quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Ai o Natal... (esse malandro!)

As princesas nos braços do velhinho


O Natal sabe-me sempre a pouco. A muito pouco. A mesmo muito, muito pouquinho.

Anda um gajo durante meses a ser bombardeado com publicidade de toda a maneira e feitio e depois tudo se resume a uma noite e um dia. Cá para mim, o Natal devia de ser uma semana, como os casamentos dos ciganos. Assim, ainda nós não demos por ele, já está a fazer as malas para só voltar para o ano. É pena! Por isso, quando me perguntam “então o Natal? Foi bom?”, eu respondo sempre o mesmo que alguns respondem em relação às férias de Verão, “Foi curto. Passou a correr”.

O Natal deixou-me assim orfão cedo demais para estar preparado para ficar sem ele.

Porque acredito no Natal e em quase tudo o que o Natal nos dá. Acredito no Menino Jasus (e não, não é erro, é mesmo assim) e na história toda sobre o seu nascimento (incluindo o palheiro e o sistema de calefacção à base das narinas dos quadrúpedes); acredito mesmo que há qualquer coisa no ar que faz as pessoas pensarem duas vezes antes de fazerem maldades às outras sem saberem porquê; acredito que é nesta altura que a família se reveste do seu significado mais pleno, acredito que o Natal poderia ser o princípio de muita coisa boa se o soubéssemos aproveitar.

Só não acredito no Pai Natal, mas acredito na Coca-Cola o que significa uma meia-vitória, digo eu.

Sentado no puff, enquanto tentava desbloquear a passagem do jogo dos Simpsons que me tem inviabilizado a utilização da Playstation, o meu irmão comentou a minha minúcia na decoração da mesa da consoada com um “eu não percebo o que é que este gajo vê no Natal. Crescemos na mesma casa e ele saiu assim…”. Eu respondi-lhe que “a diferença é que eu nasci quase 7 anos antes e isso pode significar muita coisa”, porque o segredo do Natal não são as prendas mas sim a nossa capacidade de acreditar mesmo que seja em algo abstracto e eu prefiro acreditar em algo mesmo que seja numa mentira, a não ter nada em que acreditar.

Foi por acreditar que peguei na pequena e me fiz à estrada, caminho de Valência de Alcântara, só para comprar figuritas de mazapan e polvorones e torrões de todos os tipos, cores e tamanhos porque o meu Natal não é Natal sem estas guloseimas que me encantam desde os Natais na casa da avó, quando eu me esgueirava pelo corredor e me enfiava na porta entreaberta da sala para “roubar” as iguarias expostas nos dias antes. Uma delícia!

Neste Natal agradeci a saúde e as presenças mas achei que faltou muita gente (e tu também!) na mesa da minha consoada porque estava repartida por diversos lares. Mais uma vez falhei a promessa de ir ver o lume junto à Igreja (mas estava um frio de rachar e um quentinho tão bom em casa, à lareira); mais uma vez achei que a programação das televisões foi um tiro no pé e mais uma vez achei que comemos mesmo muito e demais.

Quando chegou a altura de dar as prendas, expliquei às pequenas que o Pai Natal me tinha pedido para eu ligar uma luz no telhado para ele saber onde era a minha casa e que tinha de ir verificar se estava tudo a funcionar bem. Mudei de roupa em segundos e meti uma caraça made in China que imitava a sua figura na perfeição. Quando gritei Ho! Ho! Ho! e apareci na porta da sala, o ar de espanto na carinha da Maria como que a dizer “querem ver que é mesmo o gajo!” fez tudo valer a pena. Claro que a Leonor não perdeu um segundo a desmascarar-me e no fim valeu a risada geral. Foi bem!

O que não foi tão bem foi a entrega da prenda. Como tinha tanta ilusão de lhe dar o dvd portátil como o da prima, foi mesmo a primeira a receber o embrulho mas eu estava longe de estar preparado para o “Mas que raio de prenda é esta?!?!?!” quando tirou o papel e não viu um boneco ou um brinquedo, mas a Maria é mesmo assim: se tem a dizer, não perde uma milésima de segundo. De partir o coco a rir!

O dia de Natal foi grande em mesa larga e bem repleta de comensais (obrigado!), mas como os dias agora são tão pequenos, fez-se logo de noite que tecnicamente não é noite de Natal porque essa já tinha sido no dia antes. A noite do dia de Natal é híbrida e está ainda por designar. Teremos que lhe atribuir uma terminologia que ainda está por inventar.

O meu amigo Isaac, director do Jornal Alto Alentejo, convidou-me para escrever um texto sobre o Natal para sair na edição especial e eu disse-lhe que ia pensar nisso mas depois não escrevi nada e não foi só por falta de tempo. Se quisesse, podia escrever um ou dois ou três textos sobre o Natal, mas O meu texto definitivo sobre o Natal já o publiquei na minha outra vida cibernética e custou-me tanto a parir que eu jurei que era assunto encerrado por uns tempos largos. Para quem não frequentava ou não conheceu esta outra encarnação, aqui fica o testemunho que apesar de ser repetido, me soube bem agora recordar. Eu sei que o espaço num jornal vale ouro ao milímetro, eu sei que este está enorme e fico-te grato por o teres então publicado na íntegra. É que cada linha tem uma razão de ser. Pelo menos para mim…

Espero que para alguns de vocês, também. Continuação de Boas Festas!




11º Desabafo - 13 de Dezembro de 2006 – É Natal…



Já que tem mesmo de ser e antes que seja mais difícil, antes que o tempo avance e nos apanhe a todos já bem imbuídos desse espírito que agora todos falam: cá vai a crónica do Natal.



Para mim, nenhuma outra altura do ano personifica tão bem a palavra agridoce, aquela que ao mesmo tempo tem um travo amargo e adocicado, a que é capaz de encerrar em si o veneno e o seu miraculoso antídoto.



O Natal roubaram-mo quando tinha apenas sete anos e um trágico e infeliz golpe do destino se aproveitou para levar a vida de um tio, com quem convivia diariamente desde sempre, no preciso dia em que se comemorava o nascimento do menino. Curiosamente chamava-se Lázaro, mas este, ao contrário do seu homónimo no relato bíblico, jamais voltou pelo seu pé ao mundo dos vivos. Eu sei que muitos de nós cometemos vezes de mais o erro de considerar que as crianças não percebem, não prestam atenção, não captam aquilo que por vezes lhe queremos esconder. Pois esse é o meu bom exemplo do contrário. Apesar de ter então tão poucos anos, e apesar ainda de já tantos terem passado, sei que consigo ainda hoje (sem recurso a qualquer tipo de transe ou manigância esotérica) reconstituir quase ao detalhe, a força demolidora do desnorte e da dor que se seguiu à notícia que chegou por telefone, minutos antes de partirmos para mais uma visita no então Sanatório de Portalegre. Lembro-me dos rostos incrédulos, do choro, da desorientação e de mim, perdido no meio de todo aquele corredor de aflição, olhando para todos à procura de um refúgio, de um porto seguro onde me pudesse abrigar dessa violenta tempestade de afectos que eu nunca antes tinha experimentado. Na noite anterior, já em silêncio e de televisão desligada propositadamente por respeito à fragilidade da situação, escondi-me do mundo num livro de detectives e mistérios chamado “Fantasmas da meia-noite à uma”. Nunca mais o vi.



A partir daí, o Natal dissipou-se, esfumou-se, passou a ser coisa dos outros. E eu, que gostava tanto de subir às rochas para lhe roubar o musgo ainda húmido do orvalho gelado das madrugadas frias de Dezembro; eu que contava os dias para acompanhar o meu pai nessas expedições mato adentro, de machadinha na mão, em busca do pinheiro perfeito; eu que não podia esperar mais pelo dia em que finalmente resgatávamos da despensa a caixa velha de papelão onde hibernavam as figuras do presépio; eu que tanto me divertia a inventar rios das pratas velhas dos chocolates; eu que sabia tão bem como colocar estrategicamente o pastor que ficara maneta num acidente dum Natal anterior, de forma a não se ver a falta da mãozita de loiça… eu, de repente… fiquei sem Natal.



Mas nunca mais me saiu de vista.



