terça-feira, 31 de março de 2009

Diário de bordo de um esquimó - Parte II

Preparativos para a grande jornada...

Directamente de Kuusamo, para todos vocês, o repórter que a meteorologia consagrou: Pekka Ivgany Sabiix!

Como vos tinha adiantado ontem, o programa incluía um passeio na neve pela floresta que tinha um carácter opcional. O grupo mostrou a sua garra e aderiu em pleno a uma experiência verdadeiramente inesquecível e mais do que certamente irrepetível.

Às 18.30h, o nosso simpático motorista de bigode amarelo que apenas sorri e diz que sim com a cabeça, aguardava-nos pacientemente à porta do hotel, com uma pontualidade intocável, prestes a partir para o destino que se situava a cerca de 15 minutos rolando lentamente sobre o gelo acumulado na estrada.

No caminho, conhecemos o atlético e intrépido professor de alemão, que nessa manhã tinha ido à pesca no gelo e “safado a gaita” com 30 e tal exemplares agarradinhos ao anzol, e conhecemos também uma estudante grega que se encontra aqui através de um programa de intercâmbio designado “Leonardo da Vinci”, a pobre, que era tão simpática mas muito envergonhadinha e com um inglês que faria orgulhar o próprio José Sócrates, embora ele seja especialista é do técnico.

Chegados a uma mini estância, artilhámos os pés com umas alpergatas muito esquisitas que eu já conhecia porque uma vez o meu pai ofereceu-me um Action Man (que eu carinhosamente chamava, no meu inglês infantil de Egxerméne, e não é que o gajo acudia?) das neves e tinha umas cenas similares nas palmilhas. Eu escolhi umas do Benfica, obviamente, e que bem que qualquer um fica com aquilo nos pés. Não sei… acho que dá um ar assim profissional. Muniram-nos também de dois cajados só que mais sofisticados e mandaram-nos dar ao pé.

Concurso finlandês para tentar encontrar a moeda perdida

Lindos! Vermelhinhos! Sempre SLB!
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Esta é para meter por cima da lareira, em casa, para impressionar as visitas. Perguntam depois: "na neve, hum?". E eu... "sim, desde os 3 anos de idade que passo todos os Natais em Aspen, esquiando até ficar fartinho... É uma seca, mas que fazer? Estou tão habituado..."


A neve era altíssima, o que dificultava bastante a progressão, o percurso não era mole e a distância deveria de rondar os 3 quilómetros pelo que… não estava mal de todo. O nosso professor de alemão fez inclusivamente o favor de chamar a atenção para uma vegetação específica que apenas nasce nas árvores quando o ar é verdadeiramente puro. Na verdade, é tão genuíno e tão frio que quase corta os pulmões. Limpa, mesmo! Actua como aquele detergente que havia aqui há uns anos para os fogões lá de casa, o Forza. Umas respiradelas deste arzinho e até os pulmões de um fumador com 30 anos de carreira ficam limpinhos. Isto digo eu, claro está.

Fiz um esforço enorme para ver e não para apenas olhar e o que vi e senti durante esta caminhada foi uma experiência quase religiosa, não no sentido da santidade, dos padres, das batas, dos baptismos e dos catecismos, mas no sentido de me sentir ali, numa comunhão perfeita entre o homem e a natureza num estado tão puro, bruto e selvagem como nunca a tinha antes admirado. Aproveitei para fazer um vídeo para que pudesse mais tarde recordar este momento tão precioso se alguma vez os sentidos me traíssem.





Por momentos fiquei ali, sozinho, no meio da neve, a admirar os flocos que caíam suave e poeticamente à minha volta, admirando a quietude que me rodeava, apenas ouvindo a passagem do vento pelos pinheiros. Pensei… como é bonito o mundo… como é preciosa a nossa vida… como temos de fazer um esforço quase diário para nos focarmos e a sabermos apreciar da melhor maneira possível. Ali, no meio do nada, senti tanto que há mais qualquer coisa para além disto tudo…

A meio do percurso perdemo-nos e por segundos imaginei que íamos ficar ali na neve, congelados, talvez atacados por algum urso faminto mas depois deram com o trilho e estragaram o meu divertimento. Mais à frente havia uma pequena ponte e comecei a imaginar quem é que seria o artista a experimentar a queda. Depois de passar a senhora austríaca de mais idade, pensei que íamos todos superar a prova, como nos jogos sem fronteiras e já ia metido noutros pensamentos quando ouvi o barulho de um trambolhão… tinha sido o grego, professor de matemática e uma das figuras mais engraçadas que por aqui andam. É muito discreto, muito silencioso, tem um inglês de pronúncia muito arrastada e dá-me muita graça de verdade. Parece um inspector da polícia disfarçado. Será? No final ainda tivemos oportunidade de sacar umas fotos num igloo e brincar numas casinhas de gelo que por ali estavam. Se a minha Leonor as visse…

O louco do turco a ensinar-me a comer neve.

Vou arranjar um destes...

Regressados ao hotel, o grupo dividiu-se… Após dois dias de convivência, já se notam as diferenças… há a facção do turco, do checo, da romena, dos franceses, dos espanhóis e um grupo mais restrito com as alemãs, o polaco, a holandesa e… eu… que quero moer os dois carrinhos porque gosto de todos e sinceramente sinto que todos eles apreciam a minha presença pelo que… optei por jantar com uns e tomar uma cerveja após com os outros.

Saí com a rapaziada dos Balcãs para uma comida mais económica e rápida que a do hotel. Acabámos numa casa de pizzas no centro da cidade, com um empregado terrivelmente mal-encarado, mas que servia maravilhosamente bem. O contra? Não vendia álcool pelo que tivemos todos de as emborcar com água para tristeza do espanholito que estava deserto de uma canha e do checo que adorava um tinto, nem que fosse de vinho do Porto. Paguei 4 euros e 90 por uma Tropicalia muito bem esgalhada. Sim, senhor!

