Linhas que me saem cá
de dentro, do fundo, enquanto continuo sempre a acreditar que tu vais voltar.
Mesmo agora, enquanto já tudo dorme, fui abrir a janela da sala porque me
parecias tu às cabeçadas à porta como só tu sabias fazer quando querias sair.
A chuva que tem caído ininterruptamente, cai pesada, dura e
fria sobre a minha cabeça.
Já lá vão dois dias, sem ti, companheiro, alto, forte,
açabarcador dos amores cá de casa, fonte de ciúmes, rival do meu lugar de rei
neste harém de mulheres belas onde vivo.
Por mais que viva, que sinta, que
respire, nunca hei-de conseguir tirar a responsabilidade do que te aconteceu. É
certo que fui incauto, ingénuo, desprevenido, mas Deus e a minha consciência
sabem, e só a eles devo real submissão, que apenas queria que tu pudesses
caminhar livre, sem coleira, enquanto caminhavas comigo e a Alice, a caminho
dos cavalitos do Dr. José.
Naquela limpa, naquele largo
frente à zona industrial, sempre me pareceu que não corrias perigo. Previa meter-te
a trela alguns metros à frente, quando tivéssemos de caminhar na berma reduzida,
naquela estrada sem passeio que conheço tão bem quanto as palmas das minhas
mãos, pelas centenas de vezes que já passei ali a correr.
Depois, tu nunca, nunca, NUNCA te
meteste à frente de um carro das muitas voltas que demos os dois. Por vezes
corrias atrás deles mas nada que um “olhá bolacha!” não te chamasse para trás,
para saltares bem alto até a apanhares do na minha mão. Foi a primeira vez,
Sizzle. A primeira vez e nem sequer simulaste antes, ou esboçaste um gesto que
deixasse antever o que irias fazer. Se eu me tinha lançado de cabeça atrás de
ti. Na verdade; e meu julgador que dorme dentro da minha cabeça, e a força que
domina tudo o que vemos sabem que se me fosse dado a escolher, antes preferia
ter partido um braço ou uma perna do que ter deixado que isto acontecesse. A
falha foi minha. A pena também deveria ter sido.
Depois, foi o azar que nos bateu
de frente na cara. Aquela carrinha strakar cheia de jovens da cidade vinha
depressa demais, a muito mais que 50 quilómetros por hora que tinham dado perfeitamente
para eles terem podido travar e para eu te ter impedido.
O teu ímpeto que me surpreendeu.
O excesso de velocidade vermelha que parecia te chamar. A minha ingénua opção de
saber que nunca farias aquilo que nunca fizeste. A Diguidoga, a cadelinha dos
meus sogros, sempre passeou comigo assim pela estrada do Valongo.
Tu, cachorro, pequenino, foste
mais impetuoso e mergulhaste dos teus 5 meses para baixo da carrinha, sem nunca
teres sido passado por cima pelas rodas. Apenas te agachaste. Sentiu-se um
barulho em que enrolaste e depois, quando só queria saber de ti e abraçar-te,
começaste a correr como um louco, assustado, à procura sei lá do quê, até que
não acudiste aos meus gritos e te enfiaste pelo meio das giestas e dos cabeços
em frente, em direção à Relva. Onde deixei de te ver. Onde te perdi.
Agradeço tanto, ainda assim, não
teres ficado morto logo ali, e não teres criado na cabeça da Alice uma imagem
daquelas que têm a força de nunca se esquecerem.
Foste dar uma passeio. Foste dar
uma volta. E eu hei-de estar sempre à espera do teu regresso, que voltes para o
teu ressonar descansado naquele puff que antes era só meu.
Tenho ouvido muitos e muitas
pessoas amigas a falarem. Uns dizem que vais voltar de certeza, outros que
deves ter batido com a cabeça e já não voltas mais, todos têm o seu palpite. Eu
não. Apenas uma saudade imensa e este luto terrível porque estamos todos a
passar, como se os 5 meses fossem 5 anos, que em amor já mais pareciam 50.