Reconquistei-o já depois de casar, na casita de Marvão, quando fizemos pela primeira vez a NOSSA árvore de Natal e a ficamos a admirar, agarradinhos, emocionados no escuro da noite, a ver as luzinhas todas a dançar à nossa volta, com um “jingle bells” de instrumental manhoso a sair titubeante da caixinha de música da loja dos 300 (nessa altura ainda não havia a dos chineses!).



Com a chegada da filhota, o Natal potenciou-se ao expoente máximo e atingiu a sua plenitude mágica. Cresceu e ficou imponente… Iluminou-se e chega agora a todo o mundo como nos reclames da Coca-Cola.



O Natal é a festa da família. No Natal juntamo-nos todos à mesma mesa, comemos demais, bebemos a mais, falamos muito a mais e isso é bom. No Natal fazemos loucuras. No Natal, o país pára, os políticos dão tréguas aos seus pares, os centros comerciais enchem-se e as carteiras esvaziam-se. No Natal, os talões dos multibancos e os saldos dos cartões de crédito não desaparecem mas trazem sempre um sinal de menos antes dos números. Chamem-me o que quiserem, mas eu acredito no Natal. Sim, eu sei, mas acredito! Pode ser dos filmes, pode ser uma banha da cobra qualquer que me venderam mas eu comprei e gosto dela. Há a tal coisa no ar, as caras parecem diferentes, as pessoas ficam mais amigas. No Natal há as azevias, os bolos-reis, as figuritas espanholas de maçapão, o torrão de chocolate e Alicante, as lareiras, as meias nas chaminés, a roupa nova e os perfumes, a alegria louca das crianças em luta com os embrulhos coloridos à procura do seu recheio, muitos doces, o tal concerto do Plácido Domingo, do Carreras e do Pavarotti (e não, não é o burro da Júlio Pinheiro, é o outro, o italiano, o gordito de barbas) pela milésima vez na televisão. No Natal revemos os filmes, os discos e as músicas de Natal que revisitamos com gosto todos os anos e que já fazem parte de nós. Neste Natal, eu vi o brilho de milhares de luzes da árvore que se diz mais alta da Europa, no reflexo dos olhos encantados da minha filha. No Natal vamos à missa do galo dar um beijinho na perninha do menino Jesus e aquecemo-nos no lume junto à porta da Igreja, antes de virmos para casa quentinhos por dentro e por fora. Junto a esse lume, cujos madeiros antes eram recolhidos por novos e velhos em camionetas emprestadas e hoje são apanhados pelos funcionários das Juntas de Freguesia, juntam-se depois os jovens solteiros madrugada dentro, num convívio que já é tradição, e assam chouriços e cacholeiras regadas com vinho e outras mistelas até ao romper de aurora. No outro dia, horas depois, à mesa do almoço do dia de Natal, esses jovens parecem zombies acabadinhos de desenterrar, enjoados e com grandes olheiras, mas os outros adultos não se zangam com eles porque é Natal. No Natal somos todos pessoas melhores porque queremos ser pessoas melhores e prontos, já está!



Mas se o Natal é uma festa de família, no Natal lembramos também aqueles que não a têm, aqueles que não têm Natal porque não podem. Os que trabalham nessa noite, os que não têm dinheiro para o ter, os que sofrem, os que estão doentes, os que vivem nas ruas que os outros pisam apenas, os que são marginalizados, aqueles que não usam isso do Natal, os que estão vacinados contra o Natal, aqueles para quem o dia 25 de Dezembro em nada difere do 25 de Março ou do 25 de Agosto. É um 25 igual a tantos outros. Para esses o Natal não existe. No Natal, lembramos aqueles a quem nunca mais vamos poder ver neste mundo. Lembramos aqueles que nunca mais vamos poder abraçar, beijar, cheirar, tocar ou dizer: amo-te tanto. No Natal apercebemo-nos que há muita coisa que nos falta, que somos seres imperfeitos, que a felicidade é intangível e que no fundo, a nossa grande missão não é viver… é sobreviver.


É por isso que o Natal é um pau de dois bicos. É por isso que temos de desconfiar só um bocadinho dele. O Natal é uma moeda: tem duas caras.



Para mim, a verdade do Natal está naquela história tão linda e tantas vezes contada do carpinteiro da Nazaré, província da Galileia, hoje norte da Palestina, da sua mulher e do seu rebento que segundo as sagradas escrituras, nasceu pobrezinho numa gruta fria onde só o bafo dos animais o podia aquecer, para nos salvar. Sendo ele a figura mais importante da história, aquele que marcou para sempre uma viragem completa no curso dos tempos vindouros, sendo o próprio filho de Deus e o Salvador, poderia ter à sua mercê palácios e terras, as maiores mordomias e riquezas que o mundo tinha para dar. Preferiu antes dar uma tremenda lição de humanismo e humildade, ao escolher entrar no mundo como o mais comum dos comuns dos mortais. As voltas que o nosso mundo dá: hoje, o Vaticano, a sede da Igreja Apostólica Romana, é um estado independente cuja economia é baseada na captação de donativos das comunidades eclesiais pertencentes à Igreja no mundo inteiro; não havendo outro lugar à superfície da terra com tanto valor artístico e intelectual concentrado como o Arquivo Secreto do Vaticano, a Biblioteca Apostólica Vaticana, e os acervos de arte (pintura, escultura e arte sacra) das igrejas romanas. Só o palácio onde reside o Papa tem cinco mil quartos, duzentas salas de espera, vinte e dois pátios, cem gabinetes de leitura, trezentas casas de banho e dezenas de outras dependências destinadas a recepções diplomáticas. Com isto digo tudo e tudo o que demais dissesse seria demais.



Como é Natal e no Natal a gente pede o que quer, o que eu gostava era que o dinheiro, o ouro e demais valores incalculáveis que dormem nesses cofres de Roma, fizessem como a água no seu ciclo e se evaporassem, se condensassem no céu lá bem alto e chovessem ininterruptamente em África e em todos os sítios do mundo onde fazem tanta falta e seriam tão bem aplicados. Pode parecer naif e corriqueiro mas quando se pede, pede-se o que se quer e como agora é Natal, é isto que eu quero: que essa massa se aplicasse na erradicação da fome, na pesquisa e investigação de vacinas para as doenças e problemas que afligem o mundo, que fosse usado para dirimir o sofrimento e aproximar a humanidade, que nesta altura e por culpa do Natal, se apercebe de como é efémera, de como é falível e de que o mais importante mesmo, é ser feliz.



Muito obrigado pela vossa atenção e já agora: Feliz Natal!

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

A maratona dos hospitais


A coisa que eu menos gosto na vida é de estar doente.

Para além da asma crónica que é praticamente a minha doença de estimação e se encontra muito mitigada à custa de tanto desporto, felizmente a coisa não tem passado de umas gripes e constipações. É claro que já experimentei todas aquelas doenças dos miúdos, tipo bexigas e sarampos e afins, coisas que davam algum jeito quando o tempo estava chuvoso e apetecia ficar em casa a ver televisão.

Uma vez tive papeira e aprendi em poucos minutos como os contágios se processam tão rapidamente quando vi o acéfalo do meu irmãozinho que na altura nem chegava ao tampo da mesa, todo contente a comer o chocolate que eu tinha pousado durante minutos para me coçar num sítio qualquer. No dia a seguir, tinha o papo tão inchado que mais parecia um pelicano. Sabem como é esta história dos irmãos mais novos, coitadinhos, ficam todos contentes de usar as coisas dos mais velhos, pensando que assim crescem mais depressa e acho que o meu até ficou orgulhoso de lhe ter pegado a maleita. Não pensam… os pobres.

Graças a Deus não fui apanhado na moda da altura de tirar as amígdalas, fenómeno que estava mesmo muito na berra. Por aqueles tempos devo ter visto algumas ilustrações sobre a medicina na Idade Média e meti na cabeça que as ditas cujas eram sacadas a ferros com um alicate, o que adensava o pânico. A única vantagem era dizerem aos recém-operados que deviam comer muitos gelados. Ainda assim, pesando os prós e os contras, a prudência mandava fugir ao bisturi. O meu melhor amigo de então, o Miguel Barradas, acho que não se escapou, se a memória não me atraiçoa. Lembro-me de o visitar no seu leito de convalescença e pensar que o gajo nunca mais ia ser o mesmo mas ao fim de alguns dias já andávamos cantando e dançando por aqueles canchos fora.

Depois um gajo cresce e apercebe-se que há doenças que matam, o que não é definitivamente nada fixe. Doenças ruins, velhacas como o raio, que nos deixam de todas as cores até ao roxinho final.

