Com
a primeira-dama a trabalhar na Tower of Marvão, a Leonor na piscina em
competição de natação e a benjamim a passar a tarde com a prima na casa dos
avós depois da aula de zumba no GDA, naquele que diz ter sido o seu “dia mais
feliz de sempre” fiquei com a tarde… livre para mim! Uma coisa verdadeiramente
extraordinária porque viver dá imenso trabalho. Como o meu smartphone indica
onde gasta a energia (W no monitor, Y no android, Z na web), também eu gasto a
minha energia em ser pai, ser marido, ser trabalhador do estado, ser chefe de
redação do blogue, ser amigo, ser parente e… fico com pouco tempo para mim.
Para mim sozinho. Para fazer o que me dá na bolha. Para ser egoísta.
Sou
um apaixonado de cinema. Se há arte que me gala a gata, é a cinematográfica.
Gosto muito de um bom disco, de um jornal, de um bom programa de televisão, não
sou tanto de livros, mas não há nada, nada, que chegue a um bom filme.
Para
a vida correr como eu quero que ela corra bem, um filme por semana deveria ser
o mínimo. Sei que nem sempre me dou ao luxo de ter essa regalia mas desta vez foi
demais. O último filme que vi com olhos de ver (dentro da cabeça) já foi há quase
2 anos: “Os Descendentes”. Deste mesmo realizador, Alexander Payne, do qual já
vi todos os filmes.
Confesso
que sou um cinéfilo atípico. Porquê? Quem percebe de filmes fala de fotografia,
luz, planos e outras cenas técnicas. Para mim, um filme ou é bom e eu gosto ou
não gosto e ponto. Se gosto é porque transmite alguma coisa ou porque dá prazer
a ver. Os filmes bons podem ser de 2 tipos, portanto. E sou um gajo que
funciona muito por realizadores. Há tipos dos quais sigo o rasto e não falho
uma pegada. Quentin Tarantino, Tim Burton, o tal Alexander Payne, Darren
Aronofsky. Depois há os clássicos que convém revisitar: Scorcese, Coppola, Kubrik
e afins.
Outra
prova que sou atípico é porque na faculdade levaram-me a ver “O Leopardo” do
Luchino Visconti dizendo que era uma obra magistral muito recomendada por um
professor e eu, devo ser muita burro porque achei aquilo uma real cagada.
Bonitas imagens, bonitas cenas nos bailes mas… uma obra prima?!?!?! For god’s
sake. Obra-prima é o “Reservoir Dogs” onde com um low budget, com recurso à
sabedoria e experiência dos atores, à mestria do argumento e à sapiência de
Quentin Tarantino em mexer nas câmaras e orientar a orquestra, se fez um hino
ao cinema. Isto para não falar na bomba celestial que se seguiu em Pulp
Fiction.
O
Alexander Payne é muito bom. Tudo o que toca... é bom, ponto. O “About Schmidt”
com um Jack Nicholson superlativo levou-me às lágrimas no final. E quando um realizador
consegue fazer essa proeza, prova-me que vale a pena. Sempre.
“Sideways”
é um road movie com humor muito próprio e gostoso. “Os Descendentes” recorda-nos
aquilo que é realmente importante na vida e vi-o numa altura da minha em que
também ela me tinha ensinado isso.
Antes
de escrever sobre Nebraska, tenho de escrever como e onde o vi. Hoje os cinemas
estão quase todos a fechar portas por falta de público e o MEO cobra caro por
um filme no videoclube quando já pagamos tanto de assinatura. Pior que os 3
euros desembolsados na nossa própria casa, é o atraso inexplicável com que os
filmes são disponibilizados que mais choca. Contra tudo isto e sem ter de fazer
qualquer download ilegal, bastou-me pesquisar na net para poder ir ao
tuga-filmes.com e ver o filme legendado em português com óptima qualidade. Os
apoiantes no facebook já são mais de 15.000. Muita gente para se prender de uma
assentada. Tudo poderia ser muito mais legal se cobrassem 1 ou 2 euros e
disponibilizassem logo os filmes. Ça va? Ora tudo isto era o meu sonho de
criança que queria tanto um cinema quando não havia um e teve de ir pela mão
das tias ver a estreia do E.T. a Valência de Alcântara. Esta era uma possibilidade
inimaginável num futuro próximo nesse então. È uma realidade hoje em dia.