Corto o queijo para levar no
farnel, para fechar a suculenta feijoada que o vizinho Mário ofereceu ontem…
mas não tenho a quem dar as côdeas e se fique a lamber com aquele ar deliciado
e os lindos olhos castanhos a pedirem mais.
Sofro tanto por ti, Sizzle. Sofro
tanto sem ti.
Limpei a cozinha há pouco e a
porta do caixote do lixo estava aberta. Sem que tu tivesses virado tudo à procura
sei lá do quê.
Tu eras o menino que eu nunca
consegui ter. Já eras.
Agora é preciso dar tempo ao
tempo. Que tudo cura e tudo apazigua.
Há que fazer um período de nojo
que será tão demorado quanto cada um quiser.
Elas olham para mim. Dizem que já
me perdoam mas eu sei que não. Vejo-as chorar. Sinto-as chorar. E se aqueles
olhos fossem facas…
Mas eu, que não sou mais que
nada, nem ninguém, devo prestar verdadeira submissão é à minha consciência.
Dizem que sou teimoso, mas é a essa mesa de juízes composta pelos valores e
princípios que fui aprendendo durante toda a vida; que me tenho de nortear e
orientar. E ela sabe que aqui nunca poderá haver culpa. Porque a intenção de
que tal acontecesse, nunca existiu. Não houve dolo, mas sim negligência.
Infantilidade, talvez. Infantilidade quase de certeza, de tão naif que foi, que
eu sempre olho para mim como um puto da Beirã, que apenas quis deixar o seu
cãozinho ser feliz e brincar, antes de se fazerem horas para fazer o almoço
para as pequenas.
Corri tudo a ver de ti, Sizzle.
Fiz aqueles canchos acima e abaixo. Fui aos cafés do Joaquim Pinheiro e do primo
Zé Fernando; fui às casas do Dr. José, onde a simpática família jogava volley de
praia num retângulo de areia com os cavalinhos à volta; fui a diversas casas
que por ali nem sabia que existiam; falei com uma família da cidade que
desfrutava deste fantástico tempo quase primaveril na Tapada do Cancho; perguntei
a estrangeiros, gave my phone number to several lads, they gave me british
mobile phone numbers because they didn’t have a protuguese one; apanhei o
companheiro Durão, do meu tempo do ciclo em Castelo de Vide, que pôs os seus
putos nas bikes a rondarem o pedaço; fui ver do meu 1º Sargento e grande Amigo Vitor
Ramos que não estava mas a quem já solicitei via telefone que pusesse todo o
seu vastíssimo conhecimento daquele território a nosso favor; já falei há
poucos instantes com o grande Carlos Ramos que conhece aquela área melhor que
ninguém para ver se encontrava o cãozinho castanho e sim, já lá vou amanhã
buscar os 3 sacos de pinhas que tenho encomendados, que a Dona Balbina não há-de
ter a despensa ocupada por minha culpa. O Neto que tem ali a propriedade também
já está por mim solicitado e a Cristina, sua mulher, disse-me hoje que vai
insistir com ele para que esteja atento. A minha Cristina ligou logo para a GNR
que estão de sobreaviso.
Sizzle: está toda a gente a ver
de ti. Amanhã quero ver se tenho tempo de dar uma volta pelo rio, para onde tu
podes ter chegado em desespero, até aos Galegos. Ver se falo com a Dona
Laurinda que pagou IUCs em excesso e me está agradecida porque sempre lhe
mostrei boa vontade e lhe garanti que o seu dinheiro há-de chegar. Às vezes,
pode ser que aquela busca frenética de nada te tenha impulsionado até ali.
Ou apareces por aí, ou quiseste
descansar do susto aí num buraco qualquer e te deixaste cair no sono dos justos,
bom amigo.
