sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Na Casa dos (muitos) Segredos



Se eu vejo o “Big Brother” novo, aquele da “Casa dos Segredos"?

Mas é claro que sim! Claro que sim… isto é, calma… vejo… mas com moderação e de forma selectiva. O que é que eu quero dizer com isto? Para já não vejo desde o princípio, depois, nunca vi uma gala, não sei bem os nomes deles nem quantos saíram e, devo confessar, ainda não cheguei a perceber bem como é que funciona aquela cena do dinheiro e da revelação dos segredos e afins. Ah, também não dou atenção aos diários com o Granger e a outra piquena.

Mas a verdade é que de vez em quando, passo por lá. Quando não estou a ver nada de interesse ou quero a tv apenas como companhia de fundo… lá vou eu ao canal 10, em sinal aberto no Meo, 24 horas por dia.

E vou lá porque aquilo é interessante. Acreditem! Deve ser a coisa mais parecida com ter uma gaiola com hamsters, com o acréscimo de interesse de os animais aprisionados serem humanos como nós, por mais que isso nos custe, às vezes. Só a disponibilidade para a prostituição mental já serve para incomodar.

Quem conseguir transpor o filtro mental do ridículo e se dispuser a assistir, garanto-vos que muito poderá aprender sobre a forma como nos relacionamos. Há ali, naquela casa, muito do que vemos no nosso próprio dia-a-dia. Quem disser o contrário, mente! Afinal, são nossos similares. É um produto televisivo muito interessante dos pontos de vista sociológico, psicológico e até antropológico.

É certo que é um jogo mas para quem se dispuser a ler nas entrelinhas verá que há ali muita matéria-prima. Mesmo muita… Às vezes também vejo os debates em directo da Assembleia da República mas são muito menos entretidos e esclarecedores, por muito que eles tentem…

Há aqueles concorrentes com os quais simpatizamos de imediato (o jovem agricultor do Norte é um prato, claramente o novo Zé Maria, mas mais autêntico e verosímil. O outro fazia um pouco o “desgraçadinho”…), há aqueles com que antipatizamos, há gente divertida e gente muito interessante. Há ali histórias de vida complicadas e se nos esforçarmos um pouco… há ali muito substracto.

Perdeu-se a ingenuidade e a genuinidade da primeira edição, dos saudosos concorrentes que serviram de cobaias, mas depois de estalado o verniz… a essência vem toda ao de cima.

Ontem, a produção que os manipula como ratos de laboratório e os “esmifra” até ao tutano organizou uma festa e disponibilizou-lhes litros de álcool, o que geralmente lhes é vedado no economato. Claro que a rapaziada aproveitou e “encheu a cara”, quanto mais não fosse para ajudar a esquecer a condição de “passarinhos na gaiola”. A “voz” que os domina como se de marionetes se tratassem, pediu, às tantas da manhã, voluntários para um strip e a coisa deu para o torto.

Quando acordei hoje de manhã, liguei a televisão para ver como estavam os ares pela casa e percebi logo que tinha havido “arraia”. O ar estava pesado e um dos concorrentes andava de cama em cama a tentar perceber o que é que tinha acontecido, o que é que tinha feito na noite passada. Não se lembrava de nada!

Pelos vistos (isto porque ao escrever ainda não vi as imagens), esse concorrente, o Vítor, apanhou uma bubadeira de tal ordem que virou a casa “de pantanas”. Como a namorada se ofereceu para o strip, entrou numa cena de ciúmes de tal ordem que fez de tudo um pouco: despiu-se também, intimidou os outros concorrentes e culminou com uma lamentável cena de violência com a sua companheira onde não faltaram as agressões verbais e corporais, incluindo puxões de cabelos, empurrões e outros amassos que tais.

Isto, para cúmulo, no Dia Mundial da não violência contra as mulheres.

O concorrente Vítor, que confesso, desde sempre achei o mais frio, calculista e manipulador, não teve um acordar fácil. Tinha a casa e o mundo contra ele e nem se lembrava porquê!

Durante toda a manhã, estive coladíssimo ao ecrã. A forma como os concorrentes foram lidando com a situação (cada um à sua maneira e à luz das suas vivências e personalidades) e sobretudo, a absolutamente inacreditável remontada que o Vítor fez ao longo das horas seguintes foram dignas de registo e de serem televisionadas em horário nobre. A vida em directo e em tempo real. Não é isso a que se propõe o programa?

O pérfido concorrente (descobriu-se então que a cena entre ele e a namorada não foi inédita. Há um historial de violência e manipulação com anos…) foi reunindo a informação necessária e quando na posse da que achava suficiente, envolveu a vítima como uma pitão e foi-lhe dando um nó cego de tal ordem que em poucas horas a fez passar do estado “o que é que tu me foste fazer? Nunca mais te quero ver!”, ao estado “beijinhos e abraços, amor (dito por ela) perdoa ter-te prejudicado”. Ela a ele!

Percebi então porque é que muitas das senhoras que foram entrevistadas ontem nos noticiários por terem sido vítimas de violência doméstica repetida ao longo dos anos respondiam daquela forma quando lhe perguntavam : “mas se ele lhe batia, porque é que nunca o deixou?”. “Porque o amava. Porque ainda assim, o adorava.”

Lá canta o meu velho Bono… “love moves in mysterious ways…”

Fiquei a aguardar o desfecho do “episódio”. O elo mais fraco estava conquistado. Os outros concorrentes entretanto amotinaram-se no quarto ao lado onde, entre dentes, criticaram a súbita rendição e se revoltaram interiormente pela inércia, pela apatia, pela submissão.

Estou plenamente convicto que se “a voz” não se tivesse metido ao caminho, até ao final do dia, o Vítor teria dado a volta aos colegas, um por um, caso a caso, do mais fraco ao mais forte, amealhando apoios e firmando-se neles para ir avançando as tropas até à conquista final. Ele estava convicto do seu poder.

A “voz” decidiu então reuni-los na sala de estar e como era previsível e incontornável, expulsou o Vítor, condenando de forma veemente o seu comportamento da noite anterior, apesar dos avisos que lhe tinha ido fazendo.

O álcool é fodido. Uma mini gelada sabe muita bem. Um bom tinto eleva uma refeição à excelência. Um gin tónico para ajudar a digestão é receita sagrada. Quem é que não gosta? Mas quando se abusa e se perde o controlo, a coisa descamba e dá sempre maus resultados. O Vítor teve 5 minutos para abandonar a casa onde esteve voluntariamente aprisionado durante 47 dias, com a sua relação afectiva por um fio, (certamente) condenado por um país inteiro e sem sequer saber porquê!

Atordoado pelo que lhe aconteceu, não conseguiu responder de jeito a uma única pergunta da repórter que o aguardava à porta. Limitou-se a pedir perdão. Lá dentro, a “sua” Ana Isabel chorava como uma Madalena arrependida, inconsolável por se ver virtualmente viúva da noite para o dia.

Mal o culpado saiu e a porta se fechou, toda a tripulação reagiu e se uniu em torno da vítima, dando-lhe conselhos e precauções para a vida.

Em vão, digo eu. O ascendente que ele tem sobre ela é assombroso. Assim que sair, correrão para os braços um do outro, de onde nunca teriam saído por sua vontade. Admirável, não é? Isto com gente real, como nós. Ela é advogada e segundo me pude aperceber, tem planos para a vida. Não estamos a falar de indiscriminados ou inimputáveis.

No momento em que escrevo estas linhas, as pedras reajustam-se no xadrez. Os pretendentes que a ela se declararam já no decorrer no programa, rendem-se de novo à sua óbvia e incontestada beleza e tentam a sua sorte, aproveitando-se (inconscientemente?) da sua debilidade emocional. Uns ajudam a arrumar a mala com os pertences do seu “mal-aventurado” companheiro, outros, mais afoitos, passam-lhe a mão pelos longos e sedosos cabelos castanhos, tentando (fingindo?) apaziguar a sua dor.

Jogando num programa, como de resto todos fazemos (por mais que digamos o contrário…), na vida real.

Admirável, não é?

1 comentário:

Helena Barreta disse...

Se há coisas que me fazem espécie, uma delas é a submissão e a pessoa anular-se em detrimento de outra.