sábado, 13 de novembro de 2010

O princepezinho



Ou muito me engano, ou ainda vamos ouvir falar muito deste rapazinho… durante muitos anos…

E ainda por cima é um gentleman e eu adoro ver um homem com classe. Viram-no sair em defesa de Jorge Jesus?

Vai longe. Ai vai, vai…

Ora leiam, leiam que vale a pena...
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In Jornal de Notícias 12.10.2010
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André Villas-Boas é muito mais do que o treinador do FC Porto. É o técnico da moda do futebol português. Começou a carreira na adolescência, quando teve a ousadia de abordar Bobby Robson. Depois, conquistou José Mourinho e, pelo meio, orientou a selecção das ilhas Virgens Britânicas. O rapaz que fazia relatórios é um dos responsáveis pelo sucesso dos dragões.

Um dia encheu-se de coragem e resolveu abordar o treinador do FC Porto. Não percebia por que razão Domingos Paciência estava quase sempre destinado a ser opção no banco de suplentes, um desperdício, tratando-se de um avançado tão talentoso. Era vizinho de Sir Bobby Robson e mostrou a ousadia que também agora o distingue no futebol. À custa de um inglês perfeito, perguntou-lhe por que motivo o seu ídolo não tinha espaço na equipa titular e estava confinado a viver na sombra. Debateu as questões tácticas, o posicionamento dos jogadores, dissecou as opções técnicas e o então treinador portista ficou impressionado com a irreverência e os conhecimentos daquele adolescente de cabelo ruivo. Que era seu vizinho.

Esse rapaz chama-se André Villas-Boas. Agora, é o treinador da moda do campeonato português e o mais jovem contratado pelo presidente Pinto da Costa. É um principezinho, tem sangue nobre, sucesso e um futuro risonho. Mas mal sabia que essa pequena conversa iria abrir-lhe as portas do futebol. Quase por magia. Seguiram-se outras abordagens e trocas de ideias que mostravam alguém de opiniões seguras e maduras, que devorava futebol e tinha uma sede infinita de conhecimento. O treinador inglês andou a matutar na sabedoria daquele miúdo de 17 anos e deu-lhe a mão. Sem hesitar.

O primeiro passo foi aconselhá-lo a ir para Inglaterra, onde tirou o curso de treinador e sedimentou as bases de um saber científico e sustentado. Começou por ir para Lilleshall, um reputado centro de treinos, onde aprendeu as primeiras letras do abecedário da modalidade. Mas aí deparou-se com um problema: como era menor de idade não podia inscrever-se como aluno. Nada que Robson não resolvesse e bastou uma conversa com o amigo Charles Hughes, o director da academia, para a questão ser contornada. Seguiu-se um estágio no Ipswich Town, com George Burley, e uma passagem pela academia de Largs, na Escócia, para completar a formação de um treinador que foi precoce em quase tudo. Até na formação académica.

Mas a mão amiga de Bobby Robson também se estendeu em direcção ao FC Porto, o clube que André Villas-Boas aprendeu a admirar desde os tempos de criança, o mais representativo da cidade onde nasceu há 33 anos. Foi o técnico inglês quem deu o empurrão definitivo para o rapaz passar a colaborar nas camadas jovens e vencesse mais uma etapa do crescimento profissional. Foi aí que travou conhecimento com um conjunto de treinadores mais velhos e pôde constatar o que era o trabalho de campo na qualidade de assistente. Percorreu vários escalões, sempre com os olhos bem abertos e os ouvidos afinados.

Nessa altura, o culto pelo futebol também passava por estar em casa com o computador à frente. Perdia horas a jogar o Championship Manager, um simulador no qual os utilizadores gerem uma equipa profissional como se fossem treinadores a sério. Também assinava várias revistas estrangeiras que lhe permitiam saber o nome de muitos futebolistas e a composição de vários plantéis. Tinha uma sede de conhecimento notável, era o primeiro a querer melhorar e mostrava uma dedicação extrema em todos papéis que lhe eram confiados. O que não passava despercebido. A ninguém.

Aí, já vincava os traços que fazem dele um treinador próximo dos jogadores, quase um amigo e um confidente, alguém capaz de se divertir quando o ambiente é descontraído ou duro quando as circunstâncias assim o exigem. «Há um episódio de que não me esqueço. Quando fomos campeões nacionais de juvenis, em 1996/97, o André era adjunto do professor Ilídio Vale e os jogadores foram todos curtir para a noite. Ele andou connosco como se fosse um de nós. Era muito próximo da equipa», conta Manuel José, jogador do Paços de Ferreira. Há 13 anos era um dos futebolistas mais promissores dessa equipa e contactou de perto com aquele rapaz de olhar atento. De uma extrema competência.