As gargalhadas das minhas filhas
a correrem à volta da mesa da sala atrás de ti, uma atrás e a outra a fazer surpresa.
A Alice a dizer: “ó pai… gosto tanto do nosso bebé. Este Natal vai ser tão
lindo… Nunca esperei ter um cãozinho de que gosto tanto…” como me disse nos
instantes antes de tudo acontecer.
Há pouco falei com o meu vizinho
Mário que com tanta chuva e tanto frio, as esperanças desvanecem-se e que… depois do período de nojo que todos
tempos o seu e há que respeitar, se tu não apareceres, Sizzle, outro corpo
igual ao teu, tão dócil e carinhoso, teremos de arranjar para amar. Como ele me
disse que fez com o seu Sami, meu primo, quando lho envenenaram que neste
bairro há gente para tudo e maluqueiras dessas, todos sabem só podem vir do
mesmo sítio.
“Ó vizinho, arranjei um igual ao
primeiro Sizzle e ao fim de 6 meses já nem me lembrava do outro.”
Isso há-de ser difícil.
Impossível, mesmo. Que há buracos no nosso coração que ficam preenchidos pela
saudade.
Mas eu tenho o sonho que as
minhas filhas possam voltar a ser felizes com aquilo que a MINHA imaturidade
LHES tirou.
Uma trela. Uma simples trela. E
esta chuva que mais parecem agulhas a caírem sobre mim, seriam apenas a doce
banda sonora para mais um adormecer tranquilo na casa dos meus sonhos, dos
nossos sonhos, quando nos despedíamos ao portão dos teus pais.
Companheiro, eu rezo todos os
dias e digo: Sizzle, espero por ti. Sempre. Até que possa.
O meu agradecimento a todos os
amigos e amigas que se têm preocupado com o nosso sofrimento. Aos que têm
perguntado, aos que têm ligado; muito em especial ao meu sogro João Manuel
Lança e à minha sogra Maria Jacinta, pela busca incessante; ao meus vizinhanças
Mário e Rosa Guedelha, pelo apoio incondicional, é bom ter vizinhos assim dedicados que
largam tudo por nós; à Esperança Rosado e ao marido Pires que trouxeram a Alice para casa para eu poder procurar logo lá; bem haja ao Manuel Vaz Guedes que tanto ajudou, logo nas primeiras
horas; ao Bruno e à Tânia, os papás, pelo suporte; ao Jorge Rosado pelo auxilio
também tão prestável; ao António Bonacho que ligou preocupado; aos Pires, pai,
que até ligou para o serviço, e o Nuno também; bem hajam todos os que se
preocuparam e eu não mencionei aqui, incluindo os muitos no facebook que divulgaram e partilharam a notícia, e que ainda nem tive tempo de ler. São muitos. Eu olho para vocês e
reconheço. Desculpem sem me esqueci de alguém. Estão aqui. Cá dentro.
O meu sincero e profundo pedido
de desculpa às minhas rainhas, pelas quais faço tudo, sem pestanejar: Alice,
Leonor e Cristina.
Este era o texto que nunca quis fazer e esperei que levaria mais de uma década. Desculpem. Mesmo. Foi sem querer.
A quem nos quer mal, digo apenas
que esta família tem muito amor para dar, que isso não se compra nas
raspadinhas. Aqui não há ódio, nem rancor, apenas muito amor. Para dar entre
nós, aos nossos amigos e ao bebé de quatro patas que já criou o lugar no nosso
seio.
As infraestruturas que nos
fizeste preparar, estão à tua espera, Sizzle. Quando puder e a chuva passar,
meto a rede nova que a dona te comprou.
Esperamos por ti, companheiro.
3 comentários:
Que o seu amigo volte para casa são e salvo.
Um abraço
Que regresse pronto ...
Atendendo que "há" quem lhe chame "Suíço", não será melhor ligares para a Embaixada da Suíça?...
Vá, há-de regressar ao seu lar!
Abraço!
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