sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Há poucos gajos como eu...

dis·ser·ta·ção
(dissertar + -ção)
substantivo feminino
1. Acto de dissertar.
2. Exposição escrita ou oral sobre algum ponto literário ou científico.
Palavras relacionadas: dissertar, dissertativo, memoriar, memorista, exercitação, dissertador, diatribe.

dis·ser·tar - Conjugar
verbo transitivo
1. Fazer dissertação.
2. Discursar.
3. Tratar desenvolvidamente de um ponto doutrinário.
4. Discretear.
5. Produzir razões em favor da própria opinião (refutando a contrária).

"dissertação", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013,

I
Já habito à face deste mundo há 43 anos. Quatro décadas, mais 3 anos, é muito tempo. Muito tempo que eu nunca esperei viver… tanto. Vivi sempre numa família fustigada por duas mortes muito prematuras, uma menina bem pequenina e um menino que faleceu de repente, vítima de um problema cardíaco, com apenas 14 anos. A minha perspetiva de vida foi assim sempre muito condicionada por estas duas faltas que assombraram a minha existência inicial.

Mas por mais que viva, tenho sempre a noção que a cada dia que passa, estou a aprender. De facto, a vida é uma constante aprendizagem e até ao dia em que os olhos se encerrem de vez, temos sempre dados novos para esta nossa história.

Quando falo de conhecimento, não falo de saber muito seja de história, geografia, português, línguas estrangeiras ou qualquer outra disciplina; como de qualquer outra bagagem cultural que seja dada pelos livros, filmes, discos, peças de teatro ou até países visitados.

Falo (e, não falo mas escrevo, que é como se falasse) da natureza humana. Que cada vez mais me surpreende e isto já não deveria de acontecer porque já deveria ter calo para lidar com tudo isto, do tanto que já vivi.

Quando digo que há poucos gajos como eu, digo-o porquê?

Eu sou um homem que fico feliz a ver os outros felizes. A felicidade dos outros não me incomoda, pelo contrário: alegra-me ainda mais. Se um vizinho compra um carro novo, não corro para lhe dar os parabéns mas na primeira oportunidade que tenha, puxo a conversa para depois da “máquina nova, ãh?”, lhe desejar, do fundo do coração, que lhe faça muitos quilómetros de prazer ao seu volante.

Sei que a grande maioria, não digo todos mas, a maior parte, fica, entre dentes, a desejar lamentar que o risque ou não dure muito. Desejar lamentar porque as pessoas, regra geral, adoram ser complacentes com quem sofre.  É algo bizarro e macabro mas é verdade. As pessoas adoram ir fazer visitas ao hospital, para poderem ter pena perante a desgraça alheia, ou para irem velar um cadáver, assistindo e (palavra dura, mas verdade, creio) desfrutando, chorando com a dor alheia.

É por isso que sou incapaz de estar numa sala de um funeral. É um espetáculo atroz. Entra um que chora, mete tudo a chorar, como se fosse um filme ao vivo. Para isso prefiro as conversas sobre tudo e sobre nada dos homens cá fora, enquanto vão intercalando com um copo na tasca mais próxima, e me entretenho a imaginar como o meu será igual.

Esta conversa toda, a propósito das eleições autárquicas que se aproximam e da forma absolutamente surpreendente como duas ou três pessoas diferentes se me revelaram, não tendo manifestando verbalmente nada.

É por demais público, desde a minha rotura e saída pelo meu pé do executivo camarário que se mantém ainda em funções, que aquelas pessoas são seres dos quais não gosto. Nem das posturas, nem da forma como gerem as influências, nem da forma como governam, ou não governam. A bem dizer, não gosto de nada. Apenas me relaciono, trivialmente, com um que é oriundo da minha terra natal. Nada mais que isso.