Quando estamos doentes ficamos fracos e sem paciência e parece que tudo nos incomoda.

Por acaso, agora que penso nisso, reparo que a minha mãe me dizia que eu era muito piegas e chatinho quando estava doente e acho que a minha mulher também já mo disse. Não concordo nada, mas enfim… sabem como são as mulheres. Primeiro é só miminhos e depois casamo-nos e com o tempo convencem-se que são nossas mães. Disparate!

Esta conversa toda sobre as doenças a propósito do Natal dos Hospitais, esse ícone da nossa história televisiva.

Há dias passei pelo Canal 1, já de noite e vi um bocadinho daquilo e achei aterrador.

Dantes era só umas horitas, mas agora demora dias inteiros e vai noite dentro. Era o programa favorito da minha avó, coitadinha, porque aquilo para ela devia de ser uma espécie de Live Aid dos artistas que ela mais gostava. Mas desconfio que hoje, nem ela aturava uma maçada tão grande.

Na altura em que me liguei, cantava o Fernando Tordo e eu embirro com o homem, peço desculpa. O Fernando Tordo e um convencido e nunca fez mais nada que cantar canções que só quando eram de outros é que eram boas. Andou muito à pala do Ary dos Santos (esse sim, tão genial quanto bêbado e maluco) e ainda está convencido que por ter ido fazer uma tourada à vara larga lá para a Eurovisão, é assim uma grande coisa.

Grande é o Eládio Clímaco e Eng.º Sousa Veloso também o é, e esses ao menos não chateiam ninguém.

Pois o Fernando Tordo lá estava, todo engalanado, de olhos esbugalhados e com ar de engate, a fazer um playback fora de tempo, pensando que assim expurgava os males do mundo.

E deu-me pena daquela malta que é para ali levada com a desculpa que é para os animar.

Pois digo-vos eu que às vezes há pessoas que querem ajudar e não conseguem porque um gajo não está nessa onda.

Alguém alguma vez pensou que a rapaziada que está doente pode não estar com pachorra?

PHONE-IX!

Lembro-me perfeitamente de ver um bacano que deve ter levado uns pontos no rabo ou coisa que o valha e estava de papo para baixo, deitado ao comprido numa marquesa. Cada vez que queria olhar para o artista tinha de fazer um esforço tal para levantar a cremalheira que estava a ver que ainda deslocava algum osso do pescoço e lá mamava mais uns meses internado.

A actuação foi tão má que ainda esperei que começassem a atirar algálias, sacos de soro, fraldas descartáveis, penicos e muletas para o plateau.

O Tordo foi mau e a malta desesperou.

Bem melhor esteve a Mónica Sintra, a senhora que se seguiu. De bombeirinha de 3ª linha a starlette da Música Ligeira foi um saltinho e não está nada má. Isto sim que é louça e pelo menos a malta sempre lavou a vista. Aí já estou de acordo e até aposto que ninguém se lembrou do que ela disse mas não se esqueceu a cor do batôn. Sim senhor.

Uma no cravo, outra na ferradura e veio o Marco Paulo que é mais antigo que a Muralha da China a cantar uma balada melosa daquelas de meter meio mundo a chorar. Sempre esperei que lhe saltasse algum braço ou uma posta de carne das maçãs do rosto. Acho que anda no médico que esbranquiçou o Michael Jackson para que lhe implante umas asas, para se poder deslocar mais rapidamente de Centro em Centro de Saúde. Não será fácil!

Eu gostava de saber quantos de vocês gostavam de estar longe de tudo o que mais querem, com um tubo enfiado num orifício qualquer, a pensar “porquê eu e não outro?” e ter de gramas uma estucha destas.

Vou dar a minha teoria: o Natal dos Hospitais reforçado é uma aposta do Sócrates para acabar com as listas de espera.

É de um gajo fugir!

Por falar nisso, vi num anúncio que na Sexta-Feira vão dar um programa de homenagem ao António Sala. Deve de estar a morrer. De qualquer das formas, vou ver se não me esqueço de não ver.

Não é por nenhuma razão em especial. É apenas porque do Sala quero apenas ficar com as melhores recordações e a última que eu tenho dele foi quando há muitas décadas atrás veio a Santo António dar um espectáculo por alturas do São Marcos que encheu a sala nº 1 do Grupo Desportivo. A dada altura, em plena apoteose, lembrou-se de chamar a esposa para interpretar um tema com ele e quando esta entra com ar vampiroso, de vestido de lantejoulas, o meu colega de 1º balcão, o Bailaradas, já em avançado estado de gestação alcoólica, não conseguiu conter a emoção e gritou a plenos pulmões “ÉS MUITA BOA!”.

Incompreensivelmente, a sala veio a baixo, entre risos e apupos e aquele singelo comentário suscitou uma pronta reacção do agente da autoridade ali destacado (creio que na altura era o nosso Cabo Navalhas) que identificou não só o destabilizador como todos os espectadores nas redondezas, não fosse aquilo um acto premeditado.

Foi assim que eu abri cadastro no SIS. É por isso que eu tenho uma coisinha para resolver com o Sala. E é por isso que não só não vou ver o programa como vou tentar distrair os meus vizinhos e conhecidos para que não vejam também.

Dos tempos dele, prefiro a amiga Olga. Essa sim era uma mulher com classe…

Ah, que saudades…


Notem bem:

1) a pinta da assistência;
2) o estilo do 1º concorrente;
3) a inteligência do 2º concorrente;
4) o ar de espanto da 3ª concorrente;
5) a perspicácia do Euménio. Impagável!

Digno de um Emmy!

Será que eles sabem que é Natal?


Ah colegas, pensavam que me esquecia deste!!!!

Não?

Mas também ninguém se lembrou.

Eh. Eh.

Muito, muito bom.

Aqui é tudo muito “oitentas”. Como se tudo se cristalizasse numa só memória.

Notável, notável mesmo é a tira que então só podia mesmo ser do Bono Vox; “Well tonight thank God it’s them instead of you” (Nesta noite, Graças a Deus são eles, em vez de vocês!).

Uma maravilha!

E sem cábula contei-os assim: Paul Young, Boy George, Phil Collins, George Michael (este gajo anda a perseguir-me!), Simon Le Bon (a cantar na base do mianço, o que é uma coisa extraordinária!), Sting, o bacano dos Spandau Ballet, o Bono (que mais parece aquele gajo do filme da Academia de Polícia que só gritava, acho que era o Zed que vocês podem recordar clicando aqui), o Paul Weller dos Jam, o Midge Ure (e só estou a contar os gajos que cantam), dois que eu não conheço, o Bob Geldof, as Bananarama, os Status Quo, os Kool and the Gang, e muitos outros de cabelo pintado e com tendências sexuais indefinidas. Muito bom!

Sabem porque é que o Freddy Mercury não apareceu? Estava a jogar à bisca lambida com o Jimmy Summerville dos Communards!

Eh. Eh.

Ou será que era Strip Pocker?

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Ela usava, veludo azul...


Não há vez nenhuma que entre num hipermercado, e com isto digo uma coisa assim a sério, tipo de Jumbo para cima, que não tenha a sensação que vou fazer a compra de uma vida, tipo uma coisa que eu quero mesmo muito, a uma preço ultra-incrível.

Sim, sim, eu sei que pode ser influência da publicidade e da televisão e dessas merdas todas, mas isto está de tal maneira enfiado na cachimónia que não consigo evitar uma estranha sensação de que me vai acontecer uma coisa em grande de cada vez que passo nas portas automáticas.

E depois há sempre aquela cena dos livros do Tio Patinhas, do gajo que entrava na loja e era o milionésimo freguês e lhe saía uma ilha no Pacífico ou coisa que o valha.

Se fosse uma pergunta da Prova Geral de Acesso, eu dizia que para mim, hipermercado (dos grandes! onde os empregados repõe os stocks de patins em linha…) é sinónimo de boa compra.

Da última vez, foi mesmo.

Direitinho à prateleira dos dvds, procurei por uma pechincha, algo que merecesse os euros e não é que encontrei aquela obra-prima que persigo há anos?

Por estas alturas, já todos sabem que para mim, o cinema é mesmo a arte maior de todas porque quando é de excelência, casa mesmo os saberes de todas como nenhuma outra.

