segunda-feira, 5 de junho de 2017

A amizade (quando o passado passa por nós…)



Quando o passado passa por nós... e nós nem sequer temos ação para dizer… olá! Estás bom?

Vi-o ao longe. Mas de certeza que era ele. Aquele andar, aquele corte de cabelo, aquelas patilhas, aquele jeito… era ele.
Ia com uma mulher, ao lado. Sem mãos dadas, sem uma mão ao ombro, apenas lado a lado. Como era de esperar dele. Desapegado.
Disseram-me que tinha uma namorada. Deveria ser aquela mas… posso estar a errar, pela distância, mas parecia-me muito mais velha. Bem sei que nós estamos a ficar velhos, que eu estou careca (quem me haveria de dizer…), mas ali pareceu-me que houve uma derrapagem no escalão etário.
Passou ao longe, do outro lado das caixas, e eu fiz para que o episódio nem sequer ficasse.

Quis ficar a pensar, “devo ter sido eu que reparei mal”…

Estava eu nisto quando passou mesmo a meu lado, a escassos metros de mim. E sim, era ele. E eu nem sequer fui capaz de o chamar pelo nome, e lhe dar um abraço.

Acho que ali, naqueles vagos instantes, naquele momento preciso, o penalizei pelo seu afastamento de mim, no processo tão duro que atravessei, de vida ou morte. Se éramos assim tão amigos, como eu toda a vida pensei que éramos, porque tão longe, tão ausente, e tão afastado de mim, quando eu precisei também dele?

Posso estar a falhar. Posso estar a pensar mal. Na minha convalescença, tive muitos períodos em que estive mais do lado de lá, que do lado de cá; tive muitos momentos em que a minha leitura da realidade, que a minha noção de tempo e espaço, estavam muito longe do mundo dos outros. Mas os que me são mais próximos, e os amigos mesmo amigos que me fizeram, por exemplo, um roteiro desses dias negros, um manual/compêndio repositório da minha recuperação, dos que se preocuparam comigo e perguntaram por mim (o agradecimento será para sempre, João Bugalhão), nunca me referirem tal amigo, tal preocupação.

Nestes 6 anos nunca houve a ralação de fazer um telefonema, uma visita como amigos comuns de Lisboa me fizeram propositadamente, nada!

Apenas uma vez em que eu estava mesmo a aprender a viver, tive saudades, pedi o número ao pai e lhe liguei. Mas recordo-me de uma receção tão displicente que… não fiquei com vontade de repetir.

Sei que vem propositadamente a funerais de pais de amigos, que eu também perdi na espuma dos dias. Eram, foram, mas desapareceram. Agora não fazemos mais falta uns aos outros.

Admito que possa estar a falhar. Sei-o longe, sei-o a viver em Lisboa, e que esteve fora do país. Sei que quando estamos longe da vista, estamos inexoravelmente longe do coração, por mais que queiramos estar perto, mas nestes 6 anos (já lá vão, 6 desde esse dia em que a minha vida mudou), nunca houve um telefonema, um mail, e tenho-o sabido por cá. Por vezes está por cá.

Amigos comuns aos dois contam-me quando vem cá, para ver os pais, e se foi embora na manhã, ou na tarde do dia seguinte. Por aqui se vê.

Eu tenho a minha forma de pensar. Tenho os meus princípios, os meus valores, a minha ideia muito bem definida. Quando vimos ao mundo, temos uma dádiva de gratidão para com os pais, que foi quem nos meteu nele. A forma de a pagarmos é: dando-lhes netos. Dando-lhe provas vivas da sua continuidade, criaturas suas, que eles podem amar sem terem de as educar, que essa escola já nos a deram a nós. Também acho que não devem esticar a corda, deixar os netos avantajar-se tanto, ao ponto de não deixarem os pais ralhar na sua casa, porque é a casa da avó (e sim, mãe, estou a falar de ti), mas se houver bom senso e tolerância, tudo é amor e concordia. Se não houver qualquer limitação biológica que o impeça, para mim, é obrigação dos filhos darem netos aos avós, e não serem egoístas ao ponto de só pensarem na sua forma de melhor viverem sem crias, como parece que é moda hoje em dia, sobretudo nas grandes cidades.

