As Crónicas de Pedro, o quarentão sarcástico a
história de um jornalista rendido à causa tributária pelo soldo na província
Contém:
Manual de sobrevivência de um renascido do coma de grau 6 da escala de Glasgow
e textos já escritos, nunca antes editados e “Estórias da Casa do Brasão” –
retalhos da vida de um funcionário do fisco no topo do mundo: Marvão
O início de tudo? |
Sempre
me disseram que tinha jeito para escrever. E eu sempre senti que não estavam
muito errados, ou que se estivessem a mentir, não seria uma mentira lá assim
muito grande. A verdade é que uma folha e branco à minha frente é um universo
enorme, sem fim, à minha espera para desbravar. Desde que me lembro, nunca me
senti aborrecido, só, sem nada para fazer. Com folha ou sem folha para
escrever, a minha cabeça está sempre a pensar, imaginar, criar hipóteses e
soluções.
Mas
se por um lado eu estava certo deste meu talento, que é uma coisa natural,
porque nem sequer sou um leitor compulsivo, nem nada que se pareça; nem sou um
grande conhecedor da nossa língua ao ponto de conhecer todos os tempos verbais;
sempre me faltou uma história. Tempo e uma história que merecesse ser contada.
Teria
eu lá tempo nesta voragem avassaladora de que são feitos os nossos dias de me
sentar como estou agora, tranquilo, à braseira, sentado no sofá de casa; a
imaginar pessoas, vidas, relações, tragédias, histórias de amor e desamor?
Certamente que não. Por isso de cada vez que me aventavam com um clássico “tens
de escrever um livro”, eu respondia com o também já lapidar “um dia. Talvez um
dia.”
Mas
tudo isto mudou quando numa bela manhã antes do Natal, muito antes desse dia
que eu estava à espera, quando a minha amiga, agora colega e camarada nas lides
políticas municipais Susana Teixeira, Dr.ª Susana Teixeira, atriz encartada e
licenciada hoje refém dos sinais dos tempos e dos estágios do Centro de emprego
decidiu fazer-me uma oferta natalícia, creio que de alguma forma para me
agradecer, uns bolinhos da minha santa sogra e uma garrafinha de licor que lhe
tinha ofertado momentos antes, no último dia que iria trabalhar nesse ano de
2015, véspera da véspera de Natal.
Abri
com agrado, surpresa e era um caderninho que comprou na Mercearia de Marvão,
com uma frase do (dizem que) grande Saramago que já me tinha ajudado a batizar
o meu blogue: “É verdade, de Marvão vê-se a terra toda”. Não foi bem o livro e
tudo aquilo que ele deixava antever, que cheguei a imaginar e temer que ficasse
encostado a uma gaveta qualquer, como tantos outros antes; mas foi mais a
dedicatória que a minha querida Susana escreveu: “Que as palavras de Saramago
te inspirem a contar todas as histórias que existem em ti! Feliz Natal!”
Enquanto
ia labutando e fazendo coisas diversas do meu serviço, a minha cabeça (que
pensa sempre em dois níveis diferentes, um de resposta imediata e outro, que
pode estar a ser utilizado ou não, dependendo das ocasiões estados de alma)
teve uma epifania*.
Epifania é uma súbita sensação de entendimento ou
compreensão da essência de algo. Também pode ser um termo usado para a
realização de um sonho com difícil realização. O termo é usado nos sentidos
filosófico e literal para indicar que alguém "encontrou finalmente a última peça do
quebra-cabeças e agora consegue ver a imagem completa". O termo é
aplicado quando um pensamento inspirado e iluminante acontece, que parece ser
divino em natureza (este é o uso em língua inglesa, principalmente, como na
expressão "I just had an epiphany", o que indica que ocorreu um
pensamento, naquele instante, que foi considerado único e inspirador, de uma
natureza quase sobrenatural). Epifania é
uma súbita sensação de entendimento ou compreensão da essência de algo. Também
pode ser um termo usado para a realização de um sonho com difícil realização. O
termo é usado nos sentidos filosófico e literal para indicar que alguém "encontrou
finalmente a última peça do quebra-cabeças e agora consegue ver a imagem
completa". O termo é aplicado quando um pensamento inspirado e
iluminante acontece, que parece ser divino em natureza (este é o uso em língua
inglesa, principalmente, como na expressão "I just had an epiphany", o
que indica que ocorreu um pensamento, naquele instante, que foi considerado
único e inspirador, de uma natureza quase sobrenatural). Em Wikipedia, e foi
mesmo isto!