Admirável mundo novo, como eu costumo dizer.
O
cartaz dava boas pistas. Chamava-lhe “o melhor, mais completo e satisfatório do
realizador”; “um dos melhores do ano” e “uma obra de arte”. Quem o diz deve ser
entendido apesar de desconhecido e deve saber da coisa mas eu apenas digo que Nebraska
conta a história do idoso com um passado alcoólico e muito pouco crédito na
família que se convence que ganhou 1 milhão de dólares numa publicidade
enganosa que recebeu no correio. Decidido a ir levantar o prémio, contra o vontade
da mulher e do filho mais velho, conta apenas com a determinação do filho
solteirão, um perfect nobody que vive sozinho porque a namorada o deixou, farta
de lidar com a sua total indefinição. Apesar de saber que o prémio não existia,
David decidiu apoiar o pai e fazer a viagem que ele tanto queria para ver se o
conseguia convencer do logro quando chegasse ao final. Uma viagem nada fácil
porque o fantasma do álcool se foi atravessando no caminho de ambos e ao
regressarem onde já tinham vivido, tiveram de lidar com problemas com a família
e antigos “amigos” potenciados pelo drama da fortuna. Mais um caso que prova
que o dinheiro e o poder que tudo transformam e tudo revelam.
Num
preto e branco belíssimo, duro como o horizonte sempre nevado, vai-se
desenhando um filme de afectos no qual o filho vai conhecendo melhor o pai e
este se vai revelando pelas pessoas que foram povoando a sua vida como os
sócios nos negócios falhados ou o grande amor perdido. A redescoberta pessoal
do pai na viagem acabou por ser o milhão de dólares para o filho. Para o pai,
bastou-lhe o chapéu de milionário de consolação e, no final, uma camionete nova
como queria, carregada com o ar comprimido que tanto desejava se o dinheiro
existisse mesmo. David fez-lhe a vontade, trocou de carro e deixou-o voltar a
conduzir. Entrou assim para a minha galeria de heróis na tela, aqueles que
conseguem dar um pouco de si para que os outros sejam felizes. Para fazer o pai
feliz, deu de si e fez-lhe a vontade.
Pejado
de grandes actores, Bruce Dern destaca-se pelo papel de pai que representa o
culminar de uma carreira. Will Forte está muito bem como David.
7/9
no Internet Movie Data Base
8
em 10 para Pedro Sobreiro.
2 comentários:
Obrigada pela dica.
Um abraço
Este foi, para mim, o melhor filme que vi, nos dois últimos 2 anos e também vai ficar fortemente ligado ao meu imaginário cinematográfico. Feito com um baixo orçamento e num preto e branco irrepreensivelmente belo, dificilmente poderia competir pela estatueta chamada óscar, cujos jurados, gostam mais de filmes estereotipados, espalhafatosos e de emoções a puxar à lágrima fácil, como foi o caso, do 12 anos escravo. Não digo que este último seja um mau filme, mas, parece um "Déjá vu" maniqueísta, com os muito bons e os muito maus, perfeitamente identificados, a puxar ao choradinho,pretensamente moralista, como é apanágio de muitas criações oriundas da criação cinematográfica de Hollywood. Nebraska é um filme simples, onde não se sente a presença da câmara, tal é o realismo imprimido aos personagens e que parecem ter sido subtraídos ao quotidiano. Trata com mestria, a velhice, o desencanto e até as ambições que cada ser humano carrega até ao fim dos dias, isto tudo, sem nunca ceder ao sentimentalismo bacoco e fácil, com que o cinema americano muitas vezes nos brinda.
Abraço!
Hermínio
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