domingo, 5 de novembro de 2017

OS 8 ODIADOS E O (meu) AMADO


Este blogue instrói: clica nos links, e sabe mais... 

Se há arte que amo profundamente, é o cinema. Isto porque para mim, o cinema, ao contrário do que muitas mentes esclarecidas pensam, não é uma arte inferior à literatura, à pintura, à fotografia, ao teatro. Porque… no meu modesto entender, o cinema é, e pode ser, a conjugação de todas elas. O cinema pode ser a obra maior. Como neste caso de que vos vou falar.

Tudo isto porque ontem assisti, completamente embevecido, a espumar da boca a cada frame,  à última obra-prima do grande mestre Quentin Tarantino: os 8 odiados. Um filme de cowboys, que pretende ser uma homenagem aos westerns, mas que é muito mais que isso, porque os reinventa, e os consegue elevar a um nível, que nem os grandes mestres do género, alguma vez sonharam possível. O que eu adorava ter podido assistir a isto, sentado com o John Ford (o maior no género, atrás da câmara), e o John Wayne (o maior no género, à frente da câmara), ao meu lado.


A forma como é filmado, logo na abertura, um Cristo cruxificado, com a neve a cair, e a diligência (palco de grande parte da fita) a aproximar-se ao fundo, é um hino ao cinema, que abre as cortinas de ouro, para o que se vai passar a seguir.



O melhor de tudo do filme, é poder assistir. O vosso tio Sabi, aconselha vivamente todos vocês, distintos sobrinhitos e demais pequenada, a que disponham 2 horas e quarenta e um minutos da vossa existência, a fazerem-no. Se calçarem o MEO, comme moi, vale 3,5€. É um maço de Marlboro. E não faz tanto mal, garanto.

Todos os ingredientes de um grande filme estão lá, só que cozinhados de uma forma absolutamente magistral. Nunca mais, na minha vida, poderei assistir a um outro tamanho talento e devoção a esta arte. Esta obra (nele, sempre prima! Vai na 8ª! Devorei-as todas. Tenho todas as editadas), para além de realizada, também ela foi escrita pelo próprio Tarantino, que conseguiu aqui criar um fresco único.

Grande parte do tempo, a ação concentra-se numa diligência. É nesse espaço exíguo, onde quase tudo se começa a desenrolar, que aponto um dos únicos senãos, embora se compreenda devido às dificuldades de realização. Na viagem dentro de uma viatura destas, o barulho e a trepidação deveriam ser tantos, que mal se deveriam compreender as conversas, quanto mais.


Uma tempestade enorme de neve que se aproxima, um caçador de recompensas com dinheiro a haver, ainda com vida, a seu lado; e encontros com personagens diversas, todas mirabolantes, levam-nos a um mergulho profundo, naquilo que é a natureza humana. Com uma inteligência assombrosa, e um tato singular, Tarantino vai construindo uma filigrana de emoções, que são a mais pura delícia para um amante de cinema.


Eu cresci com os Westerns. Naquela altura, em que eu estava a aprender a crescer, e a viver, quando a televisão portuguesa viva em dois canais pobres, que encerravam com miras técnicas, em horários absurdos; quando a única animação era a do Tio Vasco Granja (toda ela estranha, algo absurda, e a cair para os países do leste da Europa), e os filmes eram poucos e maus; a televisão espanhola (que bom que foi nascer junto à fronteira!) que se captava “de maravilha!” (como eles dizem), foi um bodo aos pobres! Eram belíssimos concursos (“1,2,3”, com a simpatiquíssima Mayra Gomez Kemp), eram os programas de variedades (Aplauso!), era o entretenimento infantil digno desse nome (Bola de Cristal), e as enooooorrrrmes sessões de coboiada, tantas tardes e noites, sentado na sala com o meu pai, que os comia a todos.



Mas nesse tempo, a memória que tenho dos westerns, era que eram lineares. Tinham paixões, muito amor e ódio, mas eram fitas onde as personagens estavam tão tipificadas, à partida, que se conseguia logo perceber quem eram os bons, e os maus. Os rapazes das vacas, que as acompanhavam em busca de paragens mais férteis, de acordo com as estações do ano, faziam nessa transumância encontros com situações que faziam o coração do filme, muitas vezes ligados a uma rapariga, um mau, ou conjuntos deles. E muitas vezes, nem sequer eram os peles-vermelhas, esses desgraçados, sempre tão mal desenhados, quando na verdade, foram os primeiros povos naquelas paragens, vivendo num equilíbrio total, de respeito e cooperação, com a mãe natureza. Os filmes da cóboiada, bem como os livrinhos de bd, eram mais para passar o tempo divertidos.


Tarantino eleva o género como eu nunca imaginei possível. No meu tempo, nesses filmes, um bacano dava um tiro, e o outro caia. AAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHH… tarús, para o meio do chão, com uma nuvem de poeira a levantar-se. Fosse a que distância fosse. Daí as nossas brigas de miúdos, quando brincávamos nos canchos da Beirã, aos cóbóis, de um dizer, do alto de uma rocha:
- Estás morto!
- Não estou não! Passou ao lado!, respondia o outro.
- Isso foi à bocado! Esta foi mesmo em cheio!
E por aí fora, até se fazer de noite.
 Agora, com Tarantino, as coisas ficam como devem mesmo ter sido na realidade. Levar um tiro de pistola, a pouco mais de 1 metro da cara, deve mesmo meter tudo a dentro, ou fazer voar a cabeça, como ele mostra agora. Um banho de sangue, como já vai sendo nesta sua revisitação ao estilo, como já foi em DJANGO 


Depois, os murros são tão violentos… mesmo numa mulher!, que a atiram da diligência abaixo, com o caçador de prémios algemado ao seu braço. Eles escarram, eles arrotam, eles têm os dentes… não branquinhos, como os de um ator de Hollywood, mas como deveriam ser os dos cowboys: todos sujos, quando se riem, e deixam ver a boca.


Dos atores, todos de altíssima gama, muitos deles já habitués do mestre (PulpSamuel L. Jackson), Reservoir Dog Tim Rooth, Kill Michael Madsen Bill), os meus destaques vão para os que creio que estreantes, ou recentes na relação: fabuloso Kurt Russel, o veterano Bruce Dern (pai da sua Wild at Heart Laurinha Dern), e a absolutamente fantástica Jenniffer Jason Leigh.



No final, a gente recosta-se para trás e suspira. Porra! Que granda película!

Como o aluguer da minha operadora dura 48 horas… vou ter de rever algumas partes, sobretudo no final, para segurar algumas pontas, que tenho por aqui ainda sem estarem bem firmes, para tentar perceber a brilhante genialidade da coisa.

Tarantino: Obrigado por existires ao mesmo tempo que eu! És GIGANTE! Quais outros realizadores, quais quê! Há-os mas…




Sem comentários: