domingo, 26 de novembro de 2017

A vida, como ela á... (your uncle Sabi, goes philosophical, this time)



Peça 1 do puzzle: Esperando o que não chega (e que nunca queremos que venha)

Quando vou fazer, a minha visita semanal à minha tia Cremilde, a minha querida Cali, à Santa Casa da Misericórdia de Marvão, a minha cabeça é um turbilhão tão grande de sentimentos e sensações, que nem os consigo bem explicar.

À media que me aproximo daquele edifício secular, gigante, imponente, labiríntico, sinto-me sempre pequeno. Mais pequeno ainda do que o seu corpo frágil, rígido, sem maleabilidade, sem controlo, duro.

Eu sei que ela não sabe dizer quem eu sou, não sabe o meu nome, não consegue dar resposta às suaves e subtis provocações das amáveis funcionárias, quando a tentam espicaçar com um “e este Cali?!?!? Quem é este homem? É meu? De quem é Cali?”

Ela sorri.
Sem um brilho no olhar que deixe antever qualquer emoção, qualquer sentir, qualquer saudade.

Mas, quando me aproximo da sala onde habitualmente a encontro, sempre sentada no mesmo lugarinho, vejo que o sorriso se acende, assim que o seus olhos tocam os meus. Olham-me como se, no mesmo vislumbre, me fizesse as perguntas “tu, tu… só agora?” e “onde é que andaste?”

Eu caminho para ela, sorrindo, como se estivesse estado sempre ali, e estivesse de volta ao fim de poucos minutos fora. Vou sentindo da parte das suas companheiras, sentadas em volta, reações pela minha chegada, que depois confirmo, quando as cumprimento, uma a uma.

Não estou muito tempo ali. Porque me dói.
A ver se me faço entender, que eu sei que muita gente vem espreitar, o que é que este jornalista que nunca o chegou a ser, tem a dizer sobre a vida.
Eu agradeço sempre muito, tanto, tudo, à Santa Casa da Misericórdia de Marvão, pelo serviço que nos presta. É a ela, mas sobretudo a mim, que sou o filho que nunca teve; e à minha mãe, sua cunhada, que sempre a amou como irmã, e por ela foi amada enquanto tal. A Cali, sempre solteira, sempre sem marido e sem filhos, tem-nos apenas a nós, para a supervisionarmos, nestes últimos tempos que passa na terra.

Dramático, não é? Eu acho que é. A vida… como contava o grande cometa António Variações, é DAR E RECEBER.


Quando não dás vida… é difícil que ela venha por ti. A Cali não gerou vida, e por isso, não tem perto de si, vidas que a acompanhem. Embora isto, não seja líquido, e certo. Porque há muitos filhos que viram costas a pais, nos seus últimos estertores; e muita gente que está acompanhada, por outros amigos e família.
Não quer dizer que tenha que ser assim, mas a verdade é que o Pedro e Alzira, são os que estão pela Cremilde. A vida levou os outros, os que sempre estiveram longe; ou que foram ver do ganha-pão; ou foram por opção, para outras paragens. Mas por nós, filho e mãe, ela está acompanhada.  Os outros sabem que podem estar tranquilos.

A verdade é que por muita atividade, por muito acompanhamento, encontro-a sempre ali. Sentada, a sorrir, com uns olhos que olham, mas não fitam.
Da dezena de colegas, umas dormem, outras mantêm conversas com mundos e entes só deles, outras estão. Apenas estão. Vivem porque respiram, têm os órgãos todos a funcionar, tem a centelha de vida a vibrar dentro deles. Mas só isso.

Uma delas, uma mulher que toda a vida me habituei a conhecer por vizinha, que sempre viveu na minha rua, mãe de um querido amigo meu de infância, que faleceu na flor da idade, a desmantelar um artefacto explosivo na sua profissão de GNR; está lá. Quando a vi, há dias, nem queria acreditar que ainda fosse viva. Fiquei tão feliz que tentei, pausadamente, chegar até ela, explicando-lhe quem era. A senhora é tao antiga, que os seus olhos, apenas parecem que nos vêem. A idade pode dar para nisto.

Quando lhe falei na rua, e na minha mãe Alzira (nome aqui estranho, que destaca), pareceu-me ter vislumbrado alguma reação. Mas… pouca.