Mas André Villas-Boas sempre foi um aventureiro, tinha a coragem para protagonizar as decisões mais arrojadas e inesperadas. Desde sempre alimentou o sonho de ser treinador principal e quando tinha 23 anos viu um anúncio num site da internet que lhe parecia ser interessante. Em 2000, havia uma selecção que precisava de um jovem técnico e qualificado, com um salário em conta, alguém que mostrasse uma ambição desmedida para trabalhar nos escalões de base. Viu o pedido, mandou o currículo por e-mail, fez uma entrevista e foi aceite. Foi assim que assumiu as rédeas da selecção das ilhas Virgens Britânicas. Num abrir e fechar de olhos.

Mais uma vez, o velho amigo Bobby Robson foi importante. «Deu-nos boas referências e isso ajudou. Também se mostrou mais interessado na oportunidade que tinha para trabalhar como treinador do que no dinheiro que tínhamos para lhe oferecer», conta Kenrick Grant, na altura o presidente da Federação de Futebol daquele minúsculo país no mar das Caraíbas. Aos poucos, começou a mostrar o seu talento, um sentido de organização notável e as funções que exercia passaram a ser redutoras para quem tinha horizontes largos: «Era muito bom a criar manuais de treino no computador. Criou métodos específicos para todos os treinadores das camadas jovens. Também era estupendo na observação, a detectar os pontos fortes e fracos dos adversários. Por isso, demos-lhe o cargo de director técnico para que orientasse todos os escalões.»

Em termos desportivos, a qualificação para o Mundial 2002 acabaria por ser a imagem de uma selecção débil e que se encontrava na cauda do ranking da FIFA. Averbou duas derrotas diante das Bermudas (5-1, em casa; 9-0 fora). Nada que perturbasse uma carreira ascendente. Durante os 18 meses em que viveu nas Caraíbas nunca perdeu os laços de amizade com os responsáveis do FC Porto e enviava-lhes postais a ilustrar as belas paisagens marítimas. Só quando regressou a Portugal, aí sim, teve a coragem de revelar a idade. Porque nas ilhas Virgens Britânicas todos pensavam que fosse mais velho. «Sempre se mostrou interessado em um dia vir a treinar o FC Porto», conta Kenrick Grant.

André Villas-Boas voltava à casa de partida e encontrava um clube diferente do actual. Sem a chama das vitórias. No início da década, os dragões desesperavam por vencer o título de campeão e procuravam um treinador capaz de colocá-los na rota do sucesso. É nesse contexto que José Mourinho é contratado à União de Leiria no decorrer da época de 2001/02, um rosto emergente do futebol português que tinha como missão germinar novos hábitos de vitória. Logo aí abriu-se uma janela de oportunidade para o rapaz. Quando o novo treinador precisava de um observador, um perito capaz de desmontar a forma de jogar dos adversários, houve alguém que lhe falou em André Villas-Boas. O nome não lhe era estranho, conhecia-o dos tempos em que o agora treinador do Real Madrid era adjunto de Bobby Robson. Quando o tal adolescente de cabelo ruivo cativava quem o ouvia falar sobre futebol. E aceitou-o.

Em 2003, começou a ser «os olhos e os ouvidos» de José Mourinho (a expressão é do próprio Special One), quando era preciso estendê-los em direcção aos adversários para detectar os pontos fortes e as fragilidades. Foi assim que começaram a ser feitos os famosos relatórios que dissecavam a forma de jogar de quem se cruzava no caminho do FC Porto. Nada passava despercebido. Fosse o comportamento das equipas em campo, a postura ou os movimentos específicos dos jogadores, fossem as questões tácticas ou os posicionamentos, todos os pormenores eram analisados e trabalhados pelo jovem aspirante a treinador.

Antes de cada jogo, cada futebolista recebia um minucioso relatório sobre as características do marcador directo ou de quem tinha de perseguir dentro do campo. «Eram dossiers muito detalhados e ficávamos a saber tudo sobre os nossos adversários. Raramente éramos surpreendidos e já se notava que estávamos na presença de alguém que sabia muito de futebol», revela Ricardo Costa, defesa do Valência, um dos jogadores que estiveram na caminhada sensacional dos dragões quando conquistaram a Taça UEFA (2002/03) e a Liga dos Campeões (2003/04).

Além disso, André Villas-Boas também tinha outras preocupações e transmitia um pouco do seu conhecimento no contacto pessoal com os atletas: «Antes dos jogos grandes conversava com alguns de nós, depois dos treinos, e chamava-nos a atenção para determinados aspectos deste ou daquele adversário.» Eram essas as características de quem fazia do rigor uma máxima de vida, um discípulo que soube beber todos os ensinamentos do mestre, mas que nunca se deu por satisfeito. Nem rendido. Quis sempre saber mais. E em 2003, aos 26 anos, tirou o nível máximo do curso de treinadores na Escócia.

Depois do sucesso estrondoso no FC Porto, Mourinho ganhou dimensão internacional e despertou a cobiça de vários clubes europeus de nomeada. No Verão de 2004 foi apresentado no Chelsea. E não foi sozinho. André Villas-Boas também se mudou para Inglaterra, onde continuou a passar uma infinidade de tempo nos estádios adversários e no gabinete, a trabalhar a informação mais preciosa para ser entregue aos jogadores. Um desses relatórios de observação chegou a ser tornado público e maravilhou os entendidos pela forma como a equipa do Newcastle era decomposta. Literalmente, ao pormenor.

Em 2008, seguiu-se uma aventura em Itália. No FC Porto, no Chelsea e no Inter de Milão, teve a oportunidade de desmontar a forma de jogar das melhores equipas do mundo e isso deu-lhe uma grande bagagem do ponto de vista táctico. Ao mesmo tempo, foi absorvendo os ensinamentos de José Mourinho e traçando as suas ideias. Amassou um registo próprio e uma identidade bem definida daquilo que seria um estilo de jogo. O seu conceito de futebol aliado à velha ambição de ser treinador principal, um líder capaz de se impor pelo seu pensamento. Porque não queria ser adjunto por muito mais tempo.

Um ano depois de ter chegado ao futebol italiano, mudou-se para Portugal, para desagrado do mestre. E para treinar a Académica. A 14 de Outubro de 2009, foi apresentado como treinador da equipa de Coimbra, mergulhada no último lugar da tabela classificativa, agoniada e desacreditada perante o país desportivo. Era uma aposta de risco para um jovem de 31 anos e sem experiência de banco. Se falhasse, a sua carreira estaria hipotecada; se vencesse, outras portas se abririam. Mas os dirigentes estavam seguros da pérola que tinham nas mãos e apresentaram-lhe um contrato de duas épocas com uma cláusula de rescisão de quinhentos mil euros. Nada mau. Porque sabiam que nos últimos meses, o seu nome já tinha estado associado a outros clubes mais bem cotados.

Estreou-se no campeonato português à oitava jornada. E com uma derrota. Ironia das ironias, no terreno do FC Porto (3-2), o clube do seu coração. Mas logo ali se percebeu que algo iria mudar no futebol da Briosa: a equipa jogou mais confiante, muito compacta e sem descurar o sentido estético do jogo. Fez o adversário sofrer, sempre à procura do melhor resultado, sem se inibir ou baixar a cabeça. Seguiu-se uma recuperação notável, à custa de trinta pontos em 23 jogos e com o 11.º lugar na classificação final. Era o reflexo de um futebol sedutor e sem fixações defensivas. Sempre à procura do espectáculo, virado para a baliza adversária.

No início da caminhada, André Villas-Boas procurou distanciar-se das comparações feitas em relação a José Mourinho, mas os jogadores são os primeiros a reconhecer que mantém a mesma relação de empatia junto do plantel. «É um treinador que tem um grande coração», conta Jonatham Bru, ex-futebolista da Académica, que revela o lado humano de quem que não olha a meios para fazer o grupo feliz: «No Natal do ano passado, tinha pedido dez camisolas para oferecer aos meus amigos. Mas o clube enganou-se e entregou-me 30. Disse-lhes que não podia pagar tudo de uma vez. O mister ouviu a conversa e pagou metade.»

Mas houve mais manifestações de generosidade que cativavam o grupo e criavam fortes laços de solidariedade. Esse é um dos seus segredos, a forma como a barreira entre os jogadores e o treinador é cortada, mas sem colocar em causa os princípios da disciplina e da liderança. «Parece um homem duro, mas não é. É justo, é um amigo e trata toda a gente da mesma maneira. Quem joga ou fica no banco, todos lhe merecem o mesmo respeito e isso traz muita confiança. Quando o plantel jantava junto, fazia questão de ser ele a pagar a conta do restaurante», recorda o agora jogador da Oliveirense. À custa disso, levou muitos rombos no cartão de crédito.