A felicidade estava escondida no meio de muita tralha, sob a comemoração de 100 anos do cinema, por 9.90€, a brilhar como um diamante na lama, chamando por mim, e dizia a letras douradas, “Veludo Azul”.

“Aaaaahhhhh. Sim, minha jóia preciosa… Vem ao paizinho, para nunca mais saíres da minha prateleira e podermos passar juntos muitas noites na companhia um do outro”.

Sou fã absoluto da obra de David Lynch e creio que nenhum outro realizador influenciou tanto a minha maneira de ver o mundo e o cinema, como ele. Sou dono de praticamente toda a sua produção e este “Veludo Azul” era peça-mestra que faltava no puzzle.

Apesar de terem passado muitos anos desde a primeira vez que o visionei, numa noite longa da RTP, nunca mais me esqueci do profundo impacto que teve em mim e da vontade que tive de o rever de imediato.

Nos documentários que recheiam esta edição especial, surge um Lynch bem mais novo a explicar como a ideia do filme lhe surgiu e como foi amadurecendo ao longo dos anos nos confins da sua mente mirabolante. E que viagem nos preparou…

Depois do reencontro, a mesma dúvida, o mesmo mistério e o mesmo sentido de arrebatamento. Brutal é a palavra para uma obra mais que perfeita. Ali, o domínio da narrativa, os timmings, a gestão das palavras, a genial banda sonora, toda a mise-en-scene é perfeita e inigualável criando um universo onírico que serve de sementeira para todo o legado que se seguiria.

Perturbador e sinistro, “Veludo Azul” é o bilhete para um reino fantasmagórico do qual ninguém sai ileso.

Não me vou armar aqui em linguarudo e desvendar o que quer que seja que possa estragar a surpresa do primeiro impacto, mas tenho que dizer que o mais interessante de tudo é que a acção se passa em Lumberton, USA, mas se podia passar em Santo António das Areias ou qualquer outro lugar pacato, pequeno e normal das redondezas.

Já em Twin Peaks, pequena cidade industrial, também assim era porque o que se trata aqui é o mergulho nessa ténue linha limite que separa o real do irreal, e nos transporta para mundos paralelos com os quais jamais imaginamos sequer sonhar.

Aos nossos olhos, a pacata e sobranceira normalidade de um lugar quase perfeito é quebrada por uma inusitada descoberta que levanta o véu para um vórtice de erotismo, violência e loucura capaz de conduzir qualquer um à paranóia.

Elegia do submundo, queda no lado negro da alma, sem ele, não teríamos toda uma geração de cineastas que ousaram desafiar os limites e elevar o cinema ao pedestal que sempre lhe pertenceu por direito, desde que os irmãos Lumiére assim o sonharam.

E depois, os actores, senhores, os actores… um Dennis Hopper num delírio constante e em registo genial a roçar a perfeição; um Kyle Maclachlan que se revela como actor-fétiche; uma Isabella Rossellini que honra com orgulho as suas raízes cinéfilas (filha da grande Ingrid Bergman e de Roberto Rossellini), uma Laura Dern em plena graça adolescente e um Dean Stockwell que rouba o filme em 5 minutos, numa prestação que marca o início de um voo picado face ao abismo.

Diziam os professores que o homem é um animal social e quando estala o verniz… sai a besta. Este poderia ser o resumo do filme de que vos falo.

E pode o pessoal dizer, “ah, há filmes de terror melhores, há filmes de acção melhores, há thrillers melhores e acho que não gostei”. Cada um é livre de ter a sua opinião. Os filmes do Visconti põe os críticos conceituados a ladrar em duas patas e eu não suporto 5 minutos da seca. Pode haver filmes melhores mas para mim não há. Este está no Olimpo do qual jamais poderá cair. Para sempre entre os 10 primeiros!

No caso de haver interessados. Alugo a 5 euros por hora, sob fiança e com caução do BI.

De repente, o filme entrou e a minha casa ficou mais cheia.

Os videos do meu Natal

Como é Natal e a quadra está mesmo a pedi-las, alguns dos vídeos que estão arquivadinhos na pasta “Best Of”, para todos vocês, com amor, do Tio Sabi…

"Last Christmas" - Wham! Delícia pura. O George Michael com um penteado à Princesa Diana chorando o par de cornos que o amigo lhe espetou. Aqui tudo é idílico. O grupo de compinchas que vai passar o Natal numa estância de Inverno e o rapaz dá por ele em plena mesa de convivas a galar a ex-namorada e a pensar no bem bom de outros tempos. É por essas e por outras que as coisas se dão. Anos depois haveria de ser apanhado a falar ao micro de um polícia numa casa de banho dos States. Já dizia o velho Herodes…




“Little Drummer Boy” - David Bowie e Bing Crosby. Dois crooners topo de gama. O semi-Deus Bowie visita Bing Crosby para juntos interpretarem a história do rapazito que tocou tambor para o Jesus. De fazer chorar as pedras da calçada. Aposto que rodaram umas linhas de coca junto à lareira, no final…




“Mary’s Boychild / Oh My Lord” - Boney M. Os geniais Boney M luzindo toda a sua classe. Pretinhas vestidas de coelhinhos brancos, ou lá o que é, e o preto que eu queria ser se fosse mais escurinho. O que eu dava para ter um penteado assim e saber dançar daquela maneira… Ele há coisas que não têm preço! Não havia baile ou discoteca que eu não falhasse.




“All I Want For Christmas Is You” – Mariah Carey. A Mariah Carey e não consigo dizer mais nada porque cada vez que me lembro dela não consigo passar do decote. Um grande tema, a la Motown e até a imagem desfocada lhe vou perdoar. GGGGRRRAAAUU!




“Merry Christmas, I Don´t Wanna Fight Tonight” – The Ramones. E para fechar com chave de ouro, o grito punk dos Ramones: “Feliz Natal, esta noite não quero brigar”. Os infelizmente já extintos Ramones, mais do que pais do Punk Rock que têm caído redondos que nem tordos. Acho que já só sobra 1. Bem se pode esconder, o rapaz. Feliz Natal e desfrutem!

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Emigrantes


Anteontem de manhã, depois do jogging matinal debaixo de chuva miudinha e furando um nevoeiro 100% natalício, dei a habitual volta ao meu bairro para descomprimir. Tudo isto antes de entrar na Piscina Municipal para quilómetro e meio de estilos. Para o triatlo completo, só faltou mesmo a volta na bicicleta. Já vislumbro os Jogos Olímpicos do próximo ano e sinto, sem qualquer tipo de imodéstia, que para ser a Vanessa Fernandes, para ser invencível nestas modalidades, só me falta o aparelho nos dentes e… outra coisa que agora não interessa nada para o caso.

Nessa volta em que os níveis corporais se restabelecem, enquanto caminhava e observava o bailado da condensação da minha respiração quando encontrava o ar frio da rua, bem na frente dos meus olhos, uma placa despertou-me a atenção. Era uma placa estrategicamente colocada, bem na frontaria de uma vivenda das mais recentes e eu estranhei.

Dizia “VENDE-SE” e a constatação de que era de facto aquilo que dizia, em letras garrafais para que todos pudessem ver, partiu-me o coração.

Não consegui evitar suster a respiração, um longo e profundo suspiro e um sabor amargo na boca que teimava em não sair.

Aquela placa soube-me a derrota.

Porque para além das letras e dos números de telefone, há ali muito mais escrito nas entrelinhas. Há agora uma família onde antes só houve um casal, um jovem casal que atracou neste porto cheio de sonhos e esperanças e agora atirou com a toalha ao chão. Desistiu. Disse basta!

A mina secou. A seara mirrou. Não há mais futuro aqui. É tempo de embalar a trouxa e zarpar.



Há dias, quando incumbido da missão de adquirir os presentes para as crianças, por motivo da festa de Natal da autarquia, tive oportunidade de conhecer o novíssimo Fórum de Castelo Branco. É um espaço muito agradável e moderno, cheio das lojas que a malta agora gosta, onde não falta praticamente nada. È um pequeno Colombo, como lhe chamou a Felicidade, a apenas hora e pouco de distância, mesmo a convidar para o passeio de fim-de-semana. Para ser tão bom como o Colombo, não são lojas que lhe faltam, mas sim a nossa gloriosa catedral a um passinho de distância. Se assim fosse, só faltava o metro de superfície até à minha porta para que não falhasse um joguinho em casa. Era bom era!

