É
com grande pesar que o blogue Vendo o Mundo de Binóculos do Alto de Marvão
comunica a todos os seus leitores a triste notícia do falecimento do nosso
colaborador na República de Guiné Bissau, Kumba Yalá. Quando realizámos as
provas para admitirmos colaboradores deste blogue para Àfrica, foi o primeiro a
apresentar-se a exame na 24 de Julho, logo pelas 5h da manhã, ainda nós não nos
tínhamos deitado.
Presidente
da República da Guiné-Bissau, porta-voz do continente africano e apoiante deste
blogue desde a primeira hora, nunca cedeu às pressões políticas do PAIGC de
Nino Vieira, nem do general Ansumane Mané e sempre nos defendeu, nem que para
isso fosse preciso carregar a escopetas que os bolcheviques lhe regalaram em Moscovo
ou afiar a catana que trazia sempre consigo para coçar um ou dois.
Homem
de fortes valores e princípios, não foi por ter sido o vigésimo filho de um
casal de agricultores que não tinham dinheiro nem para comprar a roda de um
trator que se deixou intimidar. Chegou a ser presidente do seu país e foi um
homem que apareceu muitas vezes na televisão. Mais de 10.
Singular
e primando sempre pela rebeldia que nos caracteriza nesta redação da Manuel
Pedro da Paz, nunca adotou um nome português e converteu-se ao islamismo quando
toda a gente lá na sua terra acredita no nosso senhor Jesus Cristo. Poliglota,
sabia falar muita língua para além de saber saborear língua viva de cachopa
gostosa e de vaca estufada tenrinha. Sabia português, crioulo, espanhol, francês,inglês e
podia ler em latim, grego e hebraico o que é uma proeza extremamente difícil
quando não se é judeu.
Estudou
Teologia na Universidade Católica Portuguesa de Lisboa que é uma das melhores
do país a ensinar esta matéria nada fácil, depois estudou Filosofia e ainda Direito.
Apesar deste currículo que deixa qualquer membro do governo a abanar (sobretudo
o Relvas que já lá não está), toda a gente se lembra dele como o homem do
barrete vermelho. E o burro, sou eu?
Barrete
que ainda hoje me leva às lágrimas de tantas recordações. Aquela gofia vermelha
foi tricotada pela minha tia Natércia e foi-lhe oferecido por mim no Parque das
Nações de Santo António (aka. Mercado Municipal) quando assinámos o acordo de
colaboração entre o blogue e ele, com Àfrica pelo meio.
Ainda
me lembro desse momento como se fosse hoje:
-
Kumba, para selar este ato tão solene e para que recordes esta ligação que hoje
aqui estreitamos, gostaria de te ofertar este barrete vermelho porque te sei fã
do glorioso, feito à mão, com muito amor para que nunca tenhas frio na cabecita
quando dormes.
Ele,
sempre simpático, agradeceu e, não percebendo nada do que lhe tinha dito porque
o vinho tinto que bebemos antes era bruto, pensou que lhe tinha dito que se
tirasse o barrete deixaria de ser colaborador do blogue. Nunca mais o tirou!
Nem sequer para tomar banho porque as pessoas realmente asseadas não precisam
de água. São como os gatos. Ele deu-me um dente de elefante que acho que anda
ali para a garagem. Duma vez quis mete-lo no maxilar de cima como a minha tia Maria
tem um de ouro e o dentista disse que não conseguia. Nunca mais lá voltei.
Kumba
partiu. Mas há-de estar sempre aqui no meio da gente. E agente sempre com ele. Kumba
foi para baixo da terra. Despido de pertences mundanos. Mas com o barrete
enfiado.
Até
sempre, camarada Kumba. Iá lá, camarada!
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