou se gostava ou…


Envolto nestas conjecturas “fui acordado” pelas minhas filhas que não têm culpa nenhuma do passado e queriam o pai delas. Mudei o cérebro do “Modo filho” para o “Modo Pai” e segui caminho. Patrocinadas pela mãezinha deram-me um jersey que estreei no dia no “Modo Pai Vaidoso” para mostrar a quem me perguntava. 



Das prendinhas delas, a Alice deu-me um bonito organizador “pra tu meteres os teus documentos lá nas finanças”. Adorei o desenho com uma frase escrita por ela. Deve ter sido igual para todos os meninos (e que difícil deve ter sido conseguir para todos) mas isso não interessa nada. Já sabe fazer o nome sozinha e esta é a primeira frase que tenho dela.








A da Leonor merece ser escamoteada, só pela delícia e pelo prazer. Meu prazer agora e dela quando for mais velhinha. O que escrevo aqui pode ser visto por todos mas é para elas que o faço. Para que leiam estre livro vivo online de como era a nossa vida. Como de vez em quando a apanho a ler a entrada dela para a escola primária, dias em férias e afins. O resto do blogue são desvarios meus, de um jornalista (que hei-de sempre ser, agora reduzido a relator da vida) vendido à vida normal (com mangas de alpaca).







O “gosto muito de ti e és o melhor pai do mundo” dou de borla. Percebo e agradeço mas são lugares comuns. O “és muito inteligente” agradeço mas não acho que seja verdade por aí além. “Querido” é bom, “preocupado” é verdade e “muito fotogénico” é uma delícia.
- “Isto do fotogénico é o quê, Leonor?”
- “Porque andas sempre a tirar-nos fotografias!”
São 12 anos. J

A frase chave é a seguinte, porque é mesmo dela. Quando foi para o quarto na noite antes para fazer a minha prenda, saiu-lhe isto. A minha Leonor é assim. O “Gosto tanto de te ter cá!” é assim uma coisa de arrepiar. Pelo menos a mim. Gosta tanto de me ter cá (neste mundo) porque se lembra bem do tempo em que o pai não esteve cá e correu o risco de não voltar. Ela, minha querida, há-de sempre viver com o trauma da noite em que a GNR veio cá a casa informar do acidente. O meu papel agora é mitigar essa dor e ajudar a apagar isso da memória dela e de quem tem ainda essa ferida aberta.

O “Adoro-te” é recíproco. Ela sabe-o bem.

Ainda bem que não mencionou os ralhetes, as discussões e as chamadas de atenção por os erros serem sempre os mesmos, mas realmente, não era dia para isso.



Qual é a minha missão diária de pai doravante? Esforçar-me, em cada dia, por ser um pai melhor. Antes do tropeção sei que era bom mas não tão com quanto poderia ser. As prioridades não estavam bem definidas e bem hierarquizadas. Naquela noite, sei pelo que me contaram, tinha ido jantar e ensaiar com A Grupa para uma atuação creio que em Campo Maior. Montado numa Vespa, de guitarra às costas, regressava com um copo a mais no alforge e alguma coisa se deu. O sangue disse que era 1,15 ou 1,20. Nada do outro mundo mas a mais para quem pega na estrada. A viver uma de rockstar ia ficando com o fim de uma. O choque foi violento e as repercussões também. Regressar demora muito. Mas o regresso faz-se.

Agora que domino mais o equilíbrio, é o o cansaço (físico e mental) que me ataca como nunca antes do acidente. É a diferença que agora noto mais. Dias em que não faço nada demais e caio por terra no final.

Uma coisa de cada vez. Também pensava que nunca haveria de voltar a correr.


Agora este post é para as minhas princesas. Dou porque me deram.

Dia do pai em 2014. Obrigado. Soube-me tão bem vivê-lo convosco.


1 comentário:

Helena Barreta disse...

O meu marido morreu um mês depois de fazer 48 anos e à semelhança do seu pai também não teve uma segunda oportunidade. Um mês antes de morrer fez vários exames, entre eles um electrocardiograma com prova de esforço e uma ecografia ao coração, passaram os olhos pelos exames e siga com a indicação que "está tudo normal". Não estava, não podia estar, mas o senhor doutor tinha mais que fazer e limitou-se a assinar sem ter visto o que lhe competia ver.

Um abraço