No Colombinho também não faltam os “restaurants” da berra, as marisqueiras, os burguers e as pizzas, o leitão da Bairrada e o rodízio. No “nosso”shopping não faltam os estacionamentos, os espaços verdes, as casas de banho com música de fundo e as escadas rolantes. Para mim… está perfeito.

A dada altura, depois de repostos os níveis calóricos, apeteceu mesmo o tal cafezinho. Dirigindo-me ao quiosque mais próximo, bem no “coração” do átrio central, chamo pela menina cujo rosto reconheço de imediato assim que se vira. Era a Cristina, a filha da Maria da Luz, beiranense de gema que conheço desde sempre lá da minha rua e da minha aldeia. Não consegui evitar um “olhá Cristina” sem disfarçar o meu ar de labrego que vem à cidade, que lhe arrancou um sorriso instantâneo nos lábios. É sempre engraçado quando a gente encontra assim alguém sem estar à espera e acho que ela também gostou. Perguntou-me ao que vinha e eu quis saber também dos seus. Disse-me que estava tudo bem, de saúde e “empregadinhos da Silva”. A sua família debatia-se desde há muito com a dificuldade de arranjar um emprego estável e duradouro por estas paragens até que decidiram emigrar. Sim, emigrar, não me enganei no termo porque mais parece que vivem num país diferente do nosso, tão próximo e tão distante. Não conseguiu esconder a satisfação quando me confidenciou que “males” de emprego já não eram com eles. “Eu gosto de estar aqui, a minha mãe está na cozinha da Portugália, o meu pai no Chimarrão e o meu irmão no Burguer King”.
“A sério, eh pá, e eu não o vi lá!”.
“Trabalha por turnos porque anda a estudar à noite. Só entra mais tarde. Mas está muito bem”.

Ainda dei uma volta lá por cima só para cumprimentar o “Chefe António” que há-de ser sempre chefe por ter sido um dos grandes mentores do Agrupamento 659 da Beirã. Quando me viu, sorriu satisfeito e disse-me “comecei ontem mesmo mas já me estou a sair em grande!”, enquanto passeava um espeto enorme com carnes suculentas. Eu respondi-lhe que “não há nada que meta medo a um escuteiro do seu gabarito!” e sei que é bem verdade porque enquanto escuteiros não somos apenas meninos de jarreteiras e lencinho ao pescoço como pensam alguns ingénuos menos informados que passaram ao lado dessa enorme realidade. Nos escuteiros aprendemos também a ser homens e mulheres e a dar sempre um pontapé no prefixo “IM” da palavra “IMPOSSÍVEL”. Ao longo da minha vida, tenho-me lembrado muita vez dessa imagem do escuteiro que tínhamos no “Manual do Lobito”, a chutar para longe a impossibilidade da possibilidade que me tem ajudado a superar muito dos desafios que tenho encontrado no meu percurso. Lembro-me sempre muito de quem muito me ensinou e o Chefe António nisso foi barra. Desde fazer um fogo em pleno mato sem riscos de incêndio, a aprender a guiar-me pelas estrelas, há-de sempre haver cá um cantinho para ele.


Já há dias, quando me desloquei a Évora para uma reunião na CCDRA e optei por um hambúrguer rápido no Mcdonald’s para não chegar atrasado, reconheci de imediato os olhitos verdes que me sorriram detrás do balcão. Era a Maria João Raposo que há-de sempre ser para nós, a Maria João “Salsinha”. Depois de muito por cá passar, reconstruiu o seu futuro e a sua vida com o Zé em Évora, onde ele já trabalhava e onde se sente como peixe na água. A sua cara transparecia um bem-estar tal que não enganava ninguém. Embora de farda e num trabalho que todos sabemos extenuante, transmitia uma onda tão boa, de quem tem o melhor emprego do mundo que até eu fiquei com pena de não ter um chapéu daqueles.

O companheiro felicíssimo por estarem todos juntos e o Fábio que já está mais do que integrado na escola com os novos colegas, contente como nunca. O pequenito Afonso, esse, já se há-de fazer gente naquele ambiente que será sempre o seu e tudo corre bem quando acaba bem.

Disse-me que “lhe custa muito quando volta… ver tudo tão parado… tão velho e na mesma” e eu fiquei com um nó tão grande na garganta que estava capaz de dispensar o sanduíche se não o tivesse já pago.


Em qualquer das duas situações, nas duas cidades vizinhas, fiquei a pensar. Pensar se serei mesmo este bicho raro como me senti, estranho a mim mesmo por insistir em ficar.

Quando acabei o curso regressei convicto, pela minha família, pela minha mulher e pela minha terra. No fundo, regressei por mim também.

Embora voltasse a fazer tudo de novo e mesmo que acredite profundamente que não sou só eu que comando a minha vida por haver tantas forças que não vejo, mas sinto, à minha volta, não consegui evitar sentir-me raro.

Tem-se apostado na habitação e na compra de terrenos.

Cada vez mais acredito, e jamais fugirei à minha quota-parte de responsabilidade, que se não acontecer depressa um milagre que gere empregos, e é melhor que sejam muitos, dentro em breve teremos mil promessas de futuro que se desvanecerão por falta de gente que lhe dê corpo.

E isso dói-me…

tanto.

O amor é…

Antigamente havia uns crominhos que eu adorava que tinham um boneco e uma bonequinha e diziam: “O amor é…” com uma frase que concretizava a ideia e o respectivo desenho a ilustrar.

Na minha versão de 2007, “A felicidade é… deitar-me com ela no puff, à lareira e vermos juntinhos os episódios dos Simpsons que gravei religiosamente em cassetes VHS, durante anos e anos, enquanto lhe leio as legendas que ainda não sabe compreender”.

Afinal, ser feliz, às vezes até é fácil.

sábado, 8 de dezembro de 2007

Lembrando-me de ti...

Numa das tuas festas de anos: Sr. Murta, Zé Pop, Prof. João de Deus, tu ao centro (essa expressão...), eu, a Cali, a Fatinha e a minha mãe.

Num Rallie Paper numa festa da Beirã, vestidos de travecas: Alexandre Novo Almeida, Bela Carita, Manuel Ventura, tu, eu e o meu pai (mostrando a depilação)

Em conversa com uma amiga comum, comentámos que se fosses vivo, cumpririas hoje mais um aniversário. Se ainda fosses do nosso mundo, hoje seria mais um dia grande na Rua Fernando Namora, com festa a condizer.

Ao pensar nisto, pensei também que o tempo passa depressa demais… que parece que foi ontem e já lá vão 4 anos desde que partiste.

Lembrei-me do jantar de homenagem que te fizemos e do texto que escrevi e li para todos nessa noite. Andei a dar voltas aos arquivos e acabei por encontrá-lo.

Na altura fomos muito criticados e incompreendidos. As pessoas não perceberam como pudemos reunir-nos todos a uma mesa para comer e beber e falar de ti. Reconfortou-me pensar então que tu sim sabias porque o fazíamos e certamente concordavas.

Quando li de novo estas palavras, estremeci ao reencontrá-las e por motivo desta data, pareceu-me bem recordá-las, em tua memória,

Amigo Zé.

Que descanses em paz.


"... E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente. Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros. Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram. Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre."

Miguel Sousa Tavares sobre a morte de sua mãe, Sophia de Mello-Breyner


Duro ao rasgar no branco da folha, a saudade de um amigo...

Para mim, o Zé é de sempre. Quando comecei a ter noção das coisas e do que me rodeava, naquela Beirã imensa como um mundo aos olhos de uma criança, repleta de esconderijos e mil lugares místicos, habituei-me a reconhecer aquele vulto rechonchudo que descia as escadinhas da casa dos pais em passo curto, ar atarracado, barba rala, entrando no carro e saindo rua fora.

A primeira memória concreta que tenho dele é numa das suas festas de aniversário, verdadeiros acontecimentos onde enchia a casa de muitos e bons amigos. Eu, miúdo, pelas mãos dos pais, lembro-me de abrir o portão da garagem e sentir uma onda de calor e luz, mesa grande, farta e cheia, bons enchidos e bom vinho que se comemorava o melhor da casa. Lembro-me de espreitar a casinha do lume, território bem masculino, onde as faces dos homens se faziam rosadas, atiçadas pelo calor do lume e dos tintinhos que rodavam. Soavam modas e fadunchos e os convivas celebravam até altas horas.