O grego queria night club mas eu disse-lhe que antes preferia ir para o bar do hotel onde tomei a tal imperial que só há de meio litro, muito choca (que saudades!), mas que deu para matar o bicho. Obviamente que ao falarmos de cerveja, tive de recordar as maravilhosas da minha terra…

Acabei por subir para o quarto pouco depois e só no dia seguinte vim a saber que a noite foi de arromba no quarto da romena. Acho que se meteram lá quase 10, lhe beberam as duas garrafinhas de vinho local, uma de mirto italiano e houve baile e tudo até à 1h.

A minha foi mais tranquila, assistindo ao show do Jimmy Fallon na ABC dobrado em finlandês e acabando de preparar o post que antecede.

Combinações são combinações e às 7 da matina já ia corredor fora a caminho da sauna, para a minha estreia na modalidade. O checo já por lá andava e o turco apareceu pouco depois, à rasca da cabeça… Para quem não pode beber por causa de uma úlcera, não está mal…

Quente...

Para os mais distraídos, a sauna consiste numa sala de 4x3, toda decorada em madeira, onde estão umas pedras que deitam calor como a puta que as pariu. Demais, mesmo. Qual é a estratégia? Duche fresco, 10 minutos de sauna; duche fresco, 10 minutos de sauna; duche fresco, 10 minutos de sauna e por aí fora, podendo ser repetido as vezes que cada um quiser até ficar bem assado, ou ser feito em períodos mais curtos (para os mais fraquinhos), ou maiores (para os mais zangalhões). Qual é o objectivo? Passar calor, emagrecer, relaxar os músculos, ficar bonito.

Esta é uma daquelas actividades em que eu acho horrível haver separação, uma para as mulheres e uma para os homens. Acho que era mais lógico e mais entusiasmante haver apenas uma, para além de ser mais económico e depois, acho muitíssimo abichanado estarem ali assim os homens, quase despidos, no escuro, a suarem que nem cavalos fechados numa gaiola, mas bem…

Como digo, lá entrei meio a medo e a coisa até se levava mais ou menos, até que o maluco do turco começou a dar de beber às pedras, tirando com um caço água que lhes borrifava por cima e aí a coisa esquentou demais. E eu que pensava que aquilo era mesmo para matar a sede à gente… Ainda bem que não me adiantei. Nestas coisas novas… saber esperar é mais virtude do que nunca!

E que bom que aquilo é, opá! Muita bom, mesmo. Primeiro caliente, caliente, caliente… e depois… fresquinho. Aaaaahhhhh. Tão booooom. Se um gajo fosse de vidro estalava todo. Sente-se mesmo assim a carninha a ceder. Muito bom! O Jyrki, vice-director da escola, que me aconselhou a fazê-lo, disse-me que quase todos os lares na Finlândia têm uma sauna em casa e que as famílias a utilizam muito. E eu pensei, quando chegar a Portugal vou dizer à minha Maria que vou fazer uma na garagem. Eu até acho que o Chaparro é gajo para fazer uma igualzinha se eu lhe explicar. Tem de ser é fora do horário de serviço, pagando eu as despesas à parte que isto aqui não é Felgueiras, nem Gondomar, nem Paços de Ferreira, nem Oeiras, nem a residência do 1º Ministro.

Mais quente ainda...

O tempo passou um pouco e o resto já foi tudo a correr para chegar “on schedule” à horinha marcada. Às 9 horas em ponto, lá estávamos nós a entrar na Câmara para sermos oficialmente recebidos pelo Mayor, que recordo é um homem nomeado e não político. Em primeiro lugar deu-nos as boas vindas, depois mostrou-nos um vídeo muito curioso e muito bem feito com a promoção turística de Kuusamo que nos ensinou que “se um não se consegue encontrar aqui em Kuusamo, não se consegue encontrar em mais parte nenhuma do mundo” e que “o silêncio é a música da tua própria alma” e só por isso já valeu a pena estarmos 20 minutos a olhar para o ecrã.
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O edifício que é a sede do município
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O mayor Timo Halonen é um homem simpático, de 45 / 50 anos, meio careca, que nos recebeu muito bem e nos leu um discurso que alguém lhe escreveu num inglês também deficitário. Tenho reparado imenso nisso, que tem sido uma das grandes surpresas desta viagem, o facto de serem muito poucos os finlandeses que entendem e falam bem inglês. Tinha um bocado a ideia que estes gajos eram todos poliglotas mais isto é defeito meu que às vezes sou assim meio saloio.

Confirmou-nos o milhão de turistas por ano, que querem muito mais que 20% do estrangeiro e estão a investir imenso na promoção externa, que Kuusamo já recebeu o prémio de “Cidade do ano” na Finlândia e que chegam a ter 220 dias de neve durante o ano pelo que reclamam para si também o estatuto de estância de ski de excelência, como a cidade de Ruka, situada uns 100 km acima.

Deu-nos um copinho de água ou um de sumo de laranja e estás daqui aviado. Eu, como sou um mãos largas, entreguei a cada colega um flyer em inglês e uma colecção de postais de Marvão e aproveitei a ocasião solene para ofertar dois livros da candidatura a património mundial, um para o município e outro para o departamento de educação, e um “Palavras e Olhares” para a biblioteca escolar dos nossos anfitriões, Pekka e Jyrki, que penso que ficaram felizes. Mais ninguém da comitiva se chegou à frente.

Ouvindo a palestra do Mayor

A foto oficial do grupo

Levando Marvão mais longe

"Palavras e Olhares"
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Dali saímos para a escola primária Kirkkokedon Koulu, onde fomos recebidos pelo director Mr. Marko Kokkila e foi uma emoção enorme ao ver a pequenada a brincar na neve, pelas saudades que já tenho da minha filha e pela emoção de vê-los a saltar por ali no meio de tanto branco. Tão feliz que deveria de ser e o que eu dava para a ver por ali… Can’t have it all!

A escola foi construída durante os anos 60 e tem actualmente 217 alunos e 20 professores. Visitámos algumas salas de aulas, fizemos e respondemos a algumas perguntas mas pareceu-me que a maior parte das salas são muito similares às nossas em Portugal, com muitos desenhos coloridos e trabalhos expostos nas paredes. Os miúdos são adoráveis, todos tão branquinhos, de cabelos claros e olhitos azuis, ar envergonhado… Uma graça. Haviam de ter visto a cara deles quando lhes disse que era de Portugal, a terra do Cristiano Ronaldo. Quem é que o conhece? Todos levantaram o braço menos uma cachopinha que não deve de ver televisão, seguramente...



Em Portugal bebe-se tal e qual



Na sala de Inglês tivemos oportunidade de ver como se combate a distância através das novas tecnologias. A sala onde a professora se encontra tem uma câmara que é orientada através de controlo remoto e através dela consegue leccionar em tempo real em duas outras escolas, uma a 3 km e outra a 20 km, onde os alunos se encontram acompanhados pela professora titular, isto porque estamos a falar de uma disciplina de língua estrangeira. Num ecrã consegue monitorizar as outras salas com um grau de precisão impressionante e o que mais me chamou a atenção é que a tecnologia em causa não me pareceu muito high-tech ou dispendiosa: apenas uma câmara, um computador, uma televisão, um retroprojector e um ecrã com um quadro interactivo onde uma professora escreve do lado de lá e aparece do lado de cá. That’s it! Vê-se bem, ouve-se ainda melhor e não resisti a perguntar se o sistema funciona sempre. Disse-me que sim, que ao início houve alguns ajustes a fazer mas depois a coisa foi ao lugar e agora está… 5 estrelas! Afinadinho! Good!


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Dali saímos para a Nilon Koulu, onde estuda a rapaziada entre os 13 e os 15 e é o 2º ciclo cá do sítio. Seguem depois para a escola do Pekka ou para a parte vocacional. Geralmente levantam-se às 7h, as aulas começam por volta das 8h e terminam às 15h, mas às 11h da manhã já está o refeitório cheio e a chavalada toda a bater com as orelhas na gamela. Ali assistimos a uma explicação dada pela directora, Ms Salma Hamunen, que nos falou de diversos detalhes do funcionamento desta instituição. Ali estão 34 professores, 4 assistentes, 1 assistente social, 1 enfermeira permanente (importante!), 10 pessoas do staff para cozinhas e afins, 2 para limpeza e um segurança.

Os alunos, aqui em número de 365, um para cada dia do ano, são todos de aspecto físico muito nórdico mas nada diferentes dos portugueses na forma de vestir. Muitas longsleeves, muitos casacos com capucho estampados, muitas t-shirts de grupos de rock, muitos lenços palestinianos no pescoço, muito preto, muita pulseira de cabedal, muita sapatilha ténis de cor garrida, muito brinco, muito cabelo comprido… enfim… normal. É a geração MTV, é a globalização.

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Aqui têm aulas do 7º ao 9º e a carga horária compreende as disciplinas de: Finlandês (3 tempos de 45 minutos), Inglês (2T), Sueco (2T), Matemática (3T), Física e Química (2T), Ciências (2T), Saúde (1T), Religião (1T e chega!), História e estudos sociais (2T), Aconselhamento dos alunos (1T), Música (1T), Artes Visuais (1T), Trabalhos Manuais (1T), Educação Física (2T) e a grande novidade de Ciência Doméstica (3T).

E perguntam vocês em coro: “Tio Sabi, mas que raio é essa história da Ciência Doméstica?”.

E eu sento-me na cadeira, sento-vos no meu colinho, sorrio, afago-vos o cabelinho que meto atrás da orelhita e respondo: “pequenada… é simples… A ciência doméstica é… cozinhar! Claro está! Uma sala, um frigorífico cheio de matérias-primas, todos os apetrechos e mais algum e vai de aprender a fazer comer e deixar de ser estroinas. Nada mais correcto, pá, porra que isto é óbvio. Se a alimentação é algo indispensável para a nossa sobrevivência, se já deixámos de comer as coisas cruas desde a Idade do Gelo, se todos gostamos de meter na boca coisinhas boas, mais vale deixarem de ser “colas” e estarem à espera do comerzinho da mamã, vamos mas é aprender onde isso se deve de fazer… na escola! Muito bem! Se fosse assim em Portugal, eu já sabia fazer sopa de olhos e fechados e…

Estes nem um cachorro, quanto mais... Mas bem...

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Passámos por mais algumas salas, tentei interagir com os miúdos mas… nada. Não percebem o Inglês e os professores dizem logo que dessa língua não sabem nada… estranho.

O turco dirigiu-se a mim com ar espantado e veio-me perguntar se eu tenho um olho de cada cor: um azul e um verde… e eu respondi: “parece que sim…”e disse a tirada clássica: “já houve períodos da minha vida em que me fiz valer muito dessa contingência. Hoje… nem por isso”. Resposta do gajo: “demais! Pareces um gato persa!”. Pensei: “Já me chamaram muita coisa mas isso…”. Perspicaz…

Reparei numa conversa informal que o Jyrki, o Vice-Director da escola secundária e a directora desta escola de 2º ciclo não se conheciam. Depois de assistir à sua explicação ele disse-lhe “é uma pena que não falemos mais, eu nem sequer a conhecia…”. E ela: “eu gostava tanto de saber o vosso feedback… o que é que vocês acham das nossas crianças quando vão daqui”. E eu estive para me meter e dizer que nós temos o Conselho Municipal de Educação onde todos reunimos mas depois achei que… naaa. Mas ainda assim: Portugal - 1 x Finlândia – 0. Neste aspecto, claro. De resto… é cabazada!

O Jirki é um homem curioso. É daqui, vive cá, é casado, tem dois miúdos. Viveu durante muitos anos em Inglaterra e depois voltou. Das terras britânicas ficou-lhe a paixão pelo futebol e pelo Liverpool em particular, onde residiu. Tem o apartamento dele de Kuusamo à venda com 3 quartos e claro! sauna, a apenas 5 minutos a pé do centro da cidade por 140 mil euros. Uma pechincha, digo eu. Se alguém estiver interessado, diga qualquer coisa. Dão-se alvíssaras.


O almoço foi na cantina da escola. Purézinho de batata, salada de alface, outra salada gostosa diferente e almôndegas de porco e já arranjaram maneira de o turco ficar de fora outra vez. Estava bom. Gostei e o meu vizinho espanhol também porque repetiu “que te aproveche!”.

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Tivemos uma conversa muito agradável com Mr. Pekka, que parecia o director implacável e se tem revelado um homem com uma inteligência e sensibilidade extremas, embora continue muito circunspecto e sempre, sem perder a compostura. Comentávamos todos que estamos a gostar tanto de tudo ao ponto de pensarmos organizar uma visita ao nosso próprio país, quando nos revelou que teve a ideia da visita quando esteve em Itália, na Sicília, também integrado numa. Nisto disse uma coisa curiosíssima, que foi lá que aprendeu que “o sol é muito importante… é a alegria da própria vida”. Curioso, isto vindo de um homem daqui e ainda por cima como ele.

Nisto falámos nas pontualidades e na forma perfeccionista como têm conseguido gerir o horário ao segundo. Explicou que por aqui é assim mesmo e que quando se está 5 minutos atrasado se tem obrigatoriamente que ligar a pedir desculpa. E disse mais, disse que achava que isso se devia, mais uma vez às condições climatéricas e à forma como influenciam a cultura. “Imaginem antigamente, se dois homens combinavam encontrar-se por aqui. Como está tanto frio, se um demorasse mais de 5 minutos, o outro gelava e ia-se embora. Deve de ser por isso que nos parece uma falta de respeito tão grande chegar atrasado”. Eu concordei e expliquei que em Portugal se dá precisamente o fenómeno contrário: quase ninguém chega a horas e pior que isso, quando uma pessoa chega a tempo, os outros começam logo a pensar que não tem nada para fazer. Nisto o turco decidiu dar a machadada final dizendo que no Egipto há um ditado que diz “se chegares no próprio dia… estás a tempo”. O mundo…

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No corredor passámos pelo ensaio de uma banda de rock escolar. Apresentei-me, disse-lhes que vinha de Portugal, que os tinha visto no You Tube na Internet e que os queria contratar para fazerem a primeira parte dos Metallica em Helsínquia. Deviam de ter visto a cara dos miúdos… estes sim que perceberam, não porque cantassem em inglês mas porque acho que acreditaram nem que fosse por uma milésima de segundo. Eram muito maus. Desafinavam horrores e o professor não conseguia para de rir depois da cena. Disse-lhes “keep on rockin’ boys. You’re gonna be huge!”.

O episódio da renas também foi peculiar. A rapariguinha perguntou-nos: “já viram renas?”. E o turco respondeu: “Dizem que há por aí 12.000 mas nós… nem a primeira”. E ela disse: “Passem pela minha quinta. Lá podem apreciá-las”. O Jirki disse-me ao ouvido: “pergunta-lhe quantas tem”. E ela disse: “ah… não sei bem… nunca conseguimos contá-las… elas fogem durante a contagem…”. E ele sorrindo explicou-me no caminho para o autocarro: “nunca te diria. Se te dissesse quantas eram toda a gente ficaria mal impressionada. Isso é da esfera pessoal de cada um. Nunca se revela quanto dinheiro nós temos”. E eu disse: “epá, isto parece de propósito… no meu país é tal e qual… a maior parte do pessoal adora andar a gabar-se, sobretudo daquilo que não tem, só para parecer maior”. Eu hein…

"Queres ver as minhas renas? Quantas? São muitas! Não sei bem..."

O Trópico de Kuusamo, uma piscina gigantesca com ar de ilha do Caribe

Visitámos ainda a magnífica Casa da Cultura, construída em 1996, onde funcionam um instituto de música, o teatro, o cinema e uma galeria de arte. Ali fomos recebidos pelo Mr. Pekka Pirhonen, que nos apresentou o espaço e nos presenteou no final com um simpático café com bolinhos. Destaco aqui o magnífico auditório com capacidade para 530 lugares e a exposição de fotografia dos 25 anos do término do muro da fronteira com a Rússia. Durante o coffe break, tive oportunidade de conhecer melhor Mr. Pekka, o director da escola secundária e responsável pela visita, que apesar de ter um ar bastante duro e nórdico, me impressionou mais uma vez. Falou-me na família, nas suas duas filhas, e como é difícil ser o único homem da casa. Disse-me que estava sempre a pensar no dia de amanhã e que as preocupações são constantes. No final, tranquilizei-o. Na minha opinião, ele é um homem muito respeitado e um grande líder. Porquê? Porque se preocupa. E isso faz toda a diferença.

Na Casa da Cultura


O magnífico auditório...

A técnica de turismo local. A minha Cris é bem mais bonita... Foge...
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Dali partimos para o Hannu Hatala Nature Photo Center, assim denominado em homenagem ao grande fotógrafo da natureza que reside há mais de 30 anos em Kuusamo e tem mais de 40 livros publicados, com recurso a mais de 1.5 milhões de slides. Impressionante!

Ali apreciámos os seus trabalhos, ali desfrutamos dos últimos gritos da tecnologia em termos de imagem, ali assistimos a um enternecedor documentário sobre o autor e a sua visão da região, da natureza e do mundo, ali estivemos realmente bem.

Percebi claramente que para se ter um profissão deste género tem de saber mesmo muito sobre o mundo animal e vegetal das redondezas e achei realmente comovente ouvir da boca deste mito finlandês que todas as fotografias são más interpretações da realidade, que é sempre muito mais encantadora. Bonito…

O craque da fotografia local, Hannu. As pessoas perguntam-lhe: "quando é que fazes hannus?".

Aprendendo com o painel interactivo

Simples mas prático e apelativo
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Aprendi finalmente, e com esta termino o extenso e vasto relatório para os meus amigos, esclarecendo a questão da duração dos dias e das noites neste país com a ajuda da nossa simpática guia. Então é assim: o dia mais curto é o dia 22 de Dezembro que tem apenas cerca de meia hora de sol por volta da uma da tarde. Depois os dias vão aumentando progressivamente e em Junho o sol nunca desaparece, quando muito fica como se estivesse a pôr, e nunca há noites, uma vez que não consegue passar a linha do horizonte de tão próximos que estamos dos pólos. Durante a Primavera e o Outono, como agora, os dias são quase como no sul da Europa, das 7h da manhã até às 8 h da noite.

Esclarecidos?

Obrigadinho,

Muitos beijinhos que farto-me de trabalhar mas eu sei que gostam de ler e eu adoro escrever para vocês. Como disse há pouco aos meus novos amigos: “writing just me makes me feel alive. It’s the thing that I really, really enjoy to do in live”. “ Oh surelly?”, disseram eles. “You should write a book, then…”. E eu respondi “maybe someday I’ll try it. I’m just looking for a really good story”.

Vão para dentro que está frio.

Beijinhos…
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PS: São 2 e meia da manhã... e eu nisto... e tudo dorme...


segunda-feira, 30 de março de 2009

Diário de bordo de um esquimó

Não sei porquê mas sempre pensei que o céu deve de ser qualquer coisa parecida com isto

Hei jätkät! (Alô rapaziada!)

Há quanto tempo… ou nem por isso.

Para quem não esteja a ver bem a coisa, é assim: neste preciso momento encontro-me a 40 quilómetros da fronteira com a Rússia e a apenas 400 km do pólo norte. Fresquinho, ãh? Maravilha!

O dia de ontem foi uma autêntica montanha-russa que começou às 4 da manhã e só terminou por volta das nove da noite (hora local, mais duas que em Portugal), ou seja 17 horas depois, após muitos milhares de quilómetros percorridos primeiro de carro e depois em dois voos consecutivos, um para Helsínquia e outro local para Kuusamo, esta belíssima localidade.

Isto é tudo mais ou menos como eu tinha pensado só que muito mais frio, obviamente, que não há quem explique isto de forma inteligível. Só sentindo na pele, mesmo!
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Frio... tenham muito frio...

Eu assim que tiro os pés do chão, sobem-me logo as bolinhas ao pescoço e até nem me posso queixar dos voos que foram, gracíssimas a Deus, bastante tranquilos. Lá no alto, brilha um sol radioso sobre um manto muito espesso de nuvens que parecem feitas de algodão doce. Deu-me vontade de ir para lá brincar com a minha Leonor, aos pulos e cambalhotas e até às dentadas a elas, se fossem mesmo feitas de açúcar. Assim que a altitude baixa e os ouvidos se comprimem da pressão, descobrimos que esta terra tem uma cor: cinzento. Toda a atmosfera é cinzenta, fria e fechada. Kuusamo é uma cidade cercada por lagos gelados e a sensação que se tem quando se entra em contacto com este ambiente é a mesma que quando entramos naquelas enormes arcas frigoríficas como há nos hotéis. É de suster a respiração…

Está situada a 802 quilómetros da capital Helsínquia, na província de Oulu, com uma área total de 5.809 km2, 900 dos quais são água. Sabendo que na Finlândia existem actualmente 5.3 milhões de habitantes, por aqui há cerca de 17.000, em números redondos, o que não deixa de ser um número simpático para um dos pólos turísticos mais importantes do país pela sua associação aos desportos de Inverno e à suas condições climáticas. Escusado será dizer portanto que o Turismo é a actividade principal, o que não significa que não exista indústria, sobretudo ligada às madeiras. Da caça e da pesca já vivem muito poucos e esta não é a única semelhança com Portugal. Já ouvi diversas vezes por aqui repetir que o interior está cada vez mais desertificado, que os nascimentos são cada vez menos, as mortes cada vez mais e sendo assim, a população está cada vez mais envelhecida.
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Gelo... tanto gelo...

Fiquei feliz ao ver a minha mala, que me garantiram que iria ser encaminhada directamente, e apanho um táxi conduzido por uma velhota de peruca, benza-a Deus, que não dizia uma única palavra em Inglês, apenas se ria e emitia uns sussurros que não consegui decifrar. Pensei, isto está giro, está...

A estrada estava geladíssima e enquanto repetia para mim próprio em silêncio, “metes-te em cada uma…”, ia reparando em como tudo à volta é tão diferente da minha (nossa terra). As casas são pequeníssimas, os telhados muito inclinados, a escuridão total e isto é tudo assim tão… esquisito.

Fiquei ainda mais feliz por ter chegado ao hotel com uma pontualidade praticamente britânica, 10 minutos antes do encontro com os nossos anfitriões e ainda tive tempo de levar a bagagem ao quarto. Calhou-me o 431 de um hotel enorme com 3 grandes blocos de apartamentos, restaurante, bar, sauna e piscina que isto de mamarem 93 euros por noite sem direito a companhia para nos ler uma historinha antes de dormir e só com pequeno-almoço, não pode ser por menos.
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Os modestos aposentos do escriba e viajante

Os primeiros momentos do grupo são sempre tão quentinhos como a temperatura lá fora. Há sempre aquela medição, aquela análise, o estudo entre as partes mas o conjunto pareceu-me verdadeiramente interessante. Temos aqui um pouco de tudo o que é a Europa e no fundo, o espelho de diversas culturas. Destacou-se um turco muito engraçado que fala pelos cotovelos e se fartou de lamentar a perda do casaco no autocarro. Mas temos também uma italiana que quase não percebe uma palavra de inglês, um grego com quem falei obviamente do Katsouranis e logo dois franceses e dois espanhóis que são como os GNRs e andam sempre aos pares, uma romena, uma austríaca e uma holandesa. Acho que está bem.

