Hoje
de manhã, quando cheguei à cozinha, fui, como sempre, dar-lhe os bons dias. Fui
meter-me com ele, dar-lhe carinhos, mudar a água, deitar as cascas da alpista
fora do comedouro, meter nova, e mudá-lo cá para o alpendre das traseiras, onde
começava a cantar para o dia.
Eu
era quase sempre o primeiro a fazê-lo, porque a dona, que madruga sempre antes:
se perde sempre primeiro de olhos e mimos para o menino (Sizzle), e deixa o
amarelinho, do qual nunca morreu de amores, para segundo plano.
Assim
que lhe meti os olhos em cima, entristeci, e pasmei. Estava caído, de olhos
pequeninos, quase inerte.
Reagiu
ao tom da minha voz, e estremeceu, tendo-se movido com muita dificuldade.
-
“Hum”, pensei, “deve ser um daqueles “trangolomangos” que às vezes lhe dão, e
depois lhe passam como se não tivesse sido nada”.
Mas
não. Enfiei a mão dentro da gaiola e ainda o afaguei. Cheguei a metê-lo na mão,
dei-lhe calor e mimei-o. Ficou como que em repouso.
O
que se seguiu não foi agradável, e tive de me bater para que não tivesse ido
logo fora, com a gaiola incluída. Mas quando um ser vive tanto tempo junto a
nós, e nos dá tanta alegria como ele já me deu a mim, merece ter outro apoio,
outro carinho, e, se o seu fim por acaso estivesse próximo, outro calor humano
à sua volta.
Soube
a meio da manhã que tinha ido cantar para outra galáxia, ou que sua alma já
viverá noutro ser vivo qualquer.
Oxalá
seja feliz, tão bem tratado, e respeitafdo, como foi aqui na minha casa.
Agora
que foi, como os animais que nos fazem tanta falta, devem ser substituídos
quanto antes para que o amor que temos para dar seja entregue e recebido de
volta; está aberta a guerra da sucessão. Por incrível que possa parecer, mais
ninguém quer um passarinho aqui em casa. As donzelas, uma por não querer de
volta a gaiola que suja, e não aceitar que é minha e eu zelarei por ela, não
tendo que estar sempre um brinco como tudo o resto que por aqui supervisiona,
porque é a casinha de um animal, que suja; outra porque defende que os animais
não nasceram para estarem aprisionados e é contra essa detenção, não compreendendo
que depois de nascidos aqui no nosso ponto do mundo, lhe dou teto, comida, amor,
e de mais não precisam porque é tudo o que queremos; e uma outra porque “EU QUERO
CÁ O RAIO DE OUTRO PÁSSARO A ARMAR UMA BARULHEIRA ESTRIDENTE NO FIM DE SEMANA
QUANDO VENHO, E EU QUERO É DORMIREEEEEEEEEEEE!!!!!!
“Criança
sofre…”, vou pensando, enquanto me faço forte para não vergar, e poder voltar a
estar sentado ao sol, olhando a minha laranjeira da Baía, assistindo ao recital
maravilhoso de canto assobiado, de meu Pelé barítono de penas.
Com
digo sempre de cada vez que se marcha uma alma que quero bem, “que fiques em
paz, entre o esplendor da luz perpétua (que é uma imagem tão em paz), muitos
anos sem nós. Isto porque teremos toda a eternidade pela frente.
Mas
hoje o dia é de choque e perda, não por este motivo que me entristece, mas
sobretudo porque uma alma que vivia num corpo como o nosso, também partiu. Ao
balcão das finanças, vai-se sabendo de tudo em primeira mão; e sempre que há notícias
trágicas, de mortes, multiplicam-se mais rápido que a luz.
Alguém
comentou mas… “será mesmo?”, pensei. Fiz uma chamada para um amigo que está
mais naquela área e sim… o Calças, o nosso quinto Zé António, de 74, já
expirou, também.
47, apenas...
Aqui, numa foto tirada no 2º encontro de quintos, em 2004, no Zé Calha, há 15 anos atrás...
Terias tu 32, ou por aí.
De ti me recordarei sempre assim.
Que
dor, meu Deus… que vida adiada… que existência em falso.
Foi
tão pouco aproveitado...
O
Zé António estava sempre bem disposto, e recordo-me dele a rir-se. A sua vida
foi sempre muito pouco concreta, tendo andado sempre ao sabor dos
acontecimentos. Com poucos estudos, chegou a encontrar abrigo na firma
Sequeira, onde trabalhou muitos anos, e aí ganhou a estabilidade que lhe
permitiu andar na boa vida da qual tanto gostava. Foi um autêntico artista das pegas
nas touradas à vara larga, e o seu nome chegou a ser popular no distrito onde quer
que as havia, porque toda a gente conhecia o Calças.
Sendo
uma figura da vida boémia, também toda a gente conhecia a forma abusadora com
se relacionava com o álcool, ao ponto de ter estado por diversas vezes
internado, e ter sido bem avisado pelos médicos. Muito mais magro, e algo
apático, fez o mais difícil, sobretudo para quem não tem âncoras que o segurem
à vida, como mulher e filhos, ou pelo menos, namorada séria e fixa; e chegou a
deixar de beber. Neste nosso mundo local, pequenino, onde o álcool é o cimento
que une o ambiente masculino, fez o mais extremamente difícil, mas… segundo
soube ultimamente, cedeu. Vergou. E tive conhecimento informalmente, sem
querer, que ia tenho percalços na Associação Humanitária dos Bombeiros
Voluntários de Marvão, à qual tinha tanto orgulho em pertencer, que revelavam
que estava a atingir um ponto de não retorno.
O
meu “Eh, QUINTO!”, como me tratava sempre, já partiu. Com tanta pena minha e de
quem sempre o tentou ajudar, por não ter conseguido evitar que esta espiral de
destruição o levasse ao fim.
Que
descanses em paz, meu velho amigo.
Ao
teu pai, irmã, irmão e demais familiares, envio um forte abraço de
condolências, que tentarei dar amanhã antes de ir para cima, trabalhar.
Até
um dia, querido.
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