De
repente, assim do nada, vindo sabe-se lá de onde, fez-se luz. Percebi qual era
o meu caminho, o que teria de fazer em seguida, que poderia juntar o útil, para
mim, e o agradável, presumo eu que para muitos outros: contar as histórias, as
minhas estórias, a história de tudo o que me acontece. Não no blogue apenas,
não só no facebook (duas ferramentas que utilizo diariamente para escape (da
monotonia, da seriedade, de uma vida igual a tantas outras – casa-trabalho-casa)
e funcionam como um psicanalista, só que mais barato), mas num livro à séria, a
brincar, porque não tenho outra forma de ver o mundo senão com graça, com
piada. A vida é tão efémera, fortuita e ridícula que não tem outra forma de ser
vista. Como eu digo sempre porque concordo e ouvi algures: a vida é uma férias
de que a morte no dá.
A
este empurrão da Susana, que percebi logo e lhe agradeci na hora porque, depois
desta visão lhe disse que era capaz de me ter ajudado a dar o passo que faltava
para mudar a minha vida, muitos outros se seguiram e me convenceram que
encarrilar neste trilho seria provavelmente a melhor de várias, não serão assim
tantas, opções.
Uma
delas chegou-me de onde não estaria certamente à espera. Tomava uma imperial de
Natal no meu palco de sonhos na minha terra (a.k.a. Pastelaria Caldeira, a
melhor imperial do sul do Tejo, ou pelo menos do concelho), com uma companhia
de luxo, com o mano, Miguel Sobreiro (aqui habitualmente referido como Broki,
mistura de brother e little, nem sei bem como resultou nesta palavra mas é
esta), dois amigos de infância mais velhos (um par de anos mas naquela altura,
quando um gajo estava a crescer pareciam décadas), Rui Felino e Paulo Jorge
Nunes e o meu amigo Artur Costa, um par de anos mais novo que eu. Sai do
quentinho da sala para fumar o meu cigarrinho sem aditivos enrolado com uma
mortalha de arroz, um dos 3, ou que chegam a 4 num dos dias de desvario e
loucura festiva, e deixei-me estar junto aos ferros onde passei tantas tardes e
me lembro de estar a namorar a minha Cristina. O Artur chegou-se ao pé de mim
e, sem ter nada a ver com o assunto que estávamos a falar lá dentro, disse-me
que nunca tinha tido oportunidade de falar comigo antes mas que tinha sentido
muito a morte do meu pai, que faleceu há já mais de 20 anos(!), pouco tempo
antes do dele, também desaparecido prematuramente, com um problema na cabeça.
Disse-me isso e também que gosta muito de acompanhar aquilo que escrevo no
facebook. Disse-me que assim que vê alguma coisa minha, da qual apenas aparece
um bocadinho, um pequeno trecho, clica sempre no (ver mais). Porque, disse-me
ele, são sempre coisas diferentes, engraçadas, que não aborrecem e que dá gosto
ler seja a dizer bem das minhas filhas, do quanto gosto da minha senhora, do
amor incondicional que tenho pelo meu Benfica e até da graça que lhe dá sempre
que vou criticar o seu Seporten ou dizer mal do Jasus, esse Judas Iscariotes
pesetero. Disse: “Olha que os teus amigos não são só o Abel que vive na Santa
Casa e andas sempre a elogiar! Eu também sou teu amigo…).
Este
aconchego do Artur, um homem bem sucedido na vida que criou a sua própria
agência mediadora de seguros, creio que com algum sucesso, por aquilo que tenho
acompanhado; também me soube muito bem e motivou.
Escrever
um livro é uma tarefa hercúlea, uma odisseia imensa e gigantesca mas… creio que
posso tentar.
Outro
grande apoio foram os dois textos que a minha mãe leu, colecionou e me
entregou, um que escrevi em Fevereiro de 2003 sobre o nascimento da minha
primeira filha; e um outro publicado no Jornal do Alentejano em Fevereiro de
2004 sobre a morte de Fehér. Textos que despertaram em mim duas sensações
curiosas: por um lado quase que me recordava de cada palavra, do jeito que
tinha feito para ela caber na frase e textos que me pareceram… bons. Com algo
para dizer, sem serem maçadores, com princípio, meio e fim. Pensei para comigo…
epá, sou capaz de ser escritor.
Eu
tenho consciência que apesar de não me considerar muito inteligente, algo
inteligente serei, de certeza que não sou parvo mas tenho bastantes limitações.
Mesmo agora fui interrompido pela Alice que acabou de tomar banho para ir logo
toda a arranjadinha para os anos do avô, o único que tem, a pedir para lhe
fazer o leitinho da manhã, que tive de ir mudar de chávena após me ter sentado
para continuar a redação por estar muito quente.
Também
trabalho num serviço muito exigente, de grande responsabilidade, em que o chefe
é grande companheiro e me ajuda a crescer a cada dia que passa mas cujo teor do
que fazemos é muito absorvente e abrangente, com um variedade de campos que vão
do balcão à cobrança e dos impostos do rendimento aos do património que fazem
com que chegue ao final do dia muito cansado. Cansado ao ponto de dantes estar
sem dificuldades até à 1h e 2h da manhã e agora, após o acidente que sofri,
cair ao tapete por volta das 11h e tal da noite para… não conseguir dormir mais
que as 7 horas, o meu limite diário de sono, e acordar para passear o novo
inquilino cá de casa, Sizzle, o cão renascido logo às primeiras horas da manhã.
Outra
limitação é que tenho um feitio, não é defeito, desde a nascença de pensar que
sou mais do que aquilo que realmente sou, que vai-se a ver, é nada. Por vezes,
muitas vezes as pessoas fecham a conversa com um “só tu”, “este Pedro…” ou “és
único!” que fazem com que a minha autoestima cresça ao ponto do tornar a sala
demasiadamente pequena para mais que uma pessoa além de mim.
O
português que escrevo, da forma como o faço, também é um limite à erudição e
demasiadamente próximo da oralidade, com inglesismos, erros propositados e
outras expressões coladas à maneira como se fala que não abonarão muito a meu
favor. Mas é o que há. Eu também costumo dizer que se fosse um produto numa
prateleira de um hipermercado, não era nem dos da prateleira de cima, nem dos
de baixo. Seria colocado ao meio e nunca dos da frente, pelo que…
Também
me repito bastante, já com um bocadinho de esclereose e influências de tudo o
que disse atrás (feitio e acidente) maneiras que, caso não gostem muito, é
meterem para o lado e comerem só as batatinhas fritas que foram feitas em
azeite de qualidade da terra.
O
título desta obra foi pensado e quer dizer praticamente tudo. Este é um livro
de apontamentos diversos. Aqui caberão coisas que já escrevi e quero que
fiquem, e outras novas que nascerão todos os dias que meter os pés no chão (e
lembro-me muito dos meses em que disso não era capaz). Enquanto durar o Pedro,
os assuntos nunca faltarão.
