quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Roadbook Pessoal


Começou como se fosse uma brincadeira mas a verdade é que correr se está a tornar em algo que é muito mais do que um hobbie. Pode até estar a tornar-se numa verdadeira paixão. Actualmente é uma das actividades que me faz sentir melhor, que me dá mais prazer, que me faz sentir mais vivo. Correr purifica o corpo, tonifica a alma, liberta-nos. E não há nada como quando chega aquela hora da tarde em que me desligo do mundo, me ligo a um bom novo disco no ipod e saio por aí fora montado nas sapatilhas.

Há tempos havia um anúncio publicitário da Nike em que diversas pessoas, de ambos os sexos e de todas as idades, corriam nos mais diversos ambientes, sob diferentes condições climatéricas. A câmara captava-os sempre a correr, no campo ou na cidade, em alcatrão ou estradas batidas, ao sol e à chuva. Sempre em silêncio. No final do filme, apenas uma pergunta: “You did a run today? Or you didn´t?” (Fizeste uma corridinha hoje? Ou não?). Extremamente simples e eficaz, com uma poderosa imagem de marketing por trás, como se uma corrida fosse a única coisa que verdadeiramente interessava fazer durante o dia. Se a nossa resposta fosse negativa, ficava um certo sabor a derrota na boca.

Correr é muito mais do que apenas fazer desporto. Correr também pode ser uma terapia que funciona à medida das nossas necessidades. Nos dias em que o físico está mais em baixo e estamos mais cansados, corremos apenas para conseguir chegar ao final. Nos dias em que o stress e o nervosismo apertam, corremos para nos libertarmos das toxinas do mundo moderno, para aliviar a carga. Nos dias em que nos sentimos integrados e bem dispostos, com a moral em alta, corremos para nos desafiarmos, para estabelecermos novos limites, novos tempos. Corremos para nos pormos à prova.

E depois, no final, há o duchinho retemperador, o jantarinho à maneira, um serão agradável e uma boa noite de sono.

Correr devia ser um acto de higiene pessoal, como tomar banho e lavar os dentes.

E o prazer, meus amigos, ou os simples prazeres da vida, como quando corremos ao anoitecer e umas gotas de chuva nos desafiam, enquanto ouvimos baixinho nos auriculares um dos discos do momento.

Nas minhas corridas invento circuitos e entretenho-me a dar-lhes designações. O circuito da “volta de casa”, com 6 quilómetros mais 750 metros, usualmente percorrido em 40 / 45 minutos, tem uma parte que eu gosto muito, à qual chamo “Pequeno Dakar”, lembrando o rally, por ser um troço sinuoso de terra batida, com muitos calhaus e altos e baixos. No final do “Dakar” há uma subida acentuada que é a parte mais difícil de todo o trajecto. Junto a essa subida há uma casa e perto dessa casa há um cãozito que vive num bairro de lata.

Eu digo que é um bairro de lata porque o animal vive literalmente dentro de um enorme bidon ferrugento, estrategicamente colocado com a entrada virada para a via de passagem. È um bairro de lata algo incaracterístico porque é unifamiliar e unipessoal. Só lá vive o pobre animal.

Terrível, o gajo! Não há uma única vez que por ali passe que não me ladre como se o mundo fosse acabar já amanhã. Tem uma corrente enorme presa à coleira que traz ao pescoço e esforça-se sempre por me alcançar, em vão. Não chega cá!

Nunca lhe fiz mal, mas o animal não se controla e salta enfurecido na minha direcção assim que me vislumbra. Quando ainda nem cheguei ao cimo da etapa de montanha, já ele se prepara para atacar, instigado pelo som dos meus passos. Às vezes vou bem disposto e meto-me com ele. Às vezes mostro-lhe a língua, outras faço-lhe uma careta. Outras apenas passo indiferente. Algumas vezes corro na sua direcção e faço-lhe uma finta bem apertada. Noutras iludo-o e volto-me para trás, fingindo persegui-lo só para o ver ir a fugir para o barraco com o rabo entre as pernas.

Juro que nunca lhe fiz mal e já faz parte do percurso saber que o encontro lá.

Mas a verdade é que o gajo é ruim e faz cara de mau e até estava capaz de apostar que de certeza que pensa na sua cabecita peluda, de cada vez que me vê, “o quanto eu gostava de poder ferrar uma dentada nas pernas carnudas deste cabeçudo que aqui passa todos os dias!”.