Aos poucos, André Villas-Boas passou a estar nas bocas do futebol português e a merecer a atenção de outros clubes mais capazes. Foi apontado como hipótese para o Huelva (Espanha), esteve na mira do Sporting por duas vezes, numa delas chegou a dizer que tudo não passava de uma «palhaçada», mas resistiu à tentação e continuou na Académica. Não por muito tempo. No fundo, esperou pelo momento certo. Enquanto se pensava que Paulo Bento seria o sucessor de Jesualdo Ferreira no FC Porto, Pinto da Costa trabalhou pela calada e escolheu o antigo discípulo de Bobby Robson e de José Mourinho. Do namoro ao casamento foi um pequeno passo. E acabou por se despedir dos jogadores da Académica por SMS. Com as emoções à flor da pele.

A 4 de Junho de 2010, apenas com 23 jogos na Liga e um bilhete de identidade a mostrar a verdura dos 32 anos, foi apresentado no Estádio do Dragão como treinador do FC Porto. Cumpria um velho sonho de criança: ser o técnico da equipa que mais admira. Logo aí, perante o aparato mediático, as comparações com José Mourinho foram inevitáveis, mas procurou distanciar-se do mestre. O tempo todo. À custa de um discurso inteligente e mordaz. Não prometeu títulos, apenas disse que assumia «um compromisso com a vitória». Não deixou que fizessem dele uma imitação do Special One, pela postura no banco, pela irreverência ou pelos métodos de treino, apenas disse que era «mais clone de Robson do que de Mourinho». E porquê? «Tenho ascendência inglesa, o nariz grande e gosto de beber vinho.» Mais tarde, foi mais a fundo: «Não temos o mesmo carácter, a mesma personalidade e temos formas diferentes de comunicar e trabalhar.»

No FC Porto, André Villas-Boas começou por ser uma pequena brisa que se transformou numa lufada de ar fresco. Percebeu-se logo nos treinos da pré-época, nos quais nunca repetia o mesmo exercício, exigia uma rápida circulação de bola e impunha uma nova mentalidade ganhadora. «Os treinos são sempre diferentes e isso motiva os jogadores que não sabem o que vão encontrar quando chegam ao relvado. Mas o que mais me impressiona é a seriedade no trabalho. Quando é para brincar, brinca; quando é para exigir, exige. Nos treinos é como nos jogos, não pára de dar indicações, não pára de gritar. É muito exigente», diz Miguel Lopes, lateral portista emprestado ao Bétis.

Mesmo assim, muitas dúvidas se levantaram em relação à escolha do presidente Pinto da Costa. Viram-no como um treinador imaturo, sem o arcaboiço necessário para conduzir uma equipa da grandeza do FC Porto. Até José Mourinho se mostrou surpreendido por ver o antigo discípulo à frente do comando técnico dos dragões. Nada que o abalasse. A primeira prova de fogo foi superada com nota elevada: vitória contundente sobre o Benfica (2-0), na Supertaça, o seu primeiro troféu como treinador principal. E a mostrar uma equipa diferente, a jogar à FC Porto, com espírito combativo e ao ataque. A praticar um futebol sedutor e de sentido estético. Porque essa é a sua máxima de vida: «Se ganhar a jogar mal, não durmo bem.»

Aos poucos, os dragões descolaram e começaram a voar. Com um início demolidor no campeonato: nove jogos, oito vitórias e um empate. Sem derrotas. Com uma liderança expressiva no campeonato, a sete pontos de distância do rival Benfica. Na Liga Europa, o mesmo percurso brilhante. Sempre pela mão de um treinador próximo dos futebolistas, capaz das melhores estratégias para motivar o grupo. «Nos jogos em casa, os convocados deixaram de fazer estágios no hotel. Isso motiva muito os jogadores, que têm a oportunidade de estar mais tempo com as famílias. É um treinador com espírito aberto, pronto a ouvir, é obcecado pela perfeição e vai ao detalhe», revela Miguel Lopes. Por isso, os adjuntos andam com folhas de papel nos treinos e as sessões na pré-época foram filmadas.

André Villas-Boas tem dois anos de contrato com o FC Porto, mas a Europa já se rendeu às qualidades de um talento precoce. Esta é apenas a casa de partida de um homem que não tem sonhos. Apenas objectivos. De ascendência nobre, não é só o sangue azul que lhe corre nas veias. É a ambição própria dos campeões, a ambição de um principezinho que tem tudo para vir a ser um rei.

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