E quando os vejo passar, aos dois, velhinhos, sozinhos, tão sorridentes para mim, como eu os conheci só que com muitos mais anos, devagarinho, lado a lado, unidos, desfrutando da presença um do outro, no seu carrinho pequenino novo, branco, que substituiu o amoroso velhinho, caminho da propriedade no campo… aceno-lhe, sorrio-lhe, e só me apetece é ir abraça-los e beijá-los, porque são da minha terra, são dos poucos resistentes com vida da minha aldeia, que cada vez mais, há-de ficar perdida no tempo, como a terra do nunca.

Eu vi-o passar por mim nas compras, e não consegui ter força para lhe conseguir chamar a atenção.

Estava eu a remoer nisto, junto à caixa, quando voltei a olhar a lista de compras, para me certificar que não me tinha esquecido de comprar nada. Desde pequeno sempre fui assim, despistado. A alface!!!!

Mas já estava na caixa mesmo à espera da minha vez, e como me recuso a ser eu a passar na maquineta, com isto, a trabalhar para o Belmiro (se quer empregados, que lhes pague e lhes dê condições! Vá prá puta que o pariu), fui-me a ver dos legumes. Alface, alface… não havia. Só uma mixuruca frisada que não tinha jeito de nada, e de certeza que me ia dar direito a muitas perguntas em casa, mas que se lixe! Enquanto corria de volta à caixa senti que passei a escassos metros em frente dele, do vulto dele. Teve de me ver. Quase chocámos. Não houve uma interjeição, um chamar do meu nome, um avanço. Nada.

Enquanto pagava, sorri. Não sei quantos anos mais vou estar aqui, neste mundo. Na realidade, esse é um dos grandes mistérios, é o que toda a gente tem como mais certo, mas ninguém sabe precisar. E ainda bem. Mas o que eu quero, é que só quero comigo, junto a mim, quem realmente me quer. Sem favores, sem obrigações, sem opressões, sem peso. A vida é curta demais para perdermos com coisas e pessoas, que não merecem.

Se foi meu amigo? Foi. Nunca foi grande conversador, grande apoio, grande muleta, grande companheiro, mas estava lá. Acho que era apenas isso. Estava lá.

Se agora o é? É um conhecido, afastado, distante, longe.

Se me dói fazer este texto? Dói.

Se tenho necessidade? Sim.

Eu tenho de escrever, tenho de falar, tenho de deixar sair. Para que me ajude a pensar, para tentar compreender. Eu penso assim, melhor, enquanto escrevo. E o passado que tivemos juntos dá-me direito a isso.

Continuo a aprender, porque na vida se aprende sempre até ao último dia, que a amizade é muito mais escassa e rara, por isso, cada vez mais valiosa. O filtro da política tem-me ajudado a peneirarar os meus conhecimentos a nível de relacionamento, e a perceber que muitos que pensava amigos (tonto!), são apenas interesseiros, materialistas, gente sem escrúpulos, que para se meter um pouco melhor a si, por interesse, por usura, por vaidade, atropelam tudo e todos. Com a desculpa de fazer o bem ao concelho... 
Tá bem... abelha. Conta-me histórias...
Para esses serei sim, cruel como o meu antecessor Pedro, que mandou arrancar o coração a Inês. Não mais me verão o branco dos dentes. 

Quem me conhece bem, sabe como sou. Muito extrovertido, muito popular, mas muito consciencioso naquilo a que diz respeito às amizades. Os meus amigos, para mim, valem tudo, são família, e não há nada que não faça por eles. É claro que há gradações. Há os de infância, os da brincadeira, os da escola, os da festa, os profissionais, e os do peito, que são irmãos que nós escolhemos.

Dedico este texto, coisa rara em mim, aqui, a todas as almas que tive o prazer de conhecer, e com quem mantenho laços de amizade. É bom saber que vocês estão aí. Pessoas que se alegram com a minha alegria, e chorarão com saudade, quando eu desaparecer. Se for antes… ahah!

Carpe diem.

Grande abraço


Com amor, do: dROCAS Sabi

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