O Bonachinho tinha sempre uma atenção, um gesto, uma graça. Tinha também um porta-chaves com um berloque de corda com que me martelava a cabeça. Gostava de me agarrar e apertar e ria-se, com aquele risinho curto, quando me via à rasca a correr à sua frente. Habituei-me a ele e era como se fosse mais um da família.

Com o passar dos anos, comecei a acompanhá-lo mais. A mãe dizia que boleias só com a Bela ou com o Bonacho! (porque assim descansava). E eu, os primos Caritas e o Pop, íamos. Para a “Cave” e mais tarde para a “MaluKa”. Lembro-me de uma noite no Renault 5 azul em que gramei os “Mingos e os Samurais” do Rui Veloso todo o caminho. E como sabia que eu não gostava, tocava à exaustão. Lembro-me da música de um trolha da Areosa a que achava muita piada e eu fugia só de ouvir falar. “Ó Zé, fogo, a do trolha é que não!” e ele mostrava os dentes a rir, de olhos fechados, contente por me ver zangado! Era assim. Aposto que se ainda hoje lhe falasse nela, faria o mesmo gesto.

Os gloriosos carnavais no Pedro V (onde até as paredes suavam de tanta folia), as passagens de ano, as festas da Beirã, os Verões no Algarve, as noites do Tabu e a fantástica história do espanhol que pediu licença para tirar jackpot… Histórias e momentos para sempre.

Ultimamente e porque a vida assim o quis, não pude acompanhar tanto quanto desejava, essas épicas caminhadas que o levavam pelos caminhos de Marvão. Ficava com pena de não poder ser mais um no repasto pós-exercício e lamentava-me quando ouvia da boca do Rui e do Banana, os relatos inflamados dos devaneios gastronómicos na Churrasqueira do Sever. Se não ficava com a taça, contentava-me com a medalha de poder pelo menos compartilhar com eles o uísquinho da meia tarde no Poejo, onde falávamos de bola, dos filmes e dos discos que ele tanto gostava. “Grava-me isso, grava-me isso!”. O último para mim foi esse tributo a Kurt Weil que há-de ser sempre um tributo a ti, Zé.

É infelizmente normal, neste tipo de situações, saírem chavões e frases feitas a que quero fugir… mas não me recordo seguramente de uma outra pessoa tão isenta de maldade, tão inocentemente pura e tão em paz consigo mesmo como o Zé. Ainda hoje entro no Poejo e me parece que o hei-de ver ali sentado, a ler o “Expresso” ou a “Bola”, a ver um joguinho da liga inglesa ou à conversa com amigos comuns. Ás vezes parecia-me algo distante, fechado sobre si, só? Não consigo esconder que lamento não o ter visto tão feliz quanto deveria ser, não o ter visto casar, ter filhos e ter acesso a esses preciosos momentos de felicidade que temos os que têm a benção de ter do seu lado a mulher que amam e os filhos que desejam.

Nem que viva mil anos esqueço aquela tarde de sábado no Poejo e o terror lívido estampado na cara de quem ouviu uma notícia impossível. O resto não quero lembrar…

No dia seguinte a ele partir fiz uma opção. Não compareci no funeral e optei por levá-lo comigo à catedral da Luz onde vi jogar o nosso glorioso, conforme estava combinado. Em vez do fim, escolhi um princípio, porque o quero assim, bem vivo e presente na memória e no coração de todos os que o amaram e se sentiram de alguma forma por ele queridos. É por isso que esta reunião de amigos é importante, é por isso que nos devemos sempre reunir e recordá-lo, fazendo aquilo que ele gostava de fazer e aquilo que ele faria se porventura pudesse.

Sei que onde está, está connosco. Espero que a sorrir tranquilo… até sempre, Zé!


O vizinho,

Pedro Alexandre Ereio Lopes Sobreiro

E lembrando-me sobretudo de ti


Uma camila. Uma braseira de picão. Um pente pequenino que trazias sempre contigo. Tardes inteiras a penteares-me com tanto carinho, no aconchego da tua casa e a ouvires as minhas histórias. Um lanche com uma caneca cheinha de Nesquick e chouriço como só tu sabias fritar.


Ou como sinto sempre que ainda tenho 5 anos de cada vez que olho para ti.


Porque para ti ainda não há palavras.


Só um amor que há-de sempre vencer o tempo e o espaço.


1992-12-08

Momentos... de Marvão





Não pertenço definitivamente ao grupo de pessoas que comenta com frequência “ai Marvão é tão bonito e não sei quê mas nós somos de cá e nem reparamos…”.

Eu reparo e muito e esforço-me por reparar e apreciar cada vez mais.

Costumo dizer para mim próprio que ver a paisagem a partir de Marvão é como ver o mar ou olhar para as chamas de uma fogueira. Pode parecer igual para muitos mas a mim não me cansa. Há sempre pormenores, nuances, variações que hipnotizam.

Olhando a paisagem de Marvão, há sempre uma nova roupagem na vegetação, um campo recém-cultivado, uma nuvem com formas curiosas, uma coluna de fumo que sai de uma chaminé, uma luz de um carro que passa, um pormenor que faz tudo parecer tão diferente.

As nuvens e o nevoeiro já foram, por inúmeras vezes, protagonistas de cenários fabulosos e quase irreais, sobretudo quando muito baixos e muito densos, dando a sensação que Marvão era um enorme navio que vagueava perdido num oceano inóspito e deserto.

Já tive diversas oportunidades de assistir a essa maravilha da natureza mas nunca com os contornos do que constatei nesta semana.

Tenho a sorte de trabalhar num dos gabinetes que terá certamente uma das vistas mais impressionantes de Portugal. Reconheço que sou um bafejado pela sorte por não passar os dias enfiado numa cave na Buraca, num apartamento qualquer no Dafundo ou numa loja de uma grande superfície comercial, com dias inteiros sem ver a luz do dia. A mim, basta-me ir à varanda para respirar o ar mais puro e vislumbrar um quadro vivo de valor incalculável: o pico de São Mamede, a Barragem da Apartadura, todo o vale da Aramenha, a Portagem, Campo de Golfe, Escusa, escarpa em frente, Castelo de Vide e às vezes, nos dias mais límpidos, Barragem da Póvoa e Nisa.

Sei que nesta altura do ano, o sol que me bate de frente, se põe precisamente ali ao meu lado, por volta das 17.15h e foi por isso que estranhei tanto que num dia límpido se fizesse, de repente de noite, quase meia-hora antes.

Curioso, desloquei-me à vidraça e o que vi, foi simplesmente assombroso.

Uma nebulosidade de tonalidade púrpura aproximava-se de nós, como se fosse um mar revolto que nos quisesse abalroar. A espessura das nuvens, carregadas, lembrava as ondas na zona de rebentação, prestes a engolir-nos. A estranheza da cena adensava-se pelo facto de por cima de nós reinar um céu completamente limpo quando a escassos quilómetros toda a área estava coberta por esta compacta camada de condensação.

È nestas alturas que lamento não ter tirado o tal curso de fotografia com que sonho há anos, é nestes momentos que me culpo de não ter uma máquina melhor à mão, é nestes momentos que me recrimino por não saber pintar e cristalizar aquele momento para todo o sempre.

Isto foi o que pude arranjar e acho que dá para ilustrar e dar um cheirinho a quem não pode ver in loco.

Eu, não podia perder mais tempo, fui a correr buscar as barbatanas, que a bandeira estava vermelha e a coisa prometia…

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Porque é que não nascem mais portugueses?


Um jingle promocional do programa “Prós e Contras” da RTP1 tem mostrado com insistência o nosso Presidente da República a perguntar: “o que é que é preciso fazer para que nasçam mais portugueses?”.

Eu estava na sala a meter pilhas nos brinquedos que recebeu nos anos.

A mãe perguntou-lhe na cozinha: “Porque é que achas que não nascem mais portugueses, Leonor?”.

Ela respondeu, lacónica, no segundo seguinte: “olha, se calhar é para os pais não terem que os aturar!”.

Qualquer dia, juro que lhe faço um casting caseiro e mando a fita para o Gato Fedorento Júnior.

Era capaz de se safar…

O Conto de Fadas de Nova Iorque

Shane Macgowan - Mítico líder dos Pogues


Para mim a época natalícia só começa verdadeiramente não quando montamos a árvore de Natal, mas quando ouço na rádio o “Fairytale of New York” dos Pogues. Ouvi-o hoje mesmo na RFM.

