sábado, 5 de fevereiro de 2011

De vez...


Já por aqui tinha falado nesta desgraça… quando soube da notícia.
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Mas há coisas em mim… que até a mim me surpreendem.

E assim me vejo, sobretudo desde que deixei a minha missão autárquica, a passar ao lado de coisas e de causas que me deveriam mobilizar. Ter-me-ei porventura apercebido que a maldade humana é um realidade perene e que há males no mundo, que por mais que se combatam, jamais se extinguirão.

Os comboios de passageiros deixaram de circular no Ramal de Cáceres e a Beirã, a minha Beirã, a minha terra de sempre e para sempre, já ferida de morte desde a abertura das fronteiras, levou a estocada final.

Para o momento da despedida, a essa derradeira partida, compareceram políticos e populares, gentes da terra e de Portalegre, cidadãos mobilizados, cidadãos preocupados, gente que se mexe.

Faltei eu. Mas eu devia ter estado naquele funeral.

Devia ter estado porque os comboios, aquele comboio, aquela automotora fazem parte de mim e da minha vida. Eu passei centenas e centenas e centenas de horas a viajar naquela linha. Eu percorri centenas de vezes os quilómetros que aqueles carris tatuaram na paisagem até Lisboa. Eu vi o mundo a passar por aquela janela. Eu devia ter estado porque quando penso nisso, vem-me à memória o cheiro intenso a querosene das travessas e sinto na ponta dos dedos a superfície rugosa das pedras que aconchegam o caminho-de-ferro.

Eu devia ter estado porque o comboio me traz milhares de recordações… O meu avô foi chefe de estação. A minha avô viveu naquele edifício da estação. O meu pai trabalhava naquela estação. Eu aprendi a viver sempre com o comboio ali ao lado. Respeitando-o. Temendo-o. “Vê lá não fiques debaixo do comboio! Tem cuidado com a linha!” devem ter sido das frases que mais ouvi na minha infância.

E as memórias… as cervejas Sagres médias de “bujão” e as sandes de presunto que comprávamos no Sindicato dos Ferroviários do Entroncamento... A vez em que assámos chouriços durante a viagem… A história em que os funcionários fugiram atrás dos perdigotos... A avaria que quase me amolou o exame de Direito. Tanta história que dava para estarmos uma noite inteira sem parar.

Eu compreendo que aquele serviço há muito deixou de ser rentável mas a questão tem de ser colocada ao contrário. É preciso é perguntar a que ponto se deixou chegar aquela linha, a que ponto se deixou chegar o interior para que o serviço tivesse deixado de ser rentável. Quantas horas se demora a chegar? Quantas mudanças de composição se têm de fazer? Quanto se paga e que contrapartidas se tem?

Eu compreendo que o serviço já não seja rentável. Não compreendo é que se diga que tem um custo insuportável. Há custos bem mais insuportáveis que ninguém tem coragem de cortar. Ainda há pouco li que a direcção da RTP tem à disposição 60 viaturas diferentes. Por que razão não acabam de vez com esse enorme elefante branco que não faz falta para nada nem ninguém e ainda por cima concorre deslealmente com outros canais privados? Acabava o país se acabasse a RTP?

Eu digo isto muita vez: se os espanhóis se lembrarem de entrar por isto adentro… dantes ainda podiam ser detectados nas portagens. Agora… com o pagamento automático, já só dão por eles no Terreiro do Paço.

O interior não conta e este Governo e os Governos que o antecederam fazem uma gestão absurda do território. Em vez de gerirem de forma harmoniosa este país tão pequeno, tão rico e tão belo; em vez de promoverem uma distribuição coerente da população, dando incentivos à interioridade, descentralizando serviços… enfim, fazendo aquilo que todos sabemos e esperamos… entra e alinha com esta cruzada lunática de querer tudo “encafuado” nas grandes cidades, cada vez mais violentas e descaracterizadas.

Há coisas em que somos um país de merda. Ponto final.

Não tenhamos ilusões: agora foi o comboio mas qualquer dia vão as juntas, as câmaras, as Finanças e a Conservatória. Qualquer dia vai tudo, de vez!

Eu compreendo, admiro e aplaudo as pessoas que fizeram questão de estar nessa última viagem mas eu já estou noutra. Eu sei que as boas intenções não chegam. Para mim… ficar na fotografia não chega. Eu como e calo e acumulo e sei que um dia vai chegar o dia em que a gente tem de dar um passo em frente e esse dia é capaz de não estar tão longe quanto eles… os que mandam… pensam que está. Isto um dia vai dar merda e é da grossa e aí… há muita coisa que vai mudar. Fenómenos como este que agora alastra pelo norte de África não acontecem por acaso.

Eles podem levar o comboio centenário mas jamais nos tirarão a nossa dignidade.



PS: Resta-me mandar um abraço a todos os que têm lutado para que este assunto seja falado e não seja esquecido, sobretudo para o meu amigo Tó Mané que, gerindo a complicada dualidade de papéis Presidente de Junta/Funcionário da C. P., tem sabido sempre estar ao lado da população, defendendo os interesses da sua/nossa terra. Tão triste… mas firme e hirto. De pé!

3 comentários:

Clarimundo Lança disse...

Há que reunir os membros da F.L.A..

gi disse...

Tambem eu admiro o "Tó Mané" na sua dualidade de funções. Por muito que falemos, ninguem nos ouve, somos tão poucos e a cada dia menos. Enfim... nós, do interior somos tão penalizados em vários pontos que um dia até nos vão deixar de cobrar impostos. Impostos esses que servem para pagar os prejuizos das restantes regiõs do pais, as auto-estradas que não temos!!! Como somos poucos os que teimamos em nao partir para as grandes cidades, vamos cada dia ser menos...

Garraio disse...

Estou com má friend Clarimundo.

reunião FLA (mesmo q o cavaco não possa vir)