Também é do conhecimento público que me integrei, juntamente com amigos, no movimento cívico “Marvão para Todos”, onde, como cidadãos conscientes, intervenientes e preocupados, procuramos encontrar uma alternativa, não nos preocupando apenas em dizer o que está mal, mas apresentando soluções para encontrar uma saída.

Ainda assim e apesar de tudo isto e eu ser como sou, livre, aberto, sem limites, a jogar com as peças todas em cima da mesa, senti que pessoas das quais me sentia próximo, não muito próximo, mas ainda assim, próximo, me passaram a tratar com alguma distância. Ao primeiro sinal, eu dei tolerância. Não me viu?!?!? Não viu a minha filha?!?!?!? Poderia ter sido um mal entendido meu. Mas não. Voltamos a cruzar-nos, voltámos a estar em espaços comuns onde dantes seria um tratamento quase que familiar, e… esse tratamento… esfumou-se.

Pensei bastante, não muito mas mais que o normal sobre o assunto e a raiz desse volte face delas para mim só pode ter sido algo que escrevi nos meus meios oficiais (aqui ou no mural do facebook) sobre algum assunto onde estivessem essas pessoas envolvidas.

E isso deixa-me triste. Verdadeiramente triste porque há um ciclo que se fecha e para mim, jamais se voltará a abrir. Quando eu me sinto assim próximo dessas pessoas, como acontecia mutuamente, há uma margem de tolerância maior que a dos outros. Não tão grande quanto a dos familiares, não tão grande quanto a dos amigos mesmo amigos cá do peito, mas maior que para a grande generalidade de pessoas.

Eu sei que estou muito longe de ser um homem perfeito. Tenho muitos defeitos, uns mais facilmente aceitáveis que outros mas quando falho, agradeço que as pessoas que considero me chamem a atenção e caso tenham razão, não tenho problema algum em pedir desculpa. É tão fácil reconhecer que se esteve mal e tentar emendar, que… não posso dizer que não me custa absolutamente nada, porque sou perfecionista e o erro traz sempre alguma mágoa, mas… faço-o.

Ora isto passou-se com um homem e duas mulheres que eu já conhecia há muitos anos e pensava que, tinham por mim a mesma deferência que tinha para com eles mas… já percebi que não. Lamento mas… é o que há. Há que se viver com aquilo que se tem.

Se eu tivesse sido confrontado com qualquer dado, poderia refutar, argumentar ou esgrimir o meu ponto de vista mas… não. Passaram a passar ao lado, a fingir que não viam, a ser indiferentes.

A mim, Pedro Sobreiro, não é qualquer um que faz isto e passa incólume. Para mim, mostraram o cú e ao fazê-lo, revelaram-se. Agora até podem vir com mil floreados, banhados em ouro e organdi, com mil bailados diplomáticos mas… estão apresentados.

Sou um cristão novo mas não sou capaz de dar a outra face como nos ensinou o nosso exemplo, Jesus Cristo. Ainda tenho muito a aprender e talvez não queira. Tenho o meu orgulho e amor próprio, que tantas vezes me tem valido, mas não o farei. Toda a gente quer ter o Pedro como amigo. Porque o Pedro é bom, não é só o meu Abel. Mas de certeza que ninguém gostará de me ter do outro lado, ou, pelo menos, a passar ao lado delas.

Deus deu-me acesso a uma família da qual muito me orgulho, o meu maior orgulho; amigos que estimo como se fossem do meu sangue; um trabalho exigente, condigno e respeitado; a possibilidade de ter bens terrenos que me garantam conforto nesta vida.

Eu continuarei a agradecer diariamente e a amar o próximo mas há realidades com as quais não posso pactuar.

II
No meu bairro, ou próximo do meu bairro, andava muitas vezes, um cão de raça que era o tormento para a vizinhança, segundo me manifestaram diversos vizinhos. Andava sempre à solta. Atirava-se aos carros. Atirava-se ao meu cão. Enrolava-se com o meu cão.  Impedia-me que desse passeios com o meu, porque vinha direito a ele e desorientava o animal que ficava deserto de brincadeira. Fazia cocó que ninguém limpava e sujava a relva junto ao miradouro onde há um café e muitas vezes as crianças se sujavam nos dejetos, segundo as mães me contaram.