Estas pessoas, muitas destas pessoas, estão vivas porque a vida continua agarrada a elas. Têm visitas fortuitas de familiares de quando em quando, ou talvez não. Mas estão lá. Até que Deus queira. Cumprindo o seu Masterplan, 



Porque é que estamos neste mundo?

O que é que cá fazemos?

O que é que nos falta fazer?

Porque é que não acabámos já?

Para onde vamos?

O que é que nos falta aprender?

Que portas nos faltam abrir, in life’s endless corridor? (no corredor infinito da vida?, como cantam os manos Galagher?)



Peça 2 do puzzle: Quando o fim nos surpreende



Pensava eu nisto, numa semana em que sou (eu, e todo o país) completamente atropelado pela morte, absolutamente absurda (como se pudesse existir essa tal coisa, de mortes com sentido) de dois jovens na flor da idade, com apenas mais 9 anos que eu, 53: o ator João Ricardo, e Pedro Rolo Duarte. Se o primeiro era bem conhecido pelas massas, muito por graça da sua graça em  em telenovelas de horário nobre; o segundo, era mais conhecido pelas minorias consumidoras da comunicação em geral, e por uma fasquia mais elitista da comunicação.

A verdade é que ambos eram jovens de mais para morrer. Quando assim é, parece que o livro é rasgado a meio, de forma abrupta, e nunca mais cabe na prateleira da vida.

Para quem perdeu o pai com 49, como eu, subitamente, muito pelas mesmas causas, estes desaparecimentos são sempre um vento ciclónico que abala as galerias da memória, e fazem tremer este edifício de que somos feitos. Manda a razão que consigamos encontrar um sentido para que tal aconteça, e no caso do Pedro, o seu modo de vida bom vivant, e sobretudo, a sua adição ao tabaco e à nicotina, conseguem explicar o porquê deste fim. Escreveu na sinopse do seu livro “Fumo , Deixar de fumar é lixado”, que “30 anos depois do primeiro cigarro - três maços por dia quando as noites não acordavam coladas aos dias seguintes…”. Assim,  meu querido, chegar aos 80 é que seria de espantar.
Depois, junte-se a esta morte lenta, um estilo de vida sempre em contra-relógio (entre as diversas atividades e publicações); uma alimentação apenas possível entre tanta solicitação; e um modo de vida completamente errático, sem qualquer tipo de atividade física regular, e… facilmente se percebe que não há sorte, nem providência que aguente tanta desfaçatez. Inteligente? Todos os que tiveram o prazer de o conhecer, juram a pés juntos que sim.


Com o seu grande amigo João Gobern. O "Hotel Babilónia" da Antena 1... já não aceita mais reservas.


Esteve sempre entre a nata da nata. Aqui, ladeado de Paula teixeira da Cruz, Miguel Sousa Tavres e José Eduardo Moniz

No caso do João Ricardo, que sofria de um tumor cerebral, tudo faz muito menos sentido. Até porque não se consegue encontrar nenhuma razão entre a forma de se viver, e este crescimento anormal de células, no cérebro. O tragédia assume aqui um caratér devastador.



Ambos levaram vidas que conseguiram, na arte que cada um abraçou, e se especializou (comunicar, ou representar), tocar os demais. Fazer com que as vidas dos outros fossem por si influenciadas, fosse através de uma gargalhada, ou um pensamento. Creio que isso fará, no final, muita coisa valer a pena.




Juntando as duas peças…

Percebo que este puzzle da vida não tem fim possível. Neste mundo, pelo menos.
A fé que me acompanha e alimenta, serve para, quanto mais não seja, me dar conforto, aconchego, e instigar a acreditar que um dia, tudo isto fará sentido. Chamem-me louco, naif, tonto, ou insensato, a verdade é que não me resigno a acreditar que isto é tudo tão efémero, que quando termina, termina de vez.

Haverá alguma lógica entre poder comparar, a vida de uma criança que nasce em berço de ouro, tem todas as facilidades e mordomias da vida, e vive, sem desgostos e com qualidade (a todos os níveis, sentimental, económico) até aos 85; e uma criança judia que nasce num campo de concentração, e nada mais conhece em vida senão dor, sofrimento, opressão e medo, sendo morta antes dos 12 anos, numa câmara de gás, agarrada à mãe?

Ou isto é mesmo para não ter lógica alguma?

Saber, não sei. Mas constato.
E asseguro que não tenho vontade nenhuma, de chegar ao dia em que perceba.

Mas entretanto… vou perguntando.

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