Comecemos
pelo princípio, o que dá sempre jeito. O Miguel Araújo é, na minha opinião, o
maior cantautor da minha geração (apenas 5 anos mais novo que eu).
Temos
também o Tiago Bettencourt, que também é muito forte mas não tem, de todo, a
sua coerência e profundidade lírica. O David Fonseca é outro ponta de lança,
mas cantando na língua mãe, não tem sido capaz de atingir a densidade das
palavras que tão bem cantava em inglês. O Manuel Cruz dos Ornatos Violetas é
também outra figura de proa mas tem-se deixado ficar para trás e vai aparecendo
muito esporadicamente. O João Paulo Simões, que encabeçou os Belle Chase Hotel
é também um extraordinário compositor; tal qual como o Jorge Cruz dos Diabo na
mesma que agora tem escrito para fadistas com grande alegria e sucesso (Ana
Moura) mas nenhum deles conseguiu alguma vez fazer uma música tão forte para
quem viveu a meninince e adolescência no nosso tempo sobre um dos ícones
definitivos dessa altura como o nosso Miguel.
O
insuspeito “Expresso” concordava com o que hoje penso, já em 2012, quando disse
que “é notório que Miguel Araújo se tornou um dos melhores fabricantes de
canções que o país viu surgir este século”.
O
Miguel é o Rui Veloso da nossa geração mas tem a diferença de ter o Carlos Te a
viver dentro dele. São os dois num só e isso é tudo.
E
é por isso que de cada vez que tenho oportunidade de o ver ao vivo, tudo tenho
feito para não ficar em casa.
Fuivê-lo ao Crato, com a minha Leonor e assim que soube que vinha a Portalegre,
não descansei enquanto não arranjei bilhete. Consegui um para mim, outra para
ela e fartei-me de dizer à minha patroa se queria que a mana, com fala diversas
vezes durante o dia, ou alguém lá da casa dela quisesse ir…
Como
não soube de nada, voltei a pedir ingressos que estavam a esgotar para os 3 cá
de casa.
Acontece
que a minha Leonor já namora (difícil, duro) com o Einstein da terra das torres
da Robinson e nesse dia, trocou-me. Foi pela mão rapazinho, de boleia com os
papás, ver um dj chamado KYGO, ó valha-me Deus. Anda um gajo a vida inteira a
passar-lhe bons gostos musicais, coisas com estilo, pompa e circunstância, com pedigree
e à primeira oportunidade, vai-me daqui de propósito a Lisboa para ver um
disco-joker norueguês. Isto é mau demais. Mas o Sabi merece. O Sabi arreia.
Eu,
de certeza, de certezinha que ia ver o bom do Araújo. A mãe teve uma Alice que
fez uma cena terrível de bebé que não costuma fazer, e esteve quase, quase para não
e ir.
Pensei,
se não tinha a filha para ir comigo, não me queria desfazer do bilhete e perguntei
à afilhada se queria alinhar. Esta, é daquelas que nunca falha. E assim fomos,
lá todos três, para termos uma noite de romaria.
O
Miguel é mais novo mas é sabido e rodado. Se o homem está farto de fazer estrada
e estas coisas não se aprendem num compêndio. Aprendem-se vivendo.
Exímio
compositor, excelso fazedor de canções, também faz franchising e escreve para
fora, esticando a cama de lençóis lavadinhos para os outros brilharem e se
deitarem.
O
“Pica do 7” do Zambujo, por exemplo, no vídeo do qual faz um cameo sentado no
elétrico, é um hino ao bom gosto, à musicalidade e portugalidade.
O
Centro de Artes do Espetáculo de Portalegre, que cumpria o 10º Aniversário
(parece que foi ontem…) estava cheio a rebentar pelas costuras com gente que
venceu a terrível noite de frio e chuva porque queria mesmo ali estar. O Miguel,
admirado pelo incrível calor humano e coros que recebia das cadeiras em frente,
apresentou-se humilde num palco muito simples, negro, sem adereços, apenas com
duas aves de papel suspensas do teto, acompanhado apenas por dois músicos que
foram aparecendo durante a atuação, nas teclas e no baixo que fazia as
marcações rítmicas.
Para
um homem que, com a companhia do parceiro Zambujo atingiu recentemente o
notável marco de encher por 17 noites consecutivas o Coliseu do Recreios, estas
noites, qualquer noite destas noites, lhe há-de parecer um ringue de patinagem
de bairro. Uma coisa pouca. Mas não. Mostrando-se verdadeiramente feliz por ter
conseguido reunir tantos amantes da sua obra, que o acompanhavam ao deslindar
de cada êxito. O Miguel sentiu-se em casa.
Não
deu um concerto apoteótico, mas foi também por demais evidente que isso nunca foi
o que pretendeu. Poderia ter ido para os temas mais orelhudos, que toda a gente
conhece de trás para a frente e de frente para trás, mas não. Escolheu um
line-up muito pouco frontline e de temas menos conhecidos. Recriou, recriou-se,
brincou consigo e com o domínio da sua obra.
Manifestos,
por demais evidentes disto que digo?
A
meio do show, não no final, tocou ao piano dois temas que, percebeu-se que
muito gosta, um de Elton John Sobre Lizza Minelli, e Portsmouth do Elvis
Costello. Temas que muitos poucos dos que enchiam a sala conheciam e gostavam
tanto quanto ele, certamente. O Elton John jamais seria um artista do qual
seria capaz de ouvir um disco, quanto mais comprá-lo.
As
músicas que todos esperavam, chegaram ao final com o ar de café concerto num
pub qualquer, em que o artista, com a guitarra a tiracolo, espicaçava quem
tinha à sua frente sobre o que tema que se haveria de seguir.
Sairam
assim os clássicos imediatos pelos quais todos esperavam:
Eu,
que sempre fui assim um desalinhado, sempre a pensar muito pela sua cabeça, pude
deslumbrar-me com o maravilhoso casamento de cartório, tal e qual como começou
o meu,
Esse
ou com a soberba festa de romaria que viemos a saber que foi composta em
Portalegre no bar Xisterna com o apoio enorme do amigo Zambujo em 2007, provavelmente
na altura em que o conheci em Marvão, quando era vice-presidente, vereador da
Cultura e o trouxe a Marvão a acompanhar os amigos do Quarteto em Mim no
feriado municipal.
Boas
memórias.
Gostei
da conversa. Valeu! Ficou aberta para o teu regresso um dia?
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