Pedi um cerveja que neste país são praticamente de litro, o que me pareceu francamente bem e muito melhor que em Portugal. Sempre escusa o empregado de andar para trás e para a frente. No pratinho tínhamos 3 caralhotes, 3 carapauzinhos assim daqueles que no Bairro Alto se comem com arroz de tomate acompanhado de um copanázio de tinto a martelo; uns pedacinhos de queijo, umas ervinhas para dar cor, umas amoras de não sei quê e umas rodelas de chouriço de veado e eu disse chouriço de veado, não disse que comi o chouriço do veado, vamos lá a ver se nos entendemos!


Branquinho...
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Falámos dos nosso países, fartei-me obviamente de vender Marvão, “um dos locais mais bonitos de Portugal, da Península, da Europa, do mundo e acho que até do universo, não contando o espaço sideral”. Quem achou muita piada a isto foi o espanhol que disse a seguir que era de Cuenca, sítio Património da Humanidade e meteu-se-me um nó na garganta que nem vos falo. Até me engasguei! Avancemos!

A conversa estava animada mas a rapariga disse que eram 23 horas e queria fechar e eu pensei para comigo “a fecharem tão cedo, nem os bêbados podem fazer carreira. Como é que eles não se hão-de gabar de a malta aqui se portar tão bem… a fechar a esta hora…”.

A noite de sono foi assim uma experiência quase que divinal e até acordei bem dispostinho. Banhinho bom com água quente, pequeno almoço farto e repleto de coisinhas boas e esta malta aqui não brinca com os horários. É às 9h, é às 9h! Quem chegar atrasado, ou bate com o nariz na porta ou vai a pé. Tal e qual como em Portugal. Eu cumpri!
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O bar do hotel. Nice...

Seguimos directos para a Kuusamo Upper Secondary School, o liceu cá do sítio, inaugurado hà 8 anos e ainda dentro do prazo de garantia, portanto, onde foi realizada a abertura oficial da visita. O frio era de rachar e assim que entrámos dou com uma das grandes inovações cá do sítio: como o gelo é tão agreste na rua e as casas estão tão quentes devido ao aquecimento central, têm um Toimisto, um cabide colectivo onde o pessoal deixa todos os casacos. Se isto fosse lá no meu Portugal devia de ser engraçado… já estou a imaginar os putos à porrada porque um vestiu o casaco novo do outro e chora a dizer que foi a madrinha que lho deu no Natal. Coisas de gente muito à frente. No auditório tivemos o prazer de se recebidos pelo Sr. Erkki Hämäläinen, Director do Departamento Educacional e homem forte da educação, como de resto já vão perceber, que nos apresentou o sistema escolar de Kuusamo.

Auto-retrato com a mão congelada

Os cachopinhos a irem de bicicleta para a escolinha. Bucólico...

Parece a capa de um disco dos Joy Division

Em termos de organização dos serviços públicos, o Municipal Council é uma espécie de parlamento composto por 43 elementos que define as grandes estratégias do município. O Municipal Board é de carácter mais executivo e o Mayor não é um político mas antes uma profissão de alguém que é designado. A Central Administration realiza a gestão diária e económica, com a ajuda do Management Group. Existem depois 3 comités específicos, uma para a saúde e acção social; outro para as questões técnicas e outro para a educação e é aqui que manda o nosso amigo Erkki.

O Local council é eleito em cada 4 anos (como em Portugal) mas os municípios são aqui muito mais independentes e consequentemente, são autoridades locais com muito mais responsabilidades. São os municípios que garantem todos os serviços mais importantes incluindo a segurança e o planeamento territorial. O modelo de sucesso resume-se em duas palavras: Gestão de proximidade.

Diz o Mr. Erkki, que na Finlândia os professores são muito importantes, uma parte preciosa da sociedade sem a qual não funciona a engrenagem de todo o processo. Os professores são muito populares entre os jovens e têm um estatuto ímpar no meio em que vivem. Na Finlândia, a educação está completamente separada da política e os pais e a escola estão sempre do mesmo lado, formando um bloco, numa colaboração permanente com a sociedade. De resto, a educação até é homogénea em todo o país, é gratuita e trata os alunos de forma igualitária. As escolas são locais intocáveis onde o respeito é palavra de ordem. Se eu lhes dissesse que li ontem no Expresso que há professores que só entram para a sala de aula em alguns bairros de Lisboa se forem escoltados… (mas não disse… custa!).

Em termos de patamares, o sistema é similar: há o ensino pré-escolar, primário, secundário, nas duas vertentes (normal e profissional), os politécnicos e as universidades (aqui em Oulu e Lapland).

E onde é que eles vão ver do dinheiro para isso tudo?, perguntam vocês e bem. A resposta é óbvia: criando impostos que permitam suportar tudo isto, sim, porque estas pessoas compreendem que aquilo que pagam de impostos é para o bem de todos, é para os serviços de que todos usufruem e acham que essa é uma obrigação social que devem respeitar sem sequer pestanejar. Mas vocês agora podiam dizer-me que estas pessoas não têm que lidar com a injustiça de atribuições de rendimentos mínimos garantidos a quem deles não precisam e não têm de aturar extravagâncias como novos aeroportos só por birra e tvgs para agradar aos amigos e aos lobbys. Eu aí tinha de me calar. Obviamente.

As autoridades locais financiam os serviços com base nos impostos que cobram mas também com recurso às vitais transferências estatais e às vendas. O orçamento geral de Kuusamo é de 117 milhões de euros (2009), sendo 11 milhões de receitas geradas por investimentos, 44 milhões de taxas e impostos, e 39 milhões vindos de procedência central.

O Comité da educação, do qual o Mr. Erkki é o director, tem 3 grandes áreas de administração: uma destinada às crianças e ao apoio aos familiares em condições problemáticas (55% das crianças estão em creches), que contempla também as maternidades, o aconselhamento familiar, as orientações infantis, os serviços sócio-infantis e o children’s day care; uma área dedicada aos serviços educacionais que engloba as escolas primárias (comprehensive schools), as secundárias (upper secondary schools), os institutos de música, a escola de artes, o colégio aberto e a escola profissional; e uma última área dedicada à casa da cultura, à biblioteca, aprendizagem de ski e outros actividade culturais.

O orçamento global ronda os 33 milhões de euros para 430 empregados e 230 professores.

Mr. Erkki na sua apresentação. Ao fundo, Mr. Pekka Manninen, director da escola.

Uma das minhas colegas quis saber se cada professor ganha o mesmo trabalhando num sítio ou noutro e o Mr. Eikke disse que isso está tudo tabelado. Eu quis mesmo saber é de que forma se processam os concursos de professores que agora estão tão na berra em solo luso e o homem revelou-me de forma singela todo o seu poder: é ele que os escolhe. Ele, que é quem está à frente de todo o processo, com a ajuda dos directores das escolas, é que escolhe os profissionais que quer para os seus filhos. Depois o critério é só um: se é bom, fica. Se não é bom, vai. Cunhas? Não há! As cunhas não resultam e se for por aí, os pais queixam-se e a primeira cabeça a rolar é a sua. Simples, não?

Conclusão dita por ele mesmo, “já viram que somos tão diferentes, vivemos tão longe uns dos outros, mas os nossos problemas, as nossas preocupações são tão parecidas?… no fundo, queremos todos o mesmo: queremos sucesso… queremos ser felizes”.

Após as perguntas e respostas todos se apresentaram e eu não percebi porque é que se riram quando eu disse que eu era o único político presente. Realmente, a classe está muito mal vista e não é só em Portugal. Temos de rever isto…

De visita à escola, damos com umas instalações belíssimas, ultra-modernas, com tudo o que há de bom e do melhor. A arquitectura é nórdica, o aquecimento é central, a Internet é wireless e aquilo mais parece um hotel para jovens que outra coisa. Nem sequer falta uma mesa de matraquilhos!

O bar no hall de entrada da escola

Giz já não se utiliza. Quando muito um quadro branco com canetas apropriadas que aqui já é coisa antiga. Mas o que está a dar são os quadros interactivos que o professor tem em cima da mesa. O que lá escreve é reproduzido no quadro através de um retroprojector minúsculo e ultra-potente que também pode ser ligado a um portátil. Um em cada sala. Luxo!
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O moderno sistema de projecção

Simples, sóbrio e elegante. Estilo finlandês...

Este vou levá-lo comigo para me fazer companhia. É o Iordanov!

Disse-lhe: "Nós também temos um parecido na Malcata. Está em vias de extinção. Mas tem as pernas mais curtas". E ele responde-me: "Devem de provir do mesmo ramo. Este tem as pernas mais altas por causa da neve. É a genética... o ser vivo adapta-se a tudo...". E eu pensei: "porra! mas estes gajos sabem tudo?". E nisto fui mau. Olhei para o nome do bicho e disse-lhe: "Sabes que o melhor comentador de futebol português também se chama Gabriel Ilves?". E ele: "Não...". E eu sorri e pensei para comigo: "claro que não podias saber... mas eu fiquei tão mais bem disposto...".


De visita às salas de aula, reparo que a rapaziada deixa os sapatos à porta e pergunto: “mas isto é porquê? Estão a ter ginástica?”. Resposta do Vice-Director da escola: “não. Esta é uma medida amiga do ambiente. Na semana em que estamos em exames, os alunos descalçam-se para não sujarem as salas, que assim ficam menos poluídas, necessitam ser menos limpas, gasta-se menos detergente e protege-se o ambiente”. Tentei fechar a boca para não ficar com ar ainda mais aparvalhado e prometi a mim mesmo que da próxima vez vou penar duas vezes antes de perguntar seja o que for. Foge!

Fui aprendendo mais coisas: as avaliações aqui vão de 4 a 10 e para se entrar nesta escola o mínimo que têm de ter é 7 pelo que burros, não há de certeza. O ano lectivo tem 5 períodos diferentes de 7 semanas, 6 são de aulas e um é de exames.

Os alunos vão à escola apenas 3 vezes por semana num períodos de 75 minutos. Aposto que a chavalada em Portugal concorda com esta medida de certeza e já! As aulas acabam em Maio e têm dois meses e meio de férias.

Seja amigo do ambiente. Vá descalço para o emprego!

O Vice-Director da Escola, Mr. Jyrki Matila, o turco Ahmet ao fundo, Mr. Erkki, Mr. Pekka, o director da escola profissional e Inge, a ruiva holandesa.

Adorei esta. Achei poético... Diz:

"Os professores são heróis.
Os professores são cheios de paciência.
Os professores nunca desistem e não te vão deixar desistir também.
Os professores levam os alunos a sério.
OS professores preocupam-se durante o sono.
Os professores vêem o génio em cada desenho, poema ou ensaio.
Os professores fazem sentir-te importante.
Os professores ajudam a salvar a terra.
Uma imaginação a todo o tempo.
Os professores nunca envelhecem.
Os professores ficam famosos nas mentes dos seus alunos para sempre".

Este está com carinha de quem vai chumbar. E lá o do fundo parece o Jimbo Jones dos Simpsons. O meu irmão já foi assim.

Lindos! Tantos?