Para mim, esta é A eterna música de Natal, a maior, a mais brilhante e comovedora de todas, aquela que toca no botãozinho que faz despoletar todo o processo que nos leva direitinhos em estado de graça até ao dia 25.

Os Pogues são uma das minhas paixões de adolescência, daquelas que mesmo que pareçam muito distantes, hão-de sempre estar debaixo da nossa pele. Conheci-os através de uns vinis emprestados pelo meu colega de carteira no primeiro dia de aulas no Liceu de Portalegre, o Chico da Portela.

Lembro-me como se fosse hoje. Para mim foi tudo uma tremenda excitação. O ciclo de Castelo de Vide estava-me a parecer pequeno demais sobretudo depois de ouvir as histórias fantásticas que os meus amigos mais velhos, já alunos em Portalegre, tinham para me contar. As miúdas e as roupas e os discos e os copos e as motas e os carros e um mundo novo à minha espera e ali estava eu já então, sentado à minha sorte numa aula de apresentação, ao lado de um rapazinho com ar de ser mais velho, mais citadino e tremendamente mais aborrecido. Parecia saído de um vídeo dos Smiths, penteando a farta melena a cada segundo que passava, perguntando-me insistentemente quanto tempo faltava para podermos ir embora. Sabia lá eu! Tinha acabado de chegar também! Mas isso não é resposta que se dê quando queremos dar uma de estilo e de cada vez que me perguntava eu sussurrava-lhe um “calma, man. Tá quase!”. Devo-me ter saído de tal maneira bem que no intervalo já éramos amigos.

O Chico vinha de Lisboa. Pais divorciados. Mãe colocada em Portalegre. Uma vida que apesar de curta já era bem conturbada e vivida. Dias depois haveria de trazer debaixo do braço umas rodelas enormes de vinil que me emprestou. Naquele tempo não havia Internet, nem mp3 e emprestar um disco era um acto de grande valia e sinal de uma amizade confiada. Emprestou-me todos os dos Pogues que eram a sua banda favorita, sem pestanejar. Eu à espera de uma grande barulheira e sai-me aquele som genial, puríssimo e muito irlândes, em que a tradição se cruzava com o punk.

Passei a amar, tanto, tanto, até à exaustão. Comi as letras e o som e a magia daquela banda que passou a ser minha para sempre.

Porém, a cereja em cima do bolo ainda estava para vir. Ninguém falava noutra coisa no Liceu. Os Pogues vinham o Portugal para um concerto de estreia no Coliseu. É claro, eu e o Chico desta vez dissemos presente! E nem a Ti Alzira se atreveu a estragar o arranjinho. Fomos no Renault 5 creme da sua mãe e pernoitei com eles no apartamento da Portela, onde vimos à noite o filme “Cat People” com a Nastassja Kinski. Parecia-me tudo um sonho e a cidade tão grande e a emoção do concerto num crescendo tal que me esqueci dos bilhetes na merda do carro quando nos foram levar e a mãe do Chico teve de fazer um contra-relógio da Portela ao Coliseu. Lembrem-se que não havia telemóveis. Tivemos que esperar que a senhora chegasse a casa, mas só depois de encontrarmos uma cabine disponível.

O concerto foi inesquecível. No Coliseu pairava uma nuvem de fumo adocicado e toda a malta dançava nas galerias e corredores. O Shane Macgowan, bebedíssimo como convinha, fez as honras da casa e encantou com o seu swing dançante. Atrás de si, uma deslumbrante máquina de ritmos e melodias que tornou todos os nossos sonhos em realidade.

Podia-vos falar no que veio depois, na viagem de Cacilheiro para o Seixal à 1 da manhã, das palavras escritas na areia frente ao Cais das Colinas, das tantas aventuras que vivemos juntos nessa noite, eu, o Chico, os seus amigos e amigas…

Mas o que interessa mesmo é que os Pogues ficaram, para sempre. Nenhuma outra banda conseguiu casar desta forma perfeita a modernidade e o legado folk.

“Faiytale of New York” é uma canção de amor maldita protagonizada por um bêbado encantador e a sua mal-sucedida amante que não se rendem a nada, a não ser que seja o espírito do Natal. Um encantador dueto agridoce entre dois falhados que emociona até as pedras da calçada.

Integrada no 3º álbum de originais, “If I should fall from Grace with God”, haveria de se tornar num êxito retumbante ao alcançar o nº 1 das tabelas irlandesas e o nº 2 nas britânicas. A voz feminina era suposta ser a de Cait O’Riordan, então baixista e único elemento feminino do grupo, mas as expectativas foram goradas com a sua súbita saída da banda. Haveria de ser Kirsty MacColl, mulher do produtor do álbum, Steve Lillywhite, a levar a avançada em frente, superando as expectativas e rubricando uma performance única.

O estatuto mítico e quase lendário desta canção haveria de chegar gradualmente com o passar dos anos e adensou-se com a morte súbita da intérprete, a 18 de Dezembro de 2000, com apenas 41 anos, vítima de um estúpido acidente com um barco a motor quando fazia mergulho com os filhos no México.

Ao contrário das expectativas indiciadas pela sua carreira etílica, Shane Macgowan tem resistido aos anos.

A música ficará para sempre. Desfrutem-na e quando a ouvirem da próxima vez, lembrem-se que por detrás de uma grande canção, há sempre uma grande história.

Quanto ao Chico da Portela, tempos depois roubou-me a namorada de então e nem desculpa me pediu por me ter partido o coração.

Depois desapareceu. Nunca mais o vi.

Gostava bem de lhe dar um abraço. Se possível, com esta banda sonora.



O Conto de fadas de Nova Iorque
Tradução caseira por Traduções Sabi

Era noite de Natal querida,
Na cela dos bêbados,
Um velho disse-me, não vais ver o próximo,
E depois cantou uma canção,
“O velho e raro whisky da montanha”
Virei a cara,
E sonhei contigo.

Saiu-me um sortudo,
Veio como 1 em 18,
Eu tenho um pressentimento,
Que este ano é para nós dois,
Então Feliz Natal,
Amo-te querida,
E consigo ver tempos melhores,
Em que os nossos sonhos se tornarão realidade.

Eles têm carros grandes como carros,
Têm rios de ouro,
Mas o vento passa por ti,
Isto não é sítio para velhos,
Quando pegaste na minha mão,
Numa fria Noite de Natal,
Prometeste-me que a Brodway estava à minha espera.

Tu eras bonito,
E tu linda,
Rainha de Nova Iorque,
Quando a banda acabou de tocar,
Eles uivaram por mais,
O Sinatra cantava,
Todos os bêbados acompanhavam,
Beijámo-nos numa esquina,
E dançámos noite fora.

E os rapazes do coro da Polícia
Cantavam “A Baía de Galway”
E os sinos tocavam,
Anunciando o Natal.

És um vadio,
És um roto,
És um monte de ferro-velho,
Deitada e quase morta, destilando nessa cama,
És um escumalha, és uma larva,
És um feixe barato de piolhos,
Feliz Natal meu cara de rabo,
Rezo a Deus que seja o nosso último.

Eu podia ter sido alguém,
Bem, isso qualquer um podia,
Tu roubaste-me os meus sonhos,
Quando te encontrei pela primeira vez,
Eu guardei-os comigo querida,
Juntei-os aos meus,
Não consigo realizá-los sozinho,
Eu construí os meus sonhos à tua volta.

E os rapazes do coro da Polícia
Ainda cantavam “A Baía de Galway”
E os sinos tocavam,
Anunciando o Natal.

Digam lá que não é uma maravilha? Ainda hoje me arrepia todo. Feliz Natal!

domingo, 2 de dezembro de 2007

Festival Cigano (ou a depena da águia)


Alguns minutos após o apito final do clássico com o Porto, o meu organismo atingiu uns níveis de azia tamanhos que me deixou a alma a saber a fel.

Eu sei que o Benfica está longe de ser a melhor equipa nacional e que muito dificilmente poderá aspirar a tocar nos calcanhares do estatuto europeu que alcançou na década dourada de 60. Eu admito que não possa ganhar sempre e que há jogos em que é mesmo impossível ficar bem. O que eu não posso admitir de forma alguma, enquanto sócio, é que os jogadores e equipa técnica não saibam estar ao nível da massa associativa e da história do nosso glorioso emblema, sendo perdulários e deitando tudo a perder por pura negligência.