Numa manhã fria de inverno fui dar a minha corrida ao Valongo pela Ranginha e esse cão foi a correr atrás de mim desde o bairro dos Outeiros. Fartei-me de lhe dizer que voltasse para trás, empurrei-o para casa mas o animal, brincalhão, manteve-se sempre atrás de mim. 11 quilómetros e ele não descolou. Uma maçada do catano. Metia-se à frente, atirava-se às minhas pernas, metia-se comigo, uma chatice muita chata. A dada altura, saltou uma vedação para beber água e ficou preso do outro lado da cerca com arame farpado. Desorientado, corrria para um lado e para o outro e olhava para mim com o ar… “já não consigo ir para aí para cima…”

Apesar dos nervos que trazia, não fui capaz de o deixar para trás e saltei a vedação para o ir buscar. Os remorsos se o cão se perdia ou morria, seriam muito maiores que a chatice de ter de continuar a levar com ele. Assim foi, numa hora e 15m de plena manhã desportiva e diversão total.

Passou um jipe da GNR por mim e eu informei-os do sucedido. Pedi-lhe para que não aplicassem coimas que a vida custa a todos, mas que avisassem os donos que o animal teria de estar preso porque, poderiam tentar informar-se, era um gerador de conflitos.

Continuou comigo até à sua casa e eu fui avisar a dona do sucedido. Tranquilamente expus-lhe o sucedido e mostrei-lhe o meu desagrado, chateado. Com elevação, com educação, mas dizendo aquilo que me ia cá dentro. O que eu fui foi, amigo das pessoas.

A paga? Deixaram praticamente de me falar. O miúdo, que tem a idade da minha Leonor, parece que não me conhece desde sempre; o pai, cumprimenta-me quase que por favor e a mãe, com a qual até já trabalhei quando fui vereador, e sempre tanto ajudei, finge que não me vê e passeia com grande petulância o Bobby de trela. Segundo sei, as fezes não são todas recolhidas mas a trela continua lá. Pelo menos isso.

Isto são dois quadros diferentes, mas que no fundo pintam a mesma cena: a natureza da pessoa humana é má, invejosa, egoísta, interesseira, cruel. Por vezes temos laivos em que parece que as coisas são melhores do que realmente são e andamos iludidos mas não passa disso.

A vida é uma selva e tirando aqueles que são mesmo nossos e dos quais somos mesmo, nada mais importa. Poderemos, por vezes, ser levados por objetivos mais altruístas e até pensarmos que vai tudo bem mas… não passa disso: uma ilusão.

Mas não creiam aqueles que assim atuaram para mim, que conseguem mudar o Pedro. Nada mais errado. O Pedro não muda. Nunca! Vai continuar a ajudar quem possa, quem consiga, semeando sorrisos para, por certeza, recolher abraços. Isso sempre, enquanto viver e lhe for possível. Mas os sorrisos… não irão mais para elas, como iam. Quando muito irá um amarelo, que eu também os sei fazer.

Perderam, por si, um amigo. Desmascararam-se. Agora ganharam no Pedro aquilo que ele sempre foi: justo, cerebral, acutilante, expressivo e comunicativo, implacável.


Havia pessoas nesta santa terrinha que, como eu, mal se davam com o atual presidente de câmara e o atacavam de alto a baixo sempre que havia oportunidade para isso. Ao ponto de alinharem em listas contrárias para o mesmo órgão. Agora a proximidade é por demais visível a olhos vistos e as eleições aproximam-se a passos largos. Vale uma aposta que vão haver surpresas? E há muito sapo que vai ser engolido? Ou talvez não… que isto de ter espinha dorsal, é uma excentricidade que não chega a todos.

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