Pensei muito se deveria, se conseguiria, se seria capaz de escrever este texto.
Dói
muito, dói demais e faz perceber que a vida pode ser tão injusta quanto cruel,
como se fosse um sonho sem sentido.
Quando
a morte, o pesar da partida de alguém se torna no assunto do momento, numa moda,
fico sempre reticente, e a minha consciência manda-me recolher ao silêncio.
Mas este blogue é a minha janela para o mundo, a forma como eu vejo tudo o que me rodeia, e tenho sempre este sonho vão de que isto possa um dia ainda ser apanhado, como uma cápsula do tempo, e seja capaz de ilustrar um fresco deste tempo. Seria engraçado se daqui a 80 anos, quando a população de Portugal for apenas de metade dos habitantes (5 milhões?!?), como disseram há pouco nas notícias (https://sicnoticias.pt/pais/2020-07-14-Daqui-a-80-anos-Portugal-pode-ter-5-milhoes-de-habitantes), ainda houvesse internet, e alguém descobrisse o blogue deste maluco.
Pois
este blogue, seguindo esta linha editorial, tem de falar neste desaparecimento,
terrivelmente trágico.
Toda
a gente de Marvão, sobretudo a que fosse ligada ao desporto (que sempre foi a
sua vida), ou à terceira idade (que era a sua profissão, na Santa Casa de
Misericórdia de Marvão) conhecia o Rui Moura. O Rui casou com uma rapariga de
Marvão, a Carla Salgueiro, e com ela teve dois filhos maravilhosos, um menino e
uma menina, numa família que era, em tudo, perfeita. Sendo um atleta de sempre,
começou há tempos a queixar-se de umas dores estranhas nas costas, que o
levaram a exames, que finalmente lhe trouxeram o pior dos cenários.
Tudo
enfrentou com resignação e a força de vontade próprias de um lutador.
Sempre
o acompanhei, dando-lhe força e ânimo, estando consciente que o meu processo de
recuperação pós-acidente lhe serviria de estímulo.9
Na
sexta feira “encontrei-o” na rede social Telegram e disse-lhe que fiquei muito
feliz por o ver ali. Falou-me nos novos tratamentos que o mantinham ilusionado,
e estimulavam.
No
domingo soube que tinha falecido, subitamente, de um ataque cardíaco, ou de um AVC,
e o tinham encontrado caído, já sem vida.
38 anos...
Este
desaparecimento tem em mim um efeito absolutamente devastador. Custa-me meter
cercaduras de pêsames no facebook, não me consigo juntar ao coro dos lamentadores
no seu mural, muito menos no da sua esposa (de quem respeitarei o luto, com
pesar); nem sequer ver em direto a cerimónia de balões lançados aos céus pelos
seus colegas. Tudo é tão triste, tão revoltante, tão agonizante que nem sequer
consigo pensar.
Como
é possível, meu Deus? (pergunto eu, sabendo que não há qualquer resposta que se
possa obter.)
Como
pode haver sentido nisto tudo? Que será desta mulher, tão jovem, com dois
filhos pequeninos a seu cargo?
Um
amigo comum, o Francisco Abrantes, manifestou o seu pesar no seu mural do
facebook:
Definitivamente este macabro ano de vinte-vinte, nem
precisava ter existido. Não está cá a fazer falta nenhuma, podíamos
simplesmente ter alongado a perna e ter passado por ele à meia-noite de
vinte-dezanove.
Que grande desilusão, que tristeza tamanha, por que motivo no
espaço de uma semana nos levaram dois seres humanos maravilhosos? Primeiro foi
o “três-vezes-nove” (David Vieira) e agora tu “puto Moura” porquê?
As atitudes mostram quem realmente as pessoas são e tu
mostraste-me quem eras, quando naquele dia no
atelier, por curiosidade te aproximas do painel de azulejos que estava a pintar
e derrubas parte dos azulejos do trabalho que ia já numa fase bastante
adiantada.
Não sabias onde te havias de meter, estavas
incrédulo, pediste quinhentas vezes desculpa, quiseste saber de imediato em que
podias ajudar para resolver a situação, com prontidão ofereceste-te a cobrir do
teu bolso aquele prejuízo.
Assim são os Homens de carácter, aqueles que
assumem os erros sem pestanejar.
Eu não te conhecia o suficiente por estes tempos, mas
com esta atitude, ganhei simpatia e respeito por ti e passámos a ser amigos.
Uns anos mais tarde, quando a madre da Santa Casa
de Marvão precisou de um restauro de azulejos para o convento, tu imediatamente
te lembraste de mim, como que para pagar aquele infortúnio ocorrido no passado,
ainda não tinhas esquecido, ainda te estava a atormentar,
Agradeci, fomos juntos ver o local e fazer o
levantamento e concluímos juntos o trabalho, percebi que nessa altura
finalmente tinhas ultrapassado o episódio.
Eu, como te disse na altura no atelier, junto da
pilha de azulejos escavacados no chão, desculpei-te nesse dia, nesse momento.
Apanhámos juntos os cacos e depois disso ainda vi
um Homem empreendedor, dinâmico e activo, dirigir com empenho duas associações,
criar uma empresa, casar, ter filhos, enfrentar uma doença terrível e tudo isto
com um sorriso e determinação só ao alcance de alguns...
Descansa em paz “puto Moura”
Comentei:
Amigo, tudo isto é tão triste que comove, e nos deixa quase sem forças para
seguir em frente... Que trágica é a vida, e que duro é sempre que nos
apercebemos de que não valemos nada, porque tudo se esvai num ápice.
O
Rui era tudo isso que contas no teu triste, mas tão bonito testemunho. Era
sorriso, era luz, era meninice, simpatia, jovialidade, beleza,
empreendedorismo, força, excelente forma física (ainda me lembro da admiração
que senti por ele, quando me disse que estava a preparar-se para fazer o
'Iron-Man", uma prova só aberta a super-homens, que combina atletismo,
natação e ciclismo em doses pesadas).
Ainda
há dois dias troquei mensagens com ele pelo Telegram, onde fiquei tão feliz por
o ver. Estava animado com os novos tratamentos, dei-lhe força e ânimo. Agora
isto.
Continuarei
a rezar por ele, como fazia, mas agora para que descanse em paz; e pela sua
esposa e filhinhos, para que tenham força para seguir em frente, e que Deus os
proteja..
Nestes casos, lembro-me sempre deste guru, porque "a morte não é um fim...", mas um princípio…
O
Rui era um de nós… da nossa idade…
Visitar
a sua pegada digital, é destroçador…
3 comentários:
Obrigado pelas tuas palavras em que me revejo . O Rui foi meu aluno e mais tarde colaborou na OCRE. Sempre lhe reconheci a boa onda , motivação e garra .
Não me lembro de ter presenciado algum desaguisado ou esmorecimento. Um bom homem . Que fará muita falta cá . Oxalá consigamos todos estar à altura desta tragédia e nos momentos certos de alguma forma apoiar a família e relembrar em todas as oportunidades o excelente ser humano que foi o Rui . Esta perda foi um duro golpe em toda a comunidade do Rui. Saibamos honrá-lo . Abraço
Pedro..como tu escreves tão bem. O Rui estaria orgulhoso deste teu testemunho. Como é difícil superar a perda de um jovem, um amigo, um ser maravilhoso.
Pedro..como tu escreves tão bem. O Rui estaria orgulhoso deste teu testemunho. Como é difícil superar a perda de um jovem, um amigo, um ser maravilhoso.
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