A passividade e a imbecilidade que se instalaram nas nossas hostes neste último dérbi, dão-me vontade de comer o mundo à dentada. Ainda o Quaresma não tinha recebido a bola que haveria de conduzir direitinha para o fundo da baliza e já o Camacho gesticulava junto à linha, de braços abertos, vendo incrédulo como é que alguém se pôde esquecer do cigano sozinho quando a porta da capoeira estava escancarada.

Meus amigos, foi um banho de bola e tanto me dá que os jornalistas e os treinadores de bancada venham amanhã dizer que a segunda parte do Benfica foi menos má. No final, o sabor para mim era de uma pesadíssima derrota, que foi por um mas eu senti que foi por 15 ou 20!

Com esta primeira derrota para o campeonato deixámos abalar de vez o comboio e uma oportunidade de ouro de ficar apenas a 1 ponto do líder. Ficámos assim feitos pategos a vê-los entrar na quadra natalícia com 7 tentos pela frente e com a confortável certeza de dependerem apenas da sua sorte para serem campeões.

Como nestas coisas é importante encontrar o porquê, e sendo eu sócio, sou também um pouquinho dono daquilo tudo (eu gosto de pensar que é de uma manga da camisola do maestro…), aqui deixo a minha visão da coisa.

O principal responsável pelo descalabro é o próprio treinador. A partir de hoje não lhe dou mais hipóteses e vou dizer em todo o lado que o Camacho pode ser muito bom em tudo mas como treinador não vale um corno de um caracol. E ponto final. Então o gajo este, num jogo desta importância, a jogar em casa, vindo moralizado de um empate com o campeão europeu, entra de recuas? A medo? Só com um ponta de lança? Com a equipa de sempre? E depois é cabeçudo e caramelo. Vê que tem unidades em claríssimo contra-pé, com uma dificuldade extrema em entrar no jogo, como foi o caso do Maxi Pereira, do Katsouranis e do próprio Rui Costa (que esteve eternidades sem tocar na bola), e nada fez? Limitou-se a vociferar em castelhano e a ver a tourada de palanque. Uma nódoa! Pode ser muito bom condutor de homens, pode ser mentalmente forte, mas de estratégia não percebe uma beata.

A noiva em termos de responsabilidade é o próprio Nuno Gomes porque o homem está numa miséria, se é que não o foi sempre. Uma autêntica desgraça. Eu não contesto que já tenha feito muitos golos e que não tenha até sido importante em determinadas fases. Sei que é determinado, que não é dos mais parvos e que corre muito mas é ABSOLUTAMENTE inofensivo, trapalhão e azelha e essas coisas todas ruins. Ainda o ponteiro dos minutos não tinha dado uma volta inteira e já ele tinha o destino do jogo na ponta dos pés sem saber ler nem escrever. Enrolado ao seu jeito, espetou um pontapé no infinito que acertou em cheio na figura do Hélton mas que jamais entraria na baliza de tão torto que ia. Se revirem o lance com alguma atenção percebem que bastava uma simulação e um ligeiro toque para a direita para oferecer um golo simples ao Pereira que esperava ao seu lado. E dizem-me alguns “ah, aquilo é tudo muito rápido” e eu digo “balelas! Vejam os passes que fazem os gajos da NBA, de largos metros com a precisão de um centímetro sem quase olhar para o lado e depois digam qualquer coisa!”. Uma vergonha lamentável, um erro de casting tremendo.

O Benfica até nem entrou mal mas com o passar dos minutos, caiu numa letargia tamanha que a derrota só não foi mais pesada porque sabe lá Deus porquê. Até a minha Cristina que duvido que saiba o que é um “fora-de-jogo” comentou comigo a dada altura, “está aqui, está a ser golo do Porto!”. E não é que foi mesmo. O cheiro a golo, antes de o ser, era de tal maneira intenso que fui ver se a traseira da minha televisão não estava a deitar fumo pelas costuras.

O mortífero e ultra-trabalhador Lisandro Lopez já tinha cheirado a baliza numa bola que lhe caiu nos pés à boca da pequena área, mas havia de ser o Mustang, a escassos 4 minutos do intervalo que tanta falta fazia ao Benfica, a assinar a sentença de morte do desafio.

O lance é de génio e repare-se na diferença com o avançado do Benfica, porque nós sabemos, ou pelo menos eu pressenti desde logo que assim que o Lello recebeu a bola naquela descampado todo e partiu de rompante, que o resultado dificilmente seria outro que não aquele que acabou por ser. O homem arranca com uma pujança que mais parecia o cavalo do Bastinhas, faz uma “chicuelina” de partir os rins ao David Luíz e remata certeiro de trivela, com a redondinha a furar entre o pataganho do Luísão e os dedos esticados do nosso Quim, que hoje esteve muito seguro mas ali de nada nos podia valer.



Por muito que me custe aceitar, tenho de reconhecer que foi um lance magnífico e que torna mais do que óbvia a diferença de talentos no relvado.

A segunda parte foi mais simpática para nós, com o Benfica a esboçar uma reacção que só podia ser ténue por não ser sustentada com substituições que legitimassem novas aspirações.

Atente-se na vivacidade e na disponibilidade para marcar quando o Di Maria e o Adu subiram para o palco. O jogo parecia outro! Tivessem os miúdos tido mais tempo e mais confiança técnica na sua frescura, jovialidade e criatividade e o baile seria outro. Mas o espanhol é assim… apesar de o americano facturar quase sempre nos escassos minutos finais em que o deixa jogar, ainda desconfia do rapaz e prefere apostar naquela extravagância bichanesca que é o Nuno Gomes… Paciência.

Como é Natal, o Nosso Senhor ainda nos deu uma abébia de borla do Bruno Alves que deixou o outra vez o Nuno Gomes na cara do golo mas a menina rematou frouxo e pouco colocado e lá ficou o cara de mono do Hélton a rir-se para a banana.

Foram melhores que nós. O Jesualdo é o nosso professor, é Benfiquista e apesar de estar vacinado com a vacina da raiva com que carimbam todas as pessoas que entram para aquela casa de correcção que é também a maior Universidade do país porque entram para lá putas e saem escritoras, deve-lhe ter custado p’ra c*****o ter ganho ao clube do seu coração. Eu sei que é verdade, filho, mesmo que digas que não.

À s vezes criamos mitos que não correspondem de todo à realidade. No outro dia vi na RTP1 uma reportagem que mostrava o ambiente no interior da selecção nacional e gostei do que vi. Admirei a camaradagem e o espírito de equipa e aprendi que muitos daqueles jogadores que nós elevamos ao patamar de intocáveis, não passam de simples miúdos com muito talento. Como é o caso do Quaresma. Habituei-me a vê-lo como um duro, como o mau da fita e não passa de um menino que é “gozado”carinhosamente pelos colegas por não esconder as suas raízes e que brinca saudavelmente com ele próprio também. Não bastava o Jorge Andrade andar sempre a dar-lhe na cabeça com os ciganos, como ele próprio dizia, ao entrar num estabelecimento comercial no Médio Oriente que “ainda não vi aqui nada a vender que os ciganos não vendam lá também”, num lance também ele genial. Espírito de humor e encaixe que só lhe ficam bem.

Hoje gostei de o ver oferecer a sua camisola a uma senhora de idade toda equipada à Benfica que lhe deu dois beijos repenicados. Foi um gesto bonito e só por isso merece.

Quanto ao Benfica, paciência! Há que olhar em frente. Amanhã, levantam-se todos com as galinhas e vão caminho da Ucrânia para o jogo de Terça com o Shaktar que é também ele uma final que é preciso ganhar para continuar a sonhar com a Europa e eu espero muito que consigam para ver se ainda vou durante esta época com a minha canalha a ver o tal joguinho na Catedral depois de comer o tal peixinho em Setúbal com esses expedientes todos.

Deixava apenas uma sugestão para o piloto da viagem de amanhã: quando sobrevoarem os Andes, abra a porra da escotilha e largue a mercadoria que está fora de prazo para ver se damos a vez aos mais novos. Óstia! A ganar!

É nestas noites que olho para a minha filha e penso duas vezes se hei-de continuar a interceder para que seja esta a sua cor clubística. Para sofrer já estou cá eu…