quarta-feira, 18 de março de 2020

O (corona) Caos


 

Meu Deus… ao que isto chegou…

Esta… creio que nem eu, nem provavelmente nenhum de vós, esperava ter de enfrentar pela frente. Que cenário absolutamente terrorífico e inimaginável. Às vezes sinto-me como se estivesse a viver preso num pesadelo, onde ninguém é capaz de conseguir avançar uma data possível para acordar com o despertador.

Tenho de confessar a ti, que me lês, que ultimamente não me tem apetecido assim tanto escrever. É impossível que um não se renda ao imediatismo e proximidade do facebook. Se há por lá tantos bons motivos para que isso seja mais que compreensível, a verdade é que o sucesso daquela rede social, muito maior que a versão mais modernista e avançada do instagram, acabou por produzir, na grande maioria (nunca no todo, entenda-se bem, não me queimem já!), uma legião de zombies replicadores que consomem, vomitam os muitos sub-produtos que por lá proliferam, e pensam pouco sobre o que lhe dão a mastigar.

Isto para dizer que tenho saudades de tempos que já não voltarão, há que saber assumi-lo, em que no final de cada dia me reunia aqui com os meus leitores imaginários, e dissertava um pouco sobre tudo e sobre nada, dando largas à minha verve de amanhador de palavras, vendo o mundo pelos meus olhos de criança, porque sei que nunca deixarei de o ser, só que vivendo agora no corpo de um homem de meia idade, que, com um bocado de sorte, é que sou agora (estás fresco, Ti Pedro).
O que eu quero dizer é que em 46 anos de vida, nunca vivi, e nunca pensei chegar a viver um tempo destes, tão estanho e inédito que mais parece impossível.

Esta epidemia do Covid-19, que está a assolar o mundo, da Europa à Ásia, do Brasil aos Estados Unidos, está a somar mortes, infetados, e a colapsar a vida tal como sempre a vimos e imaginamos, fazendo ruir toda a nossa forma de viver, e verdades que pensávamos intocáveis. Que coisa estranha…

O mais bizarro é que para um se deixar arrastar para esta legião de condenados, quanto mais não seja, à desconfiança e ao isolamento; não é necessário adotar nenhum comportamento de risco específico (sexo, álcool, drogas), mas basta apenas existir, basta que haja proximidade, um toque que foi o que sempre mais nos aproximou, enquanto iguais e seres vivos nesta mesma experiência de vida.

A forma como este surto epidémico foi tratado, reduzido, praticamente extinto nesses países asiáticos, dificilmente poderá ser aplicada na nossa zona do globo, muito mais afetuosa, quente, próxima, onde os habitantes pura e simplesmente não foram capazes de entender a gravidade da situação no início, e são incapazes do fugir ao ”aaahhh… isso não será assim por cá”. Por isso encheram as praias assim que a temperatura aumentou apesar dos diversos avisos das autoridades; continuaram a sair à noite em grandes ajuntamentos que encheram bares e ruas, e praticamente “saquearam” todos os hipermercados que puderam que isso do civismo, do respeito mútuo e da entreajuda… não é pro tuga! Que ainda está a sofrer do tempo de ditadura, que a culpa disto tudo foi do Salazar, e antes dele que do meu Benfica!


Creio que apesar de todas as medidas valentes, austeras e arrojadas que já se tomaram, ainda foram poucas, e, o desfasamento de tempo entre elas é capaz de comprometer o sucesso global. Mas cabe na cabeça de alguém que a população não tenha sido toda privada da sua liberdade, e tenha sido obrigada a permanecer compulsivamente em casa?!?

Pois eu acho que não percebo, e a verdade é que não percebo mesmo.