Este
“(Quase) Diário de Pedro, o quarentão sarcástico” (como me batizou a minha filha Leonor, que batizei
de verdade; no seguimento de uma Mixórdia de Temáticas do grande Ricardo Araújo
Pereira) será composto de crónicas avulsas cujo o único nexo e elemento
aglutinador será o mesmo, este que assina. Vai beber muito ao “Diário Secreto
de Adrian Mole” só que este é mesmo de verdade e às aventuras de “Charlie e
Lola” que as minhas filhas adoram e acho que gosto ainda mais, e ajudaram a
batizar o nosso cão, como mesmo nome do deles.
Não
sei onde isto me levará mas sei que a estrada só se faz caminhando. Tem dias,
há já muitos dias que venho cozinhando a ideia na cabeça e há muitos desses que
penso que é tudo um disparate, a minha falta de autoconfiança (o outro lado da
minha personalidade, o derrotista, o velho do Restelo a tomar conta de mim)
assombra-me e diz-me que mais vale estar quieto, que é tudo uma perda de tempo.
Onde é que já se viu o Pedro a escrever um livro? Se ele nem sequer sabe qual é
o mais que perfeito de um verbo e tem de googlar para isso…
Tem
outros que acho que isto vai ser uma saga como a do Wally, que não passa de um
boneco idiota que nunca diz nada com ar de inteligente no meio de muita gente
mas está editada e traduzida (Dónde está Wally? em castelhano) em milhentas
línguas. Nesses dias, acho que as pessoas que gostam de me ler no blogue e no
facebook, vão querer dar 10 ou 15 euros por isto (há livros bem mais maçudos e
piores que este que é assim uma pastilha Rennie para a mente, para desanuviar
quando um gajo está aborrecido, à espera do autocarro que nunca chega, do
médico que nunca mais se despacha ou de um comboio que nunca mais arranca). Tem
dias em que acho que isto vai fazer das minhas filhas umas gastadoras mimadas
como a Lisa Marie do pai Elvis e da minha viúva, uma Jacqueline Kennedy Onassis.
Um
pouco louco, também, se ainda não repararam. É que diz o povo que é sempre
sábio que disso e de médicos todos temos um pouco; e eu, como acho que sou
hipocondríaco, dupliquei na outra parte.
Entre
uns e outros, vou escrevendo, sempre na esperança que não tenha uma edição só póstuma
e vá dando para ir gozando em vida que nunca é tarde para começar e se ter uma
filha com 37 foi tarde, para começar a escrever com 42 é bom e, se Deus quiser,
ainda vai dar tempo para comprar um iate e passar as tardes ao sol a jogar poker
com o mano (que não percebo nada mas ele é esperto, tem uma mala de fichas e
domina) na barragem da Apartadura, a beber ginger alles, eu; e gins tónicos,
ele.
Há
dias recebi um pedido de amizade numa rede social daquele que considero ser o
Sr. Editora, o responsável por grande parte das edições feitas no concelho. É
uma hipótese. Também conheço alguns amigos bem relacionados no meio artístico
que serão uma hipótese sempre a explorar. Ainda posso sempre recorrer ao
Município de Marvão mas… esquece. Dinheiro para a cultura creio que há pouco e
para mim… muito menos. Estou na lista negra, com muito orgulho, pompa e
circunstância. Quem sabe se ela mudar… Em ultimíssima instância, poderei tentar
conseguir patrocínios e fazer uma edição de autor. Só para cumprir o desejo de
um homem para se poder sentir realizado. Já meti duas filhas neste mundo; já
ajudei a plantar dois magníficos lódãos que foram derrubados pela insensatez
humana na minha freguesia natal da Beirã, como está lá inscrito numa pedra
comemorativa e plantei uma laranjeira da baía no meu quintal, pelo que… só
falta este.
Neste
entretanto saí para passear o cão e à porta da cozinha disse à Cristina:
“Estive a fazer aquilo que gosto mesmo”.
Ela
sorriu: “não te disse sempre para fazeres isso?”
A
minha mulher tem sempre razão. Mesmo que não a tenha. Mas tem.
1 comentário:
Boa, venha de lá esse Livro. Parabéns.
Um abraço
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