terça-feira, 5 de março de 2019

Apresentando… Quico



Este pássaro… enche a minha alma, rejubila a minha vida.

Quando aproveito o carnaval do Costa, e beneficio por ricochete das localidades em Portugal que gozam o entrudo, desfruto a vida e de mim. Como vivo numa terra sem tradição de máscaras, e compreendo que os tempos de grande folia já estão idos, aproveito conforme posso. Acordo a manhã para a preparação para a meia maratona de Lisboa, já de dia 17, e oriento o almoço para as duas infantas, hoje momentaneamente desprovidas de mãe, por estar retida no ofício. Depois do salmão grelhado, do gelado, durante o café e do cigarro, chamo para junto de mim, o meu fiel companheiro, cansado dos já 12 quilómetros que tem nas patas. Aí, resisto à felicidade da requisição, quando se desfaz em carinhos, e insiste em me lamber as orelhas. Este cão tem uma fixação…

Dou-lhe mimos, coço-lhe a cabeça, e regalo-me a cofiar-lhe o pelo tão sedoso e bem tratado, produto da alimentação cuidada. Estamos os dois neste regalo, quando do outro lado do quintal, um barítono dá um recital de encanto e bom gosto. Este pássaro… enche-me!

E nisto penso, e percebo, que nunca cheguei aqui a contar a sua verdadeira história. Muitas vezes tenho episódios por contar, elencados, distribuídos por pastas e listas, mas o tempo é sempre tão pouco e fica sempre tanto por dizer, que passa. Já lhe devo ter tentado fazer largas dezenas de castings, mas vão ficando sempre para depois. De hoje não passa, pensei.

Nesta tarde que tenho livre, em que poderia ver um qualquer filme dos óscares que é sempre o que adoro, prefiro antes escrever, deixar de mim para que no futuro, saibam que eu existi assim. Como o facebook, com todos os atributos que possa ter, nunca deixará de ser uma feira de vaidades, em que qualquer um publica uma coisa qualquer que até pode ter copiado algures, e se perde na espuma dos dias, meto-me aqui, enfiado neste meu cantinho, onde posso ser… sem temer. Onde me sinto bem, à vontade e feliz.

A Alice era ainda muito pequenina. Teria poucos anos. Hoje tem 9, mas então deveria ter 5 ou 6. Que queria ter um passarinho. “Ó filha, se queres, o pai compra”, que se houve coisa que sempre adorei foi animais. A sério. Sobretudo depois daquilo que me aconteceu com o coma, em que passei a dar outro valor à vida. Há algo nos animais que não se explica, como se houvesse um entendimento fora daquilo que é racional e explicável. E lá fomos os dois, caminho de Portalegre, sem ter grande apoio da outra metade que manda na casa, porque o que é, é, e o bicho só servia era para sujar.

Chegados ao hiper… começou a analisá-los com ar cirúrgico, crítico, e, de tanto passarinho lindo que lá havia, pequenino, coloridos, simpáticos, em conta… escolheu logo… o mais caro!

- “Quero, aquele!”, apontando.
- Qual?!?!
- O amarelo!

Ou seja, o canário, que valia mais que dois ou três dos outros juntos.
- Sério? Há ali outros tão bo…
- Tu prometeste que era o que eu queria!
Claro que comprei logo uma gaiola, e mantimentos, maneiras que foi assim um brinquedo… engraçado.

E lá vim no carro todo satisfeito, mas algo em suspense pela receção que teria ao chegar a casa. É que nem sequer fazia a mais menor ideia se um bicho daqueles durava, fazia companhia, valeria a pena.

Digamos que os primeiros tempos de coabitação não foram o esperado. Houve muito amor, muito carinho, muita conversa, muito investimento no ensinamento do bízaro mas… que não produziam grande efeito, ou sequer algum, porque o gajo não miava!


Tornaram-se famosas as aulas de canto eu lhe propiciei. Antes de ir para o serviço trabalhar, quando vinha, e até quando o levava para a sala da lareira, para junto de nós para que estivesse quentinho… até que tive de abandonar porque sujava a sala e… era demais.

Certo dia, no meu sítio do costume (@Pastelaria Caldeira), enquanto bebia uma maravilhosa babosa com uns amigos, queixei-me que o passarinho era muito lindo mas não cantava, o cabrão, assim o batizei, algo, ou muito amolado com a situação.

- “Opá… não canta porque… É UMA PÁSSARA!!!!!!!!!!!!!”, arrematou algum esperto conviva, mais sabedor do assunto que eu.
- “Comássim?!?!?”, interroguei-me, se a bem dizer, perceba que seja um pouco estúpido afirmar isto, porque para se reproduzirem tem de haver um macho, e uma fêmea, claro está! Mas se eu nunca tinha visto o sexo avantajado de um canarão, nem o amojito de uma canarinha, como poderia eu feito parvo, ter decidido no meio de uma gaiola tão grande cheia de aves amarelas iguais esvoaçantes, que queria um pássaro e não uma pássara, porque esses é que cantam? É QUE EU SABIA LÁ!!!!!

Agora que estes é que cantam, compreende-se e tem lógica. Não é novidade em relação a outras raças, nem à dos humanos sequer. Os homens é que têm de dar ao pedal, é que se têm de mostrar, quando as meninas nada mais têm a fazer que aguardar e escolher.

Se houvesse lisura no negócio dos hipers, que não há porque só querem é chular os desgraçados dos empregados que lá andam subjugados por uma míngua, e agora até querem é fazer dos clientes lacaios que carregam as compras e as passam por uma baliza; os gajos não deveriam querer passar gato por lebre, e deveriam pensar nos consumidores, que é o que eles sempre apregoam para aí. Então, na minha opinião, deveriam ter numa gaiola, a pensar em pais incautos como eu, que não são bem completamente estúpidos, mas não percebem patavina do assunto; a dizer ”PÁSSAROS AMARELOS ALGO CAROS QUE CANTAM”, e na outra ao lado, “PÁSSARAS AMARELAS QUE PARECEM IGUAIS MAS NÃO CANTAM UM CHARUTO! SÓ DÃO PARA REPRODUÇÃO! DEPOIS NÃO DIGAM QUE NÃO VOS AVISAMOS!!!”

Assim está bem! Mas não foi nada assim! E nessa conversa de café, percebi que tinha de me mexer para conseguir minorar o erro. Ao balcão, estava lá como tanta vez, o Silva, mais conhecido por Pelé, que sempre foi um lateral aguerrido do Grupo Desportivo Arenense, filho do Pedreirinho da Asseiceira, o grande Ti Manel da Silva. E sobre isto disse:
- Eu crio…

Nisso aí fui rápido a pensar, porque admito que possa parecer por vezes um bocado aparvalhado, mas há merdas em que até eu me supreendo a mim mesmo. E nisto retorqui:
- E trocas?
- Epá…

Nada que umas imperiais e uma amizade antiga, não solidificassem.

- “Epá, ó Silva… tem lá pena de mim… O que é que eu faço com aquele estafermo lá em casa, a engordar-me e a mamar sacas de alpista?!?!? Sem lançar um pio… É um desgosto… A criança olha para ele com ar de choro porque nem ela compreende tanta mudez… (isto aqui foi encenado, e peço desculpa, mas só queria dramatizar e enfatizar o meu mal estar)

- Então levas lá a casa e eu troco-os.

E fez-se LUZ!!!

- Sério?!?! Epá, ó Silva, fico-te imensamente grato para o resto da vida! A consideração eu já tinha por ti, fica agora nuns níveis absolutamente inatingíveis. Epááá que alegria… BEM HAJAS!!!!!
Mas vê lá, que eu não quero que fiques mal! Se vires que eu tenho de dar algum, eu dou, pá! Já paguei bem aquele mas se tu quiseres…

- Não é preciso! Então, se ela vai criar, até me dá jeito.
- Impecável, agora…

E passámos para a outra fase do plano. As miúdas se soubessem, não queriam a troca, claro! Ambos são bichos amarelos, com bico, asas e patas, que comem o mesmo e fazem cocó mas se soubessem que ia trocar o que lá estava em casa há tanto tempo, não quereriam. A Cristina, igual. As mulheres agarram-se às coisas de uma forma…

Então, numa noite em que saí com o Sizzle para o passeio noturno, levei o passarinho às escondidas, e a diferença que fez ao quatro patas ir dar aquela volta depois de jantar com outra companhia que ele pressentia escondida debaixo do pano de limpar o carro. Descemos a azinhaga aqui ao lado da APPACDM e num passinho estávamos junto ao infantário, ao lado da casa do Silva. A troca foi feita na garagem, onde tinha a sua criação, e foi do mais profissional possível. Parecia uma cena de filme. Com poucas palavras, não demorando muito tempo que não me podia atrasar e dar bandeira, fez-se o serviço.

Ao chegar a casa, deixei-o por cima do frigorífico onde costuma dormir, e nada comentei. Nem nesse dia, nem nos que se seguiram, e fui arranjando mentalmente argumentos para o comentário que haveria de chegar.
- Parece que o pássaro…
- O quê?!?!
- Aprendeu a cantar…
- Já não era sem tempo!!! Já gastou muitas senhas de presença nas aulas de canto do Youtube do telefone. E sabia que, ou alinhava, ou ia fora de casa…

Para a primeira vez chegou, mas à medida que o tempo passava, o avolumar das diferenças era cada vez maior e tive de me descobrir a careca.

Não foi gravoso.

Grave foi a estranheza da nova casa para o canária, que sucumbiu passado pouco tempo da transferência.

Por aqui, encantados, graças a Deus. Assim que a Quica deu lugar ao Quico, a alegria nesta casa passou a ser outra! O gajo canta que se desunha!!! Ouve-se ao fundo da rua!!! O canto deste ser vivo entra por mim adentro com uma força que não consigo explicar. Na casa da minha querida  avozinha Joaquina, mãe do meu pai, onde passei grande parte da minha infância antes de haverem por aqui infantários aos quais nunca foi necessário ir, sempre houve canários. Este som faz-me recuar de imediato o meu imaginário a esse tempo tão saudoso e tão bom, dos almoços caseiros e dos lanches, das gemadas feitas com ovos tirados ainda quentes do galinheiro lá de baixo, do quintal. Este canto do canário é amor, ternura, carinho, compreensão e cumplicidade.

E é por isso que tão importante para mim.

Faz-me sentir feliz.


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