Nunca lhe fiz mal, caraças!, mas o bicho incomoda-se só de me ver e é incapaz de resistir e tem mesmo de ladrar de cada vez que me vê passar.

E eu penso cá para comigo: “é engraçado, como algumas pessoas que eu conheço, são tão parecidas com os animais!”.

O Santo


Depois da terceira audição, está mais que confirmado: um dos discos de 2007 está aqui! Vibrante e arrepiante, único e absolutamente precioso: Ben Harper. Se tiverem oportunidade e se cruzarem com este disco num Modelo, num Colombo, numa loja de discos ou num programa da net, agarrem-no! Façam o que quiserem mas não o deixem fugir. Façam este favor a vocês próprios. Este homem é um mito. Este homem é sagrado. Este preto que canta com a alma do mundo todo e toca como ninguém, vai arrebatar-vos por completo. Um disco que é uma autêntica missa cantada!

E depois não digam que o Tio Sabi não vos avisou.

Já liguei para a editora e a próxima edição vai ter um selo igual ao das rádios, com a imagem do cabeçalho do blog a dizer: “O Vendo o Mundo de Binóculos do Alto de Marvão recomenda esta disco a todo o pessoal”.

Muito bom!


Podem saber mais clicando aqui!

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

De casório


Sábado passado fui ao casamento de um amigo muito amigo e eu adoro ir a casamentos de amigos assim. Há sempre malta que se queixa que os casamentos são uma seca, que se gasta montes de papel a comprar ropitas novas para não destoar na foto da praxe, que se tem de andar todo o dia apertado (elas, nos pés, com os sapatos novos; eles, no pescoço, com as gravatas), que se tem de lavar o carro no dia antes, que se tem de ir para a cabeleireira de madrugada para apanhar vez, e depois há os fotógrafos e os cameramen que filmam tudo (incluindo as figuras ébrias do fim de noite!), mais o cheque-lembrança-prenda que espeta a estocada final no orçamento do mês. Enfim… Até compreendo que haja muitas razões do lado do não, mas eu… adoro ir a casamentos de amigos. E quando são amigos assim, ainda mais.

Ser convidado é uma honra, é sinal que gostam de nós e nos escolheram para estar presentes, junto a eles, neste dia tão especial. É claro que nós percebemos logo quando é que somos convidados por arrasto: ou porque somos primos afastados, ou porque somos colegas da mulher, ou por conveniência e para bem parecer e… esses sim, são mesmo uma seca.

Mas quando são da malta cá do peito… a gente desfruta.

E eu adoro aquilo tudo, da cerimónia aos rebuçadinhos e amêndoas que distribuem no final. Adoro ir no carro em fila pirilau a tocar feito saloio pelas ruelas das terras e a pensar quando vemos quem olha: “bem feita, tu não vens!”. Adoro os organistas que conheço quase todos (sobretudo o meu amigo Nuno Cantor, o único à frente dos campeões Fernando Alves e Mana!); adoro os snacks de entrada, os longos almoços à conversa, as tardes passadas com quem vemos pouco e gostamos tanto de ver; adoro os copos d’água, os bailes tardios, a dança do “Boa Sorte!”; adoro quando partem o bolo e bebemos champanhe; adoro tudo, tudo, menos vir-me embora. Ah! E também não gosto nada de encontrar a Brigada de Trânsito no caminho, mas como é sempre a patroa que vem ao volante, bem feita! E eu a fingir que durmo no banco de trás! Ehehe.

O casamento deste sábado teve duas nuances: foi realizado pelo civil e foi de tarde. A cerimónia ocorreu na Quinta onde tudo se passou e o noivo pediu, quando a noiva chegasse, que os convidados fizessem um cordão humano por onde a princesa passasse até ao altar. Óptima ideia, plena de significado. Pai e filha deslizaram pela passadeira, distribuindo olhares e sorrisos cúmplices à medida que avançavam. O cordão ia-se desfazendo detrás deles, acompanhando-os até à mesa da cerimónia. Eu fiquei bem próximo, para poder assistir a tudo e reparei, no momento em que o patriarca entregava a filha ao noivo, que o pai estava tão emocionado que chorava. Ela, não conseguindo esconder a emoção por o ver assim, encostou a cabeça no ombro do seu mais que tudo que num sorriso nervoso conseguiu manter a compostura. Ficaram ali assim, uns segundos abraçados, até se virarem de vez.

E eu pensei para comigo, não há prova mais linda de amor de um pai, do que quando chora assim quando vê partir uma filha.

Lendo as entrelinhas...


Os multibancos da minha terra têm a particularidade genial de nunca funcionarem quando mais precisamos. É lindo! Um gajo habitua-se ao cartãozinho e vai na volta, quando precisa de arame, recorre à maquineta e… nada!

Ou nos manda ir chatear a prima mais próxima, ou diz que não tem liquidez, ou está apenas fora-de-serviço, ou está a fazer manutenção, ou está mesmo de folga sem sequer ter luz.

Mas eu reparei há dias que na máquina de Marvão, na única que ali existe, que o botão que falta é onde se carrega para saírem 100 euros. 100 euros! Não 5, não 10, não 15, nem 20! 100! E eu pensei: “isto é o sinal mais evidente que eu já vi de que a retoma económica vem mesmo aí!”.

Estive para ligar ao Sócrates para lhe dar um abraço. Mas lembrei-me que só tenho o número dele num telemóvel que perdi.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Da Guarita On Line



Aleluia! E ainda não chegámos à Páscoa! O Boletim Municipal ressuscitou e reencarnou num blog onde a malta pode saber o que é que se está a passar em Marvão. Tem vídeos e fotos e notícias, tem ligações a outros blogues, e muitas mais coisas interessantes. Tem muita informação oficial e sobre a vida associativa da santa terrinha. É bom para quem está longe, mas também para quem está perto e não quer perder pitada. É pró menino e prá menina e é GRÁTIS! Mas não oferece enciclopédias, nem dvds…

Paciência! Não se pode ter tudo.

Está em http://municipiodemarvao.blogspot.com/.

O país a ferro e fogo!


Isto está a ficar lindo, está! E lá para o Norte então, de todo em todo! Não bastava já os gorilas das discotecas andarem aos tiros uns aos outros pelo controle dos dúbios negócios da noite, como agora deram para fazer assaltos de mão armada a estabelecimentos.

A mim, quando fui para Lisboa estudar, assaltaram-me 5 vezes num mês! Pudera, morava ali ao pé da Picheleira e andava sozinho à noite por onde queria! Tive de abrir a pestana. Nos outros 4 anos, assaltos: zero!

E a coisa é assim; roubarem a carteira, os óculos, o telemóvel, o carro, a mota ou a mulher, ainda vá que não vá! Agora, ourivesarias e bombas de gasolina assim à americana, não está com nada!

E eu, que era para ir ao Norte no mês que vem para comprar uma gargantilha toda em ouro, com pedras do mais caro que há, para usar em dias de festa, já não vou!

Vou ali antes à Feira das Cebolas. Diz que há lá umas imitações belíssimas e um gajo no meio dos ciganos sempre corre menos risco de levar um tiro do que num relojoeiro de Braga.

E neste Natal, já sei o que vou dar ao Júnior, quando ele for para o Millenium: um colete à prova de balas! Bem giro!

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

A aventura de aprender...


Passei a noite em sobressalto e sei que acordei mais nervoso que ela, neste seu primeiro dia de escola. O primeiro dia de escola. Ainda ontem me fitava com os seus olhitos castanhos encandeados pela luz branca da sala de partos, enroladinha na toalha, a deitar fumo e a cheirar ao ventre da mãe; e já hoje, de mão dada, me acertava o passo para se certificar que era mesmo o direito a ser o primeiro a pousar do lado de lá da porta de entrada da sala de aulas.

Por ter nascido em Dezembro, sempre nos convencemos que não seria por ter nascido 3 meses para além do início das aulas que iria ficar quase um ano à espera de entrar. Sempre pensámos que iria começar com 5 anos, um pouco mais cedo, portanto. Hoje estou convicto que foi uma decisão acertada porque assim acompanha os colegas de sempre da Pré e porque seria difícil aguentá-la ali mais um ano, presa a um modelo que já não era capaz de dar resposta à sua ávida curiosidade e ao seu desejo de conhecer as letras e os números, à sua vontade de saber ler e escrever.

Tivemos a sorte de apanhar um professora experiente e dedicada que muito provavelmente os vai acompanhar ao longo de todo o ciclo. No seu discurso de apresentação não escondeu que não concordava com o facto de alguns deles serem tão pequeninos e estarem já a entrar para um mundo onde têm que crescer à força e à custa das suas próprias responsabilidades.

Estremeci por dentro ao ouvir as suas palavras. Teria razão? E comecei a fazer contas de cabeça. Tendo nascido em Junho e entrado em Outubro, acabei por entrar quase 1 ano depois dela, e a verdade é que esse ano não me fez falta nenhuma quando acabei de estudar. Perdi-o em empregos onde tentei à força agarrar-me. Acabou por ser dispensável e antes de entrar para a escola, soube-me tão bem tê-lo do meu lado.

Acho que fui assolado por um certo remorso que só consegui acalmar à custa de pensar que está onde ela quer. A fazer o que ela quer.

Subi as escadas para a sala e deixei a mochila e a caixa com o material que a mãe preparou com tanto carinho, num lugar bem próximo da professora, onde a sua tagarelice pudesse ser vigiada e apaziguada.

A sala estava vazia e aquele cheiro a escola, que se entranha na roupa e nunca mais se esquece, recordou-me que a minha verdadeira e mais secreta vocação nunca saiu daquele local tão especial.

No pátio aguardamos a hora de entrada e segui-a ao longe com o olhar. Apanhei-a em plena ameaça quando se dirigiu a uma mais velha e lhe chamou “parva”, assim, com as letras todas. Corri para ela e perguntei-lhe o porquê de tão estranho comportamento. “Ó pai, ele disse-me que o meu vestido é curtinho e para mais, nós já discutimos no outro dia na Ludoteca!”. Nisto avança para a outra, impávida e serena e disse-lhe de dedo em riste “e eu não sou tua amiga, ouviste?”, virando costas no segundo seguinte. O riso amarelo e conivente na cara da visada fez-me pensar que haveria ali umas contas a ajustar e afastei-me.

Já na sala, foi altura de uma pequena reunião com os pais a tempo para os últimos conselhos. Como vinham da Pré, no piso de baixo, pareceram todos ambientados e não houve choros. As mães, sorridentes, confidenciavam entre si e preparavam-se para sair. Reparei então que era o único homem. Aproveitei para lhe dar o último beijo e lhe desejar boa sorte. Ainda bem que não repararam em mim. Segui no final da fila, atrás da conversada geral e só fui surpreendido na porta de saída pela responsável do 1º ciclo no Conselho Executivo, a Professora Guida, que sorriu quando olhou para mim, presumo que denunciado pelos olhos que não conseguiram esconder o que me ia por dentro. Experiente, disse-me: “Sempre é um marco, não é Pedro. É normal. É a vida”. Eu disse-lhe que sim e segui apressado para o carro. Tenho umas gotas para a alergia em casa que deixam os olhos branquinhos num minuto.

Não sei explicar muito bem mas acho que sei sentir quando este barco que é a nossa vida muda de rumo, roda as velas e entra em nova rota. Ao longo da minha, por diversas vezes tive a percepção que ia dar um passo sem volta atrás e que nada voltaria a ser igual.

Hoje senti-o por ela. Não quero ser dramático, mas acho que este é que é o primeiro dia do resto da sua vida. Até aqui, poucos passos eram dados sem nós. Presumo que a partir de agora, começa a depender só de si, a trilhar o seu próprio percurso.


Deve ter sido por isso que por incrível que pareça, me disse anteontem que tinha medo de falhar, de não saber. Por muito que lhe explicasse que a escola servia para isso mesmo, para ensinar e aprender, de nada lhe valeu.

A partir de agora e mais do que nunca, terá de saber por si.

Boa sorte, pequena! Boa sorte mesmo!

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

O Touro Enraivecido (versão brazuca!)

Banda desenhada a ser publicada pelos Livros do Brasil.
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Todos os direitos reservados para o autor do blogue.


No Brasil se diz “escanteio”, em Portugal, “canto”; no Brasil se diz torcida, em Portugal, “claque”; no Brasil se diz “zagueiro”, em Portugal, “defesa”… e “estúpido”, Sr. Scolari? Como se diz estúpido em brasileiro?

Eu nem queria acreditar nas imagens que via ali, bem à frente dos meus olhos e em tempo real. Uma confusão no final do jogo, uma troca de palavras e o “bornal” do nosso seleccionador nacional a tentar desferir um golpe certeiro no defesa Sérvio que estupefacto com o inusitado gesto, reagiu algo incrédulo.

É uma cena completamente incrível que estamos habituados a ver no futebol da América Latina, mas nunca tendo um seleccionador nacional como protagonista.

Eu sei que vou ser criticado pelo que vou dizer mas para mim, uma selecção é como o hino ou a bandeira, é um dos valores intocáveis da nossa nação e na minha opinião, os brasileiros nunca cá tinham metido o cú. Sim, eu sei, há diversas formas de obter a nacionalidade portuguesa, e se são portugueses para umas coisas, têm também de ser para outras mas se o Tio Sabi mandasse, na selecção não jogavam. Aquilo é para o puro e duro e já está.

Lá vem o coro: “hiiiiii, o gajo! Alto nazi, foge! Aposto que é do MAN!”. Nada disso, meninas. É apenas a minha opinião. Os Decos e os Pepes e os Scolaris, se querem, que vão jogar na canarinha que aqui é para os 100% nacionais. Aquela cena dos brazucas a cantarem o hino é uma cena confrangedora. Não precisavam cantar como os Lobos da Selecção de Rugby porque esses, se escapa um dia o pé a algum e cai para a frente, dá uma dentada na perna dum fotógrafo que o rapaz nunca mais volta a andar pelo seu pé. Parecem mesmo lobos! Se o tempo de satélite acabasse, o hino ouvia-se ali nas Castelhanas, de certeza! Não era preciso tanto, mas o Deco agarrado ao peito, de olhitos fechados a sentir a letra toda… Tá bem, abelha!

Mas uma vez que já cá estão e voltando ao Scolari, aquilo foi do mais tristinho que já vi.

Foi triste porque o Sérvio jamais quis atingir o Quaresma. O que se passou ali foi uma troca de palavras e nada mais.

Foi triste porque o gajo foi mesmo à “má fila” e quis “afiambrar” o meca.

Foi triste porque não soube ser homenzinho e em vez de pedir desculpa e assumir o erro a quente, veio armado em papagaio do Tijuca, com ar brigão, para cima dos jornalistas a dizer que só queria dar “um chega prá lá ao cara!”.

Foi triste porque o homem é seleccionador nacional, Meu Deus. E um seleccionador nacional que faz uma merda daqueles não tem outra saída senão colocar o seu lugar à disposição no preciso momento em que volta a si.

Um seleccionador nacional não é um empregado da Federação como ele diz. É muito mais que isso, é o treinador dos treinadores, uma espécie de Presidente da República dos treinadores e essas pessoas, essas figuras cimeiras do nosso país não podem, no meu entender, cometer erros desta natureza e sair impunes.

Imaginemos:

Imaginemos que o nosso Sócrates é apanhado numa casa de banho do Sasha a cheirar uma linha de coca;

Imaginemos que o Tio Cavaco é apanhado a fazer festinhas nas pernitas de um jovem mancebo dos Pupilos do Exército nos jardins de Belém;

Imaginemos que o nosso Jaime Gama decide acabar a noite mais tarde e entra de braço dado na Assembleia da República com as duas ucranianas que ganhou a jogar à lerpa num convés de Santos;

Imaginemos que o nosso Pinto Monteiro é caçado às 5 da manhã na auto-estrada do Norte, a 240 km/hora, com 5,5gr de álcool na espinha e uma garrafa de uísque no banco do pendura,

Imaginemos que a Directora da ASAE é apanhada de surpresa a copiar uns dvds da prima para a filha mais nova;

Imaginemos que o nosso seleccionador nacional de futebol decide expurgar os seus demónios e más tácticas com uma pêra das antigas a um jogador adversário.

Todas estas ridículas situações, (e faço votos que o SIS não me tenha já sob escuta) são definidas no vocabulário do Monopólio como “Casa Zero” que é como quem diz, “volte à casa de partida sem passar pelo banco”.

Perante qualquer um destes cenários fellinianos, não há outro remédio senão baixar a cabecinha, meter o rabito entre as pernas e “andor!”.

O brazuca, não! O gajo é muy duro! Primeiro resistiu e agora, como nosso país é uma verdadeira comédia em 3 actos, a RTP, fazendo um serviço público directamente ligado à ETAR do Lumiar, dá-lhe um tempo de antena em horário nobre para vir pedir perdão. A Judite, coitadinha (o verniz das unhas era horrível querida! Quem é o consultor de imagem?) ali a esticar-lhe a capa para o gajo passar. O carneiro aquele, que mal sabe falar e duvido muito que de bola também pesque algo que se veja, lá pediu desculpa.

E até aposto que a grande maioria dos portugueses até se emocionou quando ele confessou que “a mulhé e uz meninuz ficaram um pouquinho chatiaduz cumigo. É! Foi muito difizil!”. Ficaram com peninha do beicinho e a coisa vai andar.

Não é que o real artista chegou mesmo a afirmar que tem fé no bom senso da Federação, que depois de analisar as imagens lhe vai dar toda a razão podendo assim continuar o bom trabalho.

Somos um país de brandos costumes e de certeza que vai tudo ficar em águas de bacalhau. A Europa é que vai mais uma vez olhar para nós e dizer, “sim, sim, gente das barracas!”.

No mínimo, ia para o gelo no minuto seguinte. Nem saia da banheira de Alvalade.

Sr. Scolari, arranje outra! Eu não sei se há ciganos no Brasil, mas o meu amigo tem de perceber que os ciganos NÃO PRECISAM DE QUEM OS DEFENDA! ELES DEFENDEM-SE SOZINHOS, CARAÇAS! Ainda se fosse o Nuno Gomes…

O que foi pena foi que o Brassard, que também lá anda a lamber os nosso euros, tenha impedido o bardo de investir. Com o tamanho do menino… tinham sido umas molas bem untadas!

Ossos do ofício

Um dos grandes aliciantes das funções que desempenho actualmente tem a ver com a enorme abrangência e diversidade do raio de acção. Tanto posso estar a atender um telefonema da Delegação Regional de Educação como a negociar no minuto seguinte, o cachet de uma bailarina de ventre para o próximo festival islâmico.

Nestas andanças, o dia pode começar extraordinariamente bem e terminar irremediavelmente mal. Há mesmo dias perfeitamente arrasadores que se viram com vitórias que já se esperavam impossíveis.

Nestas andanças, as tristezas e as derrotas são sempre elevadas ao expoente máximo e por isso mesmo, as vitórias, mesmo que pequeninas, sabem sempre tão bem.

Nunca escondo que muitos dos melhores momentos têm sido com os miúdos, nas escolas, nos prolongamentos de horários, nos passeios e nos tempos livres. Quando os vejo entrar para o Judo com que eu tanto sonhei quando era miúdo; ou aprender Inglês na 1ª classe e perceber a língua dos cantores que mais gostam; ou dar os primeiros passos no ballet; ou serem campeões de escolinhas em futebol; ou aprender um instrumento novo e ler uma pauta; ou andar de barco a motor na piscina da Portagem; ou correr para mim para me cumprimentar quando entro numa escola (Eh Pedro!); sinto um calorzinho tão bom no coração que é ali que passo a ir buscar alento quando as inevitáveis nuvens negras se aproximam. Eles são os meus heróis.

Tenho tido comigo excelentes profissionais e o meu sucesso a eles se deve também. No caso das Ludotecas e uma vez que falamos em concreto, o Professor Filipe Ferreira e as incansáveis Dora e Idalina tudo têm feito para garantirem que as nossas crianças crescem felizes. Para isso, têm também contado com a ajuda de diversas pessoas, muitas delas voluntárias ou integradas em programas ocupacionais que deram preciosos contributos.

Na terça-feira foi o dia de encerramento das actividades de Verão e o Filipe não o fez por menos, preparou uma matinée na Discoteca “A Cave”e lá reuniu as crianças das duas ludotecas. Os pais levaram os sumos, as sandes e os rissóis; a equipa da discoteca cedeu o espaço, a Ana Maria e o Reis prestaram apoio e eu, como convidado, também levei os discos da pequena e fiz uma pequena sessão de dj.

Meus amigos, simplesmente inesquecível. Eu só queria que pudessem ver a genica daqueles índios, a correrem e saltarem e gritarem e dançarem até em cima das colunas. Mas coitadinhos, como não têm noção do que é uma pista de dança, andavam por ali a rodar em tudo o que é sítio. Falaram muito uns com os outros, de vez em quando sentavam-se nos sofás, bebiam laranjada e até pediram os hits favoritos. Muito, muito bom.

Que vontade de poder esticar a mão, abri-la, fechá-la e guardá-los todos para sempre, assim daquele tamanhinho delicioso!

Eu disse à minha, “então filha, vens já ou esperas que te venham buscar?”.

“Não pai! Tu não percebes! Eu vou ficar aqui a noitinha toda, toda!”.

Já faltou mais! (Para mal dos meus pecados!)


Que será dela?

Há dias, estava eu sentado na varanda quando ouvi a Leonor chamar: “pai, pai, depressa! Anda cá ver o que eu fiz!”. Quando cheguei ao quarto, reparei que tinha colado na porta do armário, algo que estivera a fazer de tarde e que não era mais do que:



Digam lá se os filhos não são de ir às lágrimas e não valem mesmo uma vida!

domingo, 9 de setembro de 2007

Ao meu cometa... tão brilhante quanto fugaz

Os Cometas Negros - lá atrás, todo de negro, na bateria, João Sobreiro


Cumprindo a já tradição, o almoço do feriado municipal foi mais uma vez na Santa Casa da Misericórdia, a convite do Provedor, o professor João de Deus. Enquanto os irmãos da instituição se ajeitavam nos assentos, antes do início do repasto, procurei uma casa-de-banho. A fila à porta da mais próxima fez com que uma funcionária minha conhecida me aconselhasse a do fundo do corredor. “Sempre é mais rápido…”. Aproveito a dica com um piscar de olhos e atravesso a área junto aos arcos, próxima de um pátio interior, onde alguns utentes passam o seu tempo sentados. Cumprimento-os com uma saudação que fica sem resposta. Um ou outro ainda tentam um gesto amistoso, levantando a mão ou desenhando um breve sorriso por entre as rugas dos anos e da vida.

Gosto muito de ir à Santa Casa. Respeito a instituição e a sua preciosa função social, mas tenho de confessar que não é fácil lá ir. A ver se me consigo explicar. Sei que os órgãos responsáveis fazem uma gestão cautelosa e exemplar. Sei que as funcionárias são simpáticas e afáveis e zelam com profissionalismo pelo bem estar dos idosos. Sei que as instalações cheiram sempre a lavadinho e o asseio e a arrumação são inexcedíveis, mas… a mim, custa-me lá ir.

Eu sei que pode ser um estereótipo, que pode ter sido uma ideia errada na minha formação, mas habituei-me desde criança a olhar para a Santa Casa como o fim da linha, como a última estação, o último passo antes da derradeira viagem. Desde miúdo que ouvi dizer por quase toda a parte e onde quer que estivesse que “Deus me livre de ir para a Santa Casa”, ou “a Santa Casa é só velhos” ou “preferia morrer a ter de ir para lá”. Com inputs desta natureza, a aura negativa que se vai criando em torno da imagem não pode ser a melhor. Lentamente, vai-se instalando uma carga nefasta que tem mais a ver com clausura e isolamento do que com solidariedade e entreajuda.

Cada vez que lá vou, faço um esforço para ver as coisas de um prisma diferente, de uma forma mais consentânea com a realidade. Mas dessas visitas que vou fazendo, há sempre um rosto, um olhar, uma mão ou um gesto que me ficam a martelar na cabeça. De cada vez que lá vou, encontro sempre uma expressão triste, como que a pedir companhia, que o tempo seja já breve ou volte para trás de uma vez por todas.

Neste sábado, quando regressava ao meu lugar, reparei que algumas caras no corredor me eram familiares, mas estavam agora mais pálidas, mais descaídas, como a do senhor Zé que conheci desde sempre na Beirã. Os olhos pareciam perdidos e fitar-me à distância. Dirigi-me a ele. “Então? Que tal vai isso? Anda bom?”. “Cá estou. Vamos andando, obrigado”. Há dois anos tinha-o atendido nas Finanças e impressionou-me com envelheceu tanto neste espaço de tempo. Procurei certificar-me se sabia com quem falava. “Sabe que eu sou? Está-me a reconhecer?”, disse com cautela. “Sei”, respondeu rindo. “És o Pedro Sobreiro”. Ambos certos de que sabíamos com quem falávamos, trocamos algumas impressões de circunstância e despedimo-nos trocando votos de felicidade.

