quarta-feira, 15 de julho de 2020

Porquê?


Pensei muito se deveria, se conseguiria, se seria capaz de escrever este texto.

Dói muito, dói demais e faz perceber que a vida pode ser tão injusta quanto cruel, como se fosse  um sonho sem sentido.

Quando a morte, o pesar da partida de alguém se torna no assunto do momento, numa moda, fico sempre reticente, e a minha consciência manda-me recolher ao silêncio.

 

Mas este blogue é a minha janela para o mundo, a forma como eu vejo tudo o que me rodeia, e tenho sempre este sonho vão de que isto possa um dia ainda ser apanhado, como uma cápsula do tempo, e seja capaz de ilustrar um fresco deste tempo. Seria engraçado se daqui a 80 anos, quando a população de Portugal for apenas de metade dos habitantes (5 milhões?!?), como disseram há pouco nas notícias (https://sicnoticias.pt/pais/2020-07-14-Daqui-a-80-anos-Portugal-pode-ter-5-milhoes-de-habitantes), ainda houvesse internet, e alguém descobrisse o blogue deste maluco.


Pois este blogue, seguindo esta linha editorial, tem de falar neste desaparecimento, terrivelmente trágico.

 

Toda a gente de Marvão, sobretudo a que fosse ligada ao desporto (que sempre foi a sua vida), ou à terceira idade (que era a sua profissão, na Santa Casa de Misericórdia de Marvão) conhecia o Rui Moura. O Rui casou com uma rapariga de Marvão, a Carla Salgueiro, e com ela teve dois filhos maravilhosos, um menino e uma menina, numa família que era, em tudo, perfeita. Sendo um atleta de sempre, começou há tempos a queixar-se de umas dores estranhas nas costas, que o levaram a exames, que finalmente lhe trouxeram o pior dos cenários.

 

Tudo enfrentou com resignação e a força de vontade próprias de um lutador.

 

Sempre o acompanhei, dando-lhe força e ânimo, estando consciente que o meu processo de recuperação pós-acidente lhe serviria de estímulo.9

 

Na sexta feira “encontrei-o” na rede social Telegram e disse-lhe que fiquei muito feliz por o ver ali. Falou-me nos novos tratamentos que o mantinham ilusionado, e estimulavam.

No domingo soube que tinha falecido, subitamente, de um ataque cardíaco, ou de um AVC, e o tinham encontrado caído, já sem vida.


38 anos...

 

Este desaparecimento tem em mim um efeito absolutamente devastador. Custa-me meter cercaduras de pêsames no facebook, não me consigo juntar ao coro dos lamentadores no seu mural, muito menos no da sua esposa (de quem respeitarei o luto, com pesar); nem sequer ver em direto a cerimónia de balões lançados aos céus pelos seus colegas. Tudo é tão triste, tão revoltante, tão agonizante que nem sequer consigo pensar.

 

Como é possível, meu Deus? (pergunto eu, sabendo que não há qualquer resposta que se possa obter.)

Como pode haver sentido nisto tudo? Que será desta mulher, tão jovem, com dois filhos pequeninos a seu cargo?

 

Um amigo comum, o Francisco Abrantes, manifestou o seu pesar no seu mural do facebook:

Definitivamente este macabro ano de vinte-vinte, nem precisava ter existido. Não está cá a fazer falta nenhuma, podíamos simplesmente ter alongado a perna e ter passado por ele à meia-noite de vinte-dezanove.


Que grande desilusão, que tristeza tamanha, por que motivo no espaço de uma semana nos levaram dois seres humanos maravilhosos? Primeiro foi o “três-vezes-nove” (David Vieira) e agora tu “puto Moura” porquê?


As atitudes mostram quem realmente as pessoas são e tu mostraste-me quem eras, quando naquele dia no atelier, por curiosidade te aproximas do painel de azulejos que estava a pintar e derrubas parte dos azulejos do trabalho que ia já numa fase bastante adiantada.
Não sabias onde te havias de meter, estavas incrédulo, pediste quinhentas vezes desculpa, quiseste saber de imediato em que podias ajudar para resolver a situação, com prontidão ofereceste-te a cobrir do teu bolso aquele prejuízo.


Assim são os Homens de carácter, aqueles que assumem os erros sem pestanejar.


Eu não te conhecia o suficiente por estes tempos, mas com esta atitude, ganhei simpatia e respeito por ti e passámos a ser amigos.


Uns anos mais tarde, quando a madre da Santa Casa de Marvão precisou de um restauro de azulejos para o convento, tu imediatamente te lembraste de mim, como que para pagar aquele infortúnio ocorrido no passado, ainda não tinhas esquecido, ainda te estava a atormentar,


Agradeci, fomos juntos ver o local e fazer o levantamento e concluímos juntos o trabalho, percebi que nessa altura finalmente tinhas ultrapassado o episódio.


Eu, como te disse na altura no atelier, junto da pilha de azulejos escavacados no chão, desculpei-te nesse dia, nesse momento.


Apanhámos juntos os cacos e depois disso ainda vi um Homem empreendedor, dinâmico e activo, dirigir com empenho duas associações, criar uma empresa, casar, ter filhos, enfrentar uma doença terrível e tudo isto com um sorriso e determinação só ao alcance de alguns...


Descansa em paz “puto Moura”

 

Comentei: Amigo, tudo isto é tão triste que comove, e nos deixa quase sem forças para seguir em frente... Que trágica é a vida, e que duro é sempre que nos apercebemos de que não valemos nada, porque tudo se esvai num ápice.

 

O Rui era tudo isso que contas no teu triste, mas tão bonito testemunho. Era sorriso, era luz, era meninice, simpatia, jovialidade, beleza, empreendedorismo, força, excelente forma física (ainda me lembro da admiração que senti por ele, quando me disse que estava a preparar-se para fazer o 'Iron-Man", uma prova só aberta a super-homens, que combina atletismo, natação e ciclismo em doses pesadas).

Ainda há dois dias troquei mensagens com ele pelo Telegram, onde fiquei tão feliz por o ver. Estava animado com os novos tratamentos, dei-lhe força e ânimo. Agora isto.

Continuarei a rezar por ele, como fazia, mas agora para que descanse em paz; e pela sua esposa e filhinhos, para que tenham força para seguir em frente, e que Deus os proteja..

Nestes casos, lembro-me sempre deste guru, porque "a morte não é um fim...", mas um princípio… 


O Rui era um de nós… da nossa idade…

Visitar a sua pegada digital, é destroçador…





 Que Deus proteja quem está, e que ele descanse em paz…

3 comentários:

Tiago Malato disse...

Obrigado pelas tuas palavras em que me revejo . O Rui foi meu aluno e mais tarde colaborou na OCRE. Sempre lhe reconheci a boa onda , motivação e garra .
Não me lembro de ter presenciado algum desaguisado ou esmorecimento. Um bom homem . Que fará muita falta cá . Oxalá consigamos todos estar à altura desta tragédia e nos momentos certos de alguma forma apoiar a família e relembrar em todas as oportunidades o excelente ser humano que foi o Rui . Esta perda foi um duro golpe em toda a comunidade do Rui. Saibamos honrá-lo . Abraço

gi disse...

Pedro..como tu escreves tão bem. O Rui estaria orgulhoso deste teu testemunho. Como é difícil superar a perda de um jovem, um amigo, um ser maravilhoso.

gi disse...

Pedro..como tu escreves tão bem. O Rui estaria orgulhoso deste teu testemunho. Como é difícil superar a perda de um jovem, um amigo, um ser maravilhoso.