domingo, 21 de março de 2021

90 anos de ti, Caly (21 de Março de 2021) - Parabéns!

 



90 anos de ti, Caly (como tu escrevias, quando escrevias… com “y” no final, para dar um toque de modernismo)

 

(suspiro… fundo)

Nem sei bem porque é que faço isto, mas tenho algo dentro de mim que me diz para o fazer. Não sei se será porque me sinto mais próximo de ti, porque sei que há quem leia e se identifique, se será porque me acalma, apazigua, me reconforta, mas a verdade é que me faz sentir melhor, como se tu pudesses ler, se tu pudesses compreender. Enquanto teço estas palavras, com o aquecedor a óleo a dar-me calorzinho nas pernas, nestes dias de sol mas ainda muito frios de Março, parece que estou de volta à tua casa, na Beirã, e aos longos dias que passei sentado à braseira de picão que a avózinha acendia para nos aquecer, contigo, ela e a Maria, a adorarem cada gesto que fazia. Acho que a minha busca incessante por atenção, a necessidade de retorno de afeto, vem daí. “Mal habituado” desde  início.

 

Muitos parabéns, Caly, pelos teus, hoje, 90 anos de vida. 90 anos, hã?!?!? Quem diria que assim haveria de ser? Nunca ninguém nesta família Sobreiro, que eu tivesse sabido, pôde chegar a essa data tão longa. A avózinha e a Ti Bia foram ambas com 86, a ti Mirene com muito menos, o meu pai com 49, menos 41 que tu. Como é isto da vida, hã?

 

O meu grande desgosto é saber-te cá mas… apenas em presença física, como se fosses uma estátua viva daquele ser que nos habituámos a amar tanto. O tal almoço de família em que certamente todos faríamos tudo para estar, não pode ser realizado porque as vítimas do Covid 19, não são só aqueles que infelizmente deixam de respirar, mas também aquelas que sofrem com tudo aquilo que se perdeu à volta, como o ritual do nosso convívio semanal, do qual já há um ano nos vimos privados.





Já há muito tempo que o brilhozinho dos teus olhos se vinha perdendo mas nós, que passamos a vida embrenhados no egoísmo sorvedor dos nossos dias, acho que fomos fazendo com que isso não se notasse, e dificilmente se notava, de facto, porque a Tia Bia, sempre atenta e espevitada, ia sendo a tua muleta que tudo ia amparando. Só quando ela cedeu, e me pediu ajuda dizendo que não se queria separar de ti, mas não conseguia mais sozinha, eu atendi. E foi então, quando te soube entregue e bem cuidada na Santa Casa, ela própria se deixou ir, não nessa noite, mas na outra seguinte.

 


Essa doença marada com um nome de cientista maluco, que pelos relatos da Ti Bia, já tinha assombrado uma familiar nossa mais antiga; é mais uma das que a genética muito provavelmente irá colocar como pedra no meu caminho, e é tão triste porque nos leva o que mais gostamos, e nos deixa cá o invólucro para adorarmos, como se fosse uma saudade eterna em vida.

Quando eu nasci… tinhas tu 42, e sendo o filho do teu irmão mais novo, ao qual levavas 14 anos, caí-te no regaço, na mesma aldeia onde todos viviam, como se fosse ouro sobre azul, não foi?

Solteira, ferida por um desgosto de amor que deixaste em Castelo Branco, com eles os dois a morarem ao fundo da tua rua, e a trabalharem todo o dia, todos os dias, sem creche nem infantário, deste-me o ninho de amor suplente, que muitas vezes se tornou o principal, porque era de noite, estava frio, e se o menino pudesse lá dormir, na tua caminha...

 

Não acredito que hajam preferências à partida, mas a vida e as suas circunstâncias, fazem com que assim aconteçam. O meu irmão Miguel, que nasceu 6 anos depois, quando vocês já estavam na loja, tem uma relação completamente diferente, como é natural. Com os primos, filhos da irmã “’(Pe)Canina”, que sempre viveram na Covilhã, e só estavam contigo 2 ou 3 vezes por ano, também assim teria de ser.



Para quem parte de repente, como foi o caso do meu pai, é um furacão na vida de quem fica, que nunca mais é o mesmo, mas para quem vai, é sempre melhor que seja assim, do que estar preso a uma cama, consciente, a sofrer, a definhar...

O teu caso é diferente, porque graças a Deus encontrámos um lugar na Santa Casa onde não te falta amor, atenção, e muito carinho. Não tenho dúvidas absolutamente nenhumas que são elas, as funcionárias; e eles, todos os profissionais e responsáveis, os principais responsáveis por ainda cá estares rodeada de afetos. Se assim não fosse, nós que todos temos uma vida ocupada, como é que poderíamos?

 

Também é bom que não te apercebas como a tua casinha, o teu quintal que tão bem cuidavas… estão ao abandono, e como aquela que era a nossa Beirã já quase não existe mais. Se não fosse a Anta, e mais um ou outro café, já não haveria nada, comparada com aquela Beirã em alta roda dos anos 80, com muito comboio internacional e de mercadorias, com muitos alfandegários, guardas fiscais, ferroviários, ajudantes despachantes, turistas e crianças da terra, onde a mercearia das manas Sobreiro era um dos pontos de encontro para aquisição de bens, cantina para buchas, bar de copos, e convívio.



Estarás cá, querida, como estamos todos, até que Deus queira. A minha grande tranquilidade é que nessa redoma de vidro onde te encontras, não te falta nada para que te sintas bem tratada e amada, como sempre foste toda a vida.

 

Gostei muito de estar este bocadinho contigo.

 

Beijinho grande, de parabéns do teu,

 

Pedro