O senhor Presidente vai decidir amanhã se larga a bomba de decretar o estado de emergência, ou não. Amanhã?!?!? E as escolas estão fechadas há quanto tempo? E se esse estado tivesse sido decretado antes, não se teriam evitado infeções e possíveis consequentes mortes no futuro?
Para mim, é assim: há fogo na quinta, o palheiro está a arder. Os vizinhos que vivem do outro lado da propriedade,  já provaram que quanto mais depressa se meterem todos dentro de casa, e se chamarem os combeiros, mais depressa se extinguem as chamas.
Mas por cá, o capataz, se sabe que há fogo na herdade no sábado, reúne com os conselheiros na quarta, enquanto os caseiros vão tomar banho para a barragem, e apanhar uma grande bubadeira na tasca da Ti Ermelinda, junto ao portão de entrada, p’ra afogar as mágoas.

Leio piadas com alguma graça que este vírus da gripe foi inventado por uma mulher, porque quer todos em casa, os homens a um metro de distância, uns dos outros; e sem ajuntamentos nos bares, mas a coisa é grave.

Grave porque numa altura que o homem pensa que é quase Deus, quando clona seres vivos, quando consegue aumentar a idade de vida com qualidade, até limites inimagináveis na ficção científica do século passado, quando explora o universo como nunca antes, e parece já não temer doença alguma (tamanha é a sua erudição científica…) , fica de rastos perante uma merda de um vírus, de uma ameaça invisível que faz soar a campainha do medo, o sentimento mais perturbante que um ser vivo pode sentir, porque será seu companheiro durante toda a existência, até que mergulhe no desconhecido.

A economia tão sólida e imperturbável, parecia ela; tomba com enorme estrondo perante a insegurança de que os nossos dias agora são feitos.

Pára-se o campeonato de futebol e com ele a animação certa de quase todos os homens, adia-se o campeonato europeu, Roland Garros, e os grandes ajuntamentos, adiam-se as celebrações pascais, mete-se tudo o que se possa em stand by. Fecham-se as portas dos serviços públicos, restringem-se os atendimentos, desconfiamos de quem está ao nosso lado a beber café, no mesmo bar, a respirar o mesmo ar, e ficamos a desconfiar que sem toque, nem gotículas de espirro de um infetado na boca, nariz, ou olhos, também possamos ficar infetados. Damos largas à nossa mania esquizofrénica da perseguição, enfim,  em que passamos a esfregar as mãos com sabão azul, sabonete, creme, e tudo o que apanharmos.

É perante as grandes dificuldades e questões da humanidade, que a verdadeira essência das pessoas se revela, e é aqui que se distinguem aqueles que tudo querem açabarcar, dos que se voluntariam para ajudar quem, pela idade ou doença, não pode; e os líderes como o imbecil do Trump que pretendeu adquirir o exclusivo da vacina que combate esta enfermidade, prostrando-se aos pés dos alemães, logo eles, para deles levar uma humilhante bofetada de uva branca, ao renegarem os seus milhões, e colocando-a desde já, quando exista, ao serviço da humanidade.

Passamos a deitarmo-nos sempre com a enorme nuvem negra de suspeição a pairar sobre a cama, e quem acredita pede; crente que essa entrega o fará diferente dos outros, que se deixam andar à rédea larga, entregues à sua sorte; quando na verdade sabem sempre que aos olhos de quem manda em tudo, esse não será o critério diferenciador.

Estar vivo é tão bom, é tão feliz, apesar de todas as dificuldades que nos podem saltar ao caminho, baralhando tudo; que ninguém merece viver assim nessa suspeição.

Nesta nossa época, em que basta que escrevamos na barra “pesquise no google”, para termos acesso ao “abre-te sésamo da informação”, que dá entrada num mundo dela, vídeos, infografias, reportagens, notícias, textos e relatos sobre o assunto, não quis aqui replicar aquilo que cada um pode procurar por si, a seu bel prazer.

Apenas quis deixar o meu testemunho, a minha opinião, que, no meu entender, por merecer mais que a espuma das ondas do faceboook, que vão e vêm, esbarram nas rochas e se desvanecem no areal; subirem aqui ao meu miradouro.

Que Deus nos ajude, que a gente não merece um fim assim.


7.949 mortos e 197.135 casos?!?

Sem comentários: