Este
pássaro… enche a minha alma, rejubila a minha vida.
Quando
aproveito o carnaval do Costa, e beneficio por ricochete das localidades em
Portugal que gozam o entrudo, desfruto a vida e de mim. Como vivo numa terra
sem tradição de máscaras, e compreendo que os tempos de grande folia já estão
idos, aproveito conforme posso. Acordo a manhã para a preparação para a meia
maratona de Lisboa, já de dia 17, e oriento o almoço para as duas infantas,
hoje momentaneamente desprovidas de mãe, por estar retida no ofício. Depois do
salmão grelhado, do gelado, durante o café e do cigarro, chamo para junto de
mim, o meu fiel companheiro, cansado dos já 12 quilómetros que tem nas patas.
Aí, resisto à felicidade da requisição, quando se desfaz em carinhos, e insiste
em me lamber as orelhas. Este cão tem uma fixação…
Dou-lhe
mimos, coço-lhe a cabeça, e regalo-me a cofiar-lhe o pelo tão sedoso e bem
tratado, produto da alimentação cuidada. Estamos os dois neste regalo, quando
do outro lado do quintal, um barítono dá um recital de encanto e bom gosto.
Este pássaro… enche-me!
E
nisto penso, e percebo, que nunca cheguei aqui a contar a sua verdadeira
história. Muitas vezes tenho episódios por contar, elencados, distribuídos por
pastas e listas, mas o tempo é sempre tão pouco e fica sempre tanto por dizer,
que passa. Já lhe devo ter tentado fazer largas dezenas de castings, mas vão
ficando sempre para depois. De hoje não passa, pensei.
Nesta
tarde que tenho livre, em que poderia ver um qualquer filme dos óscares que é
sempre o que adoro, prefiro antes escrever, deixar de mim para que no futuro,
saibam que eu existi assim. Como o facebook, com todos os atributos que possa ter,
nunca deixará de ser uma feira de vaidades, em que qualquer um publica uma
coisa qualquer que até pode ter copiado algures, e se perde na espuma dos dias,
meto-me aqui, enfiado neste meu cantinho, onde posso ser… sem temer. Onde me
sinto bem, à vontade e feliz.
A
Alice era ainda muito pequenina. Teria poucos anos. Hoje tem 9, mas então
deveria ter 5 ou 6. Que queria ter um passarinho. “Ó filha, se queres, o pai
compra”, que se houve coisa que sempre adorei foi animais. A sério. Sobretudo
depois daquilo que me aconteceu com o coma, em que passei a dar outro valor à
vida. Há algo nos animais que não se explica, como se houvesse um entendimento
fora daquilo que é racional e explicável. E lá fomos os dois, caminho de
Portalegre, sem ter grande apoio da outra metade que manda na casa, porque o
que é, é, e o bicho só servia era para sujar.
Chegados
ao hiper… começou a analisá-los com ar cirúrgico, crítico, e, de tanto passarinho
lindo que lá havia, pequenino, coloridos, simpáticos, em conta… escolheu logo…
o mais caro!
-
“Quero, aquele!”, apontando.
-
Qual?!?!
-
O amarelo!
Ou
seja, o canário, que valia mais que dois ou três dos outros juntos.
-
Sério? Há ali outros tão bo…
-
Tu prometeste que era o que eu queria!
Claro
que comprei logo uma gaiola, e mantimentos, maneiras que foi assim um
brinquedo… engraçado.
E
lá vim no carro todo satisfeito, mas algo em suspense pela receção que teria ao
chegar a casa. É que nem sequer fazia a mais menor ideia se um bicho daqueles
durava, fazia companhia, valeria a pena.
Digamos
que os primeiros tempos de coabitação não foram o esperado. Houve muito amor,
muito carinho, muita conversa, muito investimento no ensinamento do bízaro mas…
que não produziam grande efeito, ou sequer algum, porque o gajo não miava!
Tornaram-se
famosas as aulas de canto eu lhe propiciei. Antes de ir para o serviço
trabalhar, quando vinha, e até quando o levava para a sala da lareira, para
junto de nós para que estivesse quentinho… até que tive de abandonar porque
sujava a sala e… era demais.
Certo
dia, no meu sítio do costume (@Pastelaria Caldeira), enquanto bebia uma
maravilhosa babosa com uns amigos, queixei-me que o passarinho era muito lindo
mas não cantava, o cabrão, assim o batizei, algo, ou muito amolado com a
situação.
-
“Opá… não canta porque… É UMA
PÁSSARA!!!!!!!!!!!!!”, arrematou algum esperto conviva, mais sabedor do
assunto que eu.
-
“Comássim?!?!?”, interroguei-me, se
a bem dizer, perceba que seja um pouco estúpido afirmar isto, porque para se
reproduzirem tem de haver um macho, e uma fêmea, claro está! Mas se eu nunca
tinha visto o sexo avantajado de um canarão, nem o amojito de uma canarinha,
como poderia eu feito parvo, ter decidido no meio de uma gaiola tão grande
cheia de aves amarelas iguais esvoaçantes, que queria um pássaro e não uma pássara, porque
esses é que cantam? É QUE EU SABIA
LÁ!!!!!
Agora
que estes é que cantam, compreende-se e tem lógica. Não é novidade em relação a
outras raças, nem à dos humanos sequer. Os homens é que têm de dar ao pedal, é
que se têm de mostrar, quando as meninas nada mais têm a fazer que aguardar e
escolher.
Se
houvesse lisura no negócio dos hipers, que não há porque só querem é chular os
desgraçados dos empregados que lá andam subjugados por uma míngua, e agora até
querem é fazer dos clientes lacaios que carregam as compras e as passam por uma
baliza; os gajos não deveriam querer passar gato por lebre, e deveriam pensar
nos consumidores, que é o que eles sempre apregoam para aí. Então, na minha
opinião, deveriam ter numa gaiola, a pensar em pais incautos como eu, que não
são bem completamente estúpidos, mas não percebem patavina do assunto; a dizer ”PÁSSAROS AMARELOS ALGO CAROS QUE CANTAM”,
e na outra ao lado, “PÁSSARAS AMARELAS
QUE PARECEM IGUAIS MAS NÃO CANTAM UM CHARUTO! SÓ DÃO PARA REPRODUÇÃO! DEPOIS
NÃO DIGAM QUE NÃO VOS AVISAMOS!!!”
Assim
está bem! Mas não foi nada assim! E nessa conversa de café, percebi que tinha
de me mexer para conseguir minorar o erro. Ao balcão, estava lá como tanta vez,
o Silva, mais conhecido por Pelé, que sempre foi um lateral aguerrido do Grupo
Desportivo Arenense, filho do Pedreirinho da Asseiceira, o grande Ti Manel da
Silva. E sobre isto disse:
-
Eu crio…
Nisso
aí fui rápido a pensar, porque admito que possa parecer por vezes um bocado
aparvalhado, mas há merdas em que até eu me supreendo a mim mesmo. E nisto
retorqui:
-
E trocas?
-
Epá…
Nada
que umas imperiais e uma amizade antiga, não solidificassem.
-
“Epá, ó Silva… tem lá pena de mim… O que é que eu faço com aquele estafermo lá
em casa, a engordar-me e a mamar sacas de alpista?!?!? Sem lançar um pio… É um
desgosto… A criança olha para ele com ar de choro porque nem ela compreende
tanta mudez… (isto aqui foi encenado, e peço desculpa, mas só queria dramatizar
e enfatizar o meu mal estar)
-
Então levas lá a casa e eu troco-os.
E
fez-se LUZ!!!
-
Sério?!?! Epá, ó Silva, fico-te imensamente grato para o resto da vida! A consideração
eu já tinha por ti, fica agora nuns níveis absolutamente inatingíveis. Epááá que
alegria… BEM HAJAS!!!!!
Mas
vê lá, que eu não quero que fiques mal! Se vires que eu tenho de dar algum, eu
dou, pá! Já paguei bem aquele mas se tu quiseres…
-
Não é preciso! Então, se ela vai criar, até me dá jeito.
-
Impecável, agora…
E
passámos para a outra fase do plano. As miúdas se soubessem, não queriam a
troca, claro! Ambos são bichos amarelos, com bico, asas e patas, que comem o
mesmo e fazem cocó mas se soubessem que ia trocar o que lá estava em casa há
tanto tempo, não quereriam. A Cristina, igual. As mulheres agarram-se às coisas
de uma forma…
Então,
numa noite em que saí com o Sizzle para o passeio noturno, levei o passarinho
às escondidas, e a diferença que fez ao quatro patas ir dar aquela volta depois
de jantar com outra companhia que ele pressentia escondida debaixo do pano de
limpar o carro. Descemos a azinhaga aqui ao lado da APPACDM e num passinho
estávamos junto ao infantário, ao lado da casa do Silva. A troca foi feita na
garagem, onde tinha a sua criação, e foi do mais profissional possível. Parecia
uma cena de filme. Com poucas palavras, não demorando muito tempo que não me
podia atrasar e dar bandeira, fez-se o serviço.
Ao
chegar a casa, deixei-o por cima do frigorífico onde costuma dormir, e nada
comentei. Nem nesse dia, nem nos que se seguiram, e fui arranjando mentalmente
argumentos para o comentário que haveria de chegar.
-
Parece que o pássaro…
-
O quê?!?!
-
Aprendeu a cantar…
-
Já não era sem tempo!!! Já gastou muitas senhas de presença nas aulas de canto
do Youtube do telefone. E sabia que, ou alinhava, ou ia fora de casa…
Para
a primeira vez chegou, mas à medida que o tempo passava, o avolumar das
diferenças era cada vez maior e tive de me descobrir a careca.
Não
foi gravoso.
Grave
foi a estranheza da nova casa para o canária, que sucumbiu passado pouco tempo
da transferência.
Por
aqui, encantados, graças a Deus. Assim que a Quica deu lugar ao Quico, a
alegria nesta casa passou a ser outra! O gajo canta que se desunha!!! Ouve-se ao fundo da rua!!! O canto deste ser vivo entra por mim
adentro com uma força que não consigo explicar. Na casa da minha querida avozinha Joaquina,
mãe do meu pai, onde passei grande parte da minha infância antes de haverem por
aqui infantários aos quais nunca foi necessário ir, sempre houve canários. Este
som faz-me recuar de imediato o meu imaginário a esse tempo tão saudoso e tão
bom, dos almoços caseiros e dos lanches, das gemadas feitas com ovos tirados
ainda quentes do galinheiro lá de baixo, do quintal. Este canto do canário é
amor, ternura, carinho, compreensão e cumplicidade.
E
é por isso que tão importante para mim.
Faz-me
sentir feliz.
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