quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Pessoa... digital e universal

«Fernando Pessoa em flagrante delitro»: dedicatória na fotografia que ofereceu à namorada Ophélia Queiroz em 1929.


Já não é notícia (estão online desde 21 de Outubro) mas é sem dúvida uma excelente novidade saber que os 1140 volumes que constituíam a Biblioteca Particular de Fernando Pessoa, provavelmente o artífice-mor da Língua Portuguesa (e quase sempre em vinha d’ alho… gostava tanto d’um bagacinho…), estão disponíveis na internet e podem ser consultados de forma totalmente gratuita. Um tratado!

Em formato Pdf ou Jpeg, arrumadinhos por autores, datas, títulos ou classes… tudo à mão de semear.

Para aceder a este verdadeiro tesouro, repleto de anotações manuscritas que muito revelam sobre o universo deste génio basta clicar aqui.

O feito deve-se a Jerónimo Pizarro, investigador e estudioso da obra do poeta; a Inês Pedrosa, directora da Casa Pessoa e à Fundação Vodafone Portugal, que entrou com o “guito”. Pretendeu-se com esta iniciativa “tornar Pessoa ainda mais universal e ter a sua biblioteca aberta ao mundo inteiro”.

Notável!

Se ele fosse vivo, mesmo agora íamos ali ao Martinho da Arcada provar o morangueiro…

Para quem lê o retrato possível de Fernando Pessoa, é impossível não ficar rendido…
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“Era um homem magro, com uma figura esguia e franzina, media 1,73 m de altura. Tinha o tronco meio corcovado. O tórax era pouco desenvolvido, bastante metido para dentro, apesar da ginástica sueca que praticava. As pernas eram altas, não muito musculadas e as mãos delgadas e pouco expressivas. Um andar desconjuntado e o passo rápido, embora irregular, identificavam a sua presença à distância. “Vestia habitualmente fatos de tons escuros, cinzentos, pretos ou azuis, às vezes curtos. Usava também chapéu, vulgarmente amachucado, e um pouco tombado para o lado direito. “O rosto era comprido e seco. Por detrás de uns pequenos óculos redondos, com lentes grossas, muitas vezes embaciadas, escondiam-se uns olhos castanhos míopes. O seu olhar quando se fixava em alguém era atento e observador, às vezes mesmo misterioso. A boca era muito pequena, de lábios finos, e quase sempre semicerrados. Usava um bigode à americana que lhe conferia um charme especial. Quando falava durante algum tempo e esforçava as cordas vocais, um dos seus pontos sensíveis, o timbre de voz alterava-se, tornando-se mais agudo e um pouco monocórdico. A modulação da passagem de um tom para o outro acabava por reduzir o seu volume vocal natural e o som então emitido ficava mais baixo e um pouco gutural, tornando-se menos audível. “Nos últimos dez anos de vida, talvez provocado pelo fumo dos oitenta cigarros diários, adquiriu um pigarrear característico, seguido de uma tosse seca. “Embora não muito dado ao riso, Fernando Pessoa tinha uma certa ironia e algum humor, sobretudo se estava bem disposto, o que acontecia algumas vezes quando os amigos mais próximos o desafiavam para jantares. Curiosamente libertava-se então da sua timidez e gesticulava de um modo mecânico e repetitivo, deixando escapar um riso nervoso, às vezes irritante.“Apesar de conviver com os amigos, no fundo nunca deixou de ser um homem neurasténico, solitário e reservado, pouco dado a conversar com estranhos. No final da sua vida, a melancolia e uma exagerada angústia existencial predominavam. Daí a tendência para se isolar dos mais próximos e dos próprios familiares. O seu temperamento ansioso foi interpretado por alguns dos seus biógrafos como uma personalidade do tipo emotivo não activa. No fundo, era um tímido introvertido, dado a fortes instabilidades de sentimentos e de emoções. “Dotado de um carácter bastante complexo, era, apesar de tudo, um homem simples com uma grande inteligência e de uma extrema sensibilidade... era reservado e não gostava falar de si nem dos seus problemas, protegendo o mais possível a sua privacidade. Terrivelmente supersticioso, tinha momentos em que se comportava de uma forma enigmática e misteriosa, a que decerto não seria alheia a sua velha atracção pelo oculto, o esotérico e a própria relação metafísica que tinha com a vida.”
[…]
“Sabe-se, também, que Pessoa tinha algumas fobias: não suportava que lhe tirassem fotografias, não gostava de falar ao telefone e tinha terror às trovoadas.”
[…]
“Sabe-se que coleccionava postais e que era filatelista. Para além de gostar de ler, e a sua biblioteca comprova os muitos livros que “devorou”, apreciava música clássica: Beethoven, Chopin, Mozart, Verdi e Wagner foram seguramente alguns dos seus compositores favoritos.”
“Apesar da sua vida retirada, monástica quase, Pessoa teve amigos. Tal facto não é de estranhar porque era um homem bondoso, de uma grande nobreza de carácter, sempre disponível para ajudar os outros.”

Morreu de cirrose hepática. Tinha 47 anos.

2 comentários:

Helena Barreta disse...

Que boa iniciativa. Isto sim, é abrir a cultura a todos.

Um abraço

zira disse...

Bem hajas pela dica. Vou já lá...