Passámos pelo refeitório onde comiam alunos de duas escolas, desta e da escola profissional que está situada ao lado, num total de 900 bocas. Os almoços são servidos entre as 10.30h e as 12.30h, cedinho, portanto. Se fosse no meu país, a esta hora, dava para verem a Praça da Alegria enquanto comiam a sopinha.
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Panorâmica do refeitório. Estava lá um punk muito engraçado mas eu não o quis importunar. Estava capaz de lhe sacar uma foto.

Fomos então conhecer a escola profissional, pela mão do seu director, que nos mostrou a parte técnica do curso de fotografia, a parte da carpintaria, electricidade, construção civil, mecânica, cabeleireiro e outras mais. As coisas que aqui são produzidas são vendidas e o restaurante onde almoçámos foi precisamente construído por eles. Nesse estabelecimento, de nome Rosmariini (Rosarinho em Finlandês, portanto) pudemos apreciar a comida feita pelos alunos do curso de cozinha, servida pelos alunos do curso de empregados de mesa. Tudo numa perspectiva de gerar dinheiro. Prática. Inteligente.
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Nesta escola profissional constroem-se coisas.

Apesar do frio toda a gente anda de bicicleta.
O Arlindo aqui safava-se...

Passámos na aula de assistentes de enfermagem... de batinhas...

No restaurante fiquei ao lado do Mr. Eikke e tive oportunidade de trocar com ele mais algumas informações e saber mais sobre a Finlândia. A saber: o horário de trabalho normal é entre as 8h e as 4h da tarde com uma hora de almoço e duas pausas para café; na Finlândia não há vinho e o que há é importado e caríssimo; há neve de Setembro até Julho; a gasolina é muito cara e os carros também… o seu Peugeot a diesel custou-lhe 35 mil euros.

Depois de barbear a saladinha que me puseram à frente, diz-me a cachopinha para escolher do menu e eu fico a olhar para aquilo com ar de abestunta. Como não sou dos mais parvos, pedi ao director que me recomendasse um prato típico e o homem, embevecido pela confiança, propõe-me um Ruohosipulituorejuustolla täytettyjä siikarulli. E eu respondo: “meu estimado, eu não escolheria melhor”. Ele perguntou: “what?” e eu disse: “concordo perfeitamente” desta vez em inglês, claro. Estava bom, o peixinho. Isto de ter larica tem porras!

Afinal era um peixinho. Estava bom, pá! Faltou foi o tal tintinho... Ai que saudades...

Quando chegar vou a Vendas Novas comer uma sopa de couve com feijão e duas bifanas e uma... vá... duas médias! Ai eu, sou tão portuguesinho...

Quis ficar com uma foto das cozinheiras. Envergonharam-se... as tontas...


Saímos directos par um autocarro onde nos aguardava um guia zarolho e de cabelo pelos ombros que se propôs a fazer uma tour guide by the city em meia hora. Coisas interessantes que o homem sabe:…
- Chamou à cidade (apenas desde 2000) o “paraíso branco”;
- Disse que no centro vivem 12.000 habitantes, mais ou menos o número de renas que existem na região;
- Explicou que em Kuusamo não há ruas, apenas estradas e isto deve-se ao facto da cidade ter sido queimada pelos alemães quando a abandonaram após a segunda guerra mundial, em 1945. As tropas germânicas estiveram por cá 3 anos, os soviéticos após estiveram 3 meses e a coisa ficou um caos. É por isso que não há edifícios antigos, nem centro… porque os cabrões decidiram fazer um churrasco antes de abalarem. A cidade que hoje existe surgiu após, nos anos, 60, 70, 80 e até aos nossos dias;
- Explicou que o símbolo da cidade é uma rena com fundo vermelho;
- Disse que a religião maioritária é a Luterana e que a igreja existente já é a terceira que construíram. As outras foram abaixo. Esta tem 3 sinos. Vá lá, vá lá!
- Kuusamo recebe 1 milhão de turistas por ano (tantos?) e tem 26 mil camas disponíveis. 80% dos visitantes são finlandeses e 20% de lá de fora. Isto para além de ter 5 rios, correndo cada um em sua direcção (como? Cala-te!).
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A Tundra em todo o seu esplendor
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Onde vais? Vou à Óptika!

A casinha típica

A casinha de Deus que aqui chama-se Lutero

A casinha do Presidente da Junta. Digo eu... sei lá!
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De seguida, e vivi tudo isto numa manhã, vejam bem a intensidade de vida destes gajos… fomos ao parque industrial ouvir uma palestra dada pelo Mr. Tauno Korpela, manager de desenvolvimento no programa regional do centro, engenheiro electrotécnico que já trabalhou na Nokia, e testa-de-ferro do salto tecnológico desta cidade, muito graças à cooperação, inovação e parcerias publico-privadas. Em pouco mais de 45 minutos, explicou-nos como se cria o futuro em Kuusamo e como é que esta cidade já é um emblema da expansão da rede regional de companhias tecnológicas ao conseguir ligá-las às suas mais-valias naturais.

Às 15.30h regressámos ao hotel para um curto descanso. Ainda estive tentado a ir com o francês para a sauna mas como ainda não o conheço bem… e o mais certo era meter-me lá mal disposto com o calor que aquela porcaria deita, decidi antes vir para o quarto trabalhar no relatório e deixar estas novidades aos queridos leitores do meu blogue para que não morram de saudadinhas do vosso tasqueiro preferido.

O meu hotel parece um tepee dos índios

Era bom, era... mas faz mal às andorinhas. Mais 15 dias e já vai.

Ainda me aventuro a isto... que caliente! E banho gelado a seguir? Ainda me dá um ataque de asma!

Vista do meu quarto no hotel. Um homem e a imensidão toda, pá... Como isto é grande e triste.

Às 18.30h há passeio na floresta ao cair da noite.

Se os lobos não me comerem, que devo de ter os ossos tão duros, antes se atiram primeiro ao polaco que é gordinho… darei notícias.

Com carinho, do vosso enviado especial na Finlândia,

Pekka Yvgany Sabiix