A esta altura, reparei que os outros utentes em volta ouviam a nossa conversa, à falta de outra coisa mais interessante que fazer. Estendi a saudação com um aperto de mãos, até porque acabei por perceber que os conhecia quase a todos e que as nossas vidas já se tinham cruzado numa ou noutra ocasião, no nosso concelho. Um deles era o “Zé Pilau”, figura castiça, ébria e boémia dos lados da Portagem, que um trambolhão na sequência de uma bebedeira arrastou para ali. Bem tratado, bem vestido, bem penteado, sorria, de perna cruzada. Aparentava estar bem, mas longe dos tempos mais acelerados e recordei-me da noite em que chorou de alegria nos Alvarrões, quando numa noite fria de Janeiro encontrou o grupo que cantava as janeiras pelas localidades do concelho. Nunca mais nos largou, e só dizia “ai que lindo! Ai que lindo! Coisa linda, linda, linda”, antes de se deixar dormir no autocarro, embalado pelo calor da solfagem e do álcool ingerido durante a tarde.

Ao virar da esquina, cruzo-me com uma outra figura castiça da minha meninice, que ali vive há muitos anos, o Chico Barradas. Detrás dos óculos cú-de-copo, os seus olhos esbugalhados marcaram-me de relance quando nos cruzamos, mas passou por mim apressado, para se voltar a sentar numa cadeira que só podia ser a sua. Não o via há anos. Voltei para trás e estendi-lhe a mão. “ó Chico, estás bom?”. “Estou, estou”, disse-me, fazendo o correspondente gesto com a cabeça. “Lembras-te de mim? Sabes quem sou?”. “Sei, sei. És o Pedro Sobreiro”, respondeu com clarividência para meu espanto, porque mal me viu e eu fiquei feliz.

Às vezes perdemos tanto do nosso tempo enrolados nas correrias das vidas modernas que nem sequer damos atenção aqueles que vão ficando encostados nestas gares do percurso. Segui pensando que fazia bem se conseguisse passar por aqui mais vezes, nem que fosse só para os cumprimentar e dar uma palavra amiga. Custa tão pouco ajudar os outros e sabe tão bem a quem precisa que devíamos todos fazer um esforço.

Na mesa da presidência, na companhia dos mesários, troco conversas o Provedor e falamos um pouco de tudo, do concelho, da instituição, das famílias e do nosso incontornável Benfica, cujos jogos deixou de ver por recomendação médica. Nos últimos anos, ser benfiquista é uma autêntica profissão de alto risco.

Nas voltas da conversa, recuamos no passado até Castelo Branco, até aos tempos em que ainda era padre e dava aulas de Religião e Moral. Acabamos, claro está, a falar do meu pai, que ele mesmo casou em Fátima. “Ele e o Zé Freixo, o do pato que vai à Fátima Lopes na SIC eram os maiores terroristas lá do sítio. Foram criados juntos, como irmãos e andavam sempre os dois. Perdi o conto das vezes que tive de os convidar a sair da sala para poder continuar. Ele tinha um poder de arrastar os outros levado da breca e aquilo ia tudo atrás. Depois ficava cá fora, à minha espera, para me pedir desculpa e prometer que nunca mais faria o mesmo, embora soubéssemos que não iria perder a próxima oportunidade de fazer uma piada. Andava sempre atrás de mim e dos outros padres. Ele falava muito com o Manuel Bugalho”.

“Era terrível. Uma vez, já passados uns anos, fomos todos daqui no carro dele, uns 5 ou 6, a caminho de Castelo Branco e ali antes de Vila Velha, fomos ultrapassados por um gajo que ia tão depressa que provocou um acidente com um carro que vinha no outro sentido e capotou numa curva ao desviar-se do acelera. O teu pai meteu-se em perseguição dele e em plena ponte de Vila Velha, ultrapassou-o e trancou-lhe a passagem. Saíram todos do carro e pediram explicações ao homem que dizia não ter feito nada. Eles não estiveram com mais nem meias, enfiaram-no dentro do carro e levaram-no lá atrás para ver e pedir desculpa. Só abalámos quando chegou a GNR que chamámos entretanto!”. Eh eh eh.

“É engraçado que na altura, eu ainda não conhecia ninguém da família, só o conheci a ele. Na altura era muito popular, por tocar bateria nos Cometas Negros”

Por falar em histórias e recordações, por falar nele e nos Cometas, não resisto a contar uma que ouvi contada por ele e fala na sua última actuação no conjunto. O meu pai gostava de contar histórias e quem o conhecia sabe que as contava sempre à sua maneira. Sabia dar-lhe os toques que queria por forma a fazê-las soar à sua maneira, mas esta sei bem que foi verdade, porque me foi confirmada por quem de direito.

Na altura os Cometas eram a banda residente no Casino de Montegordo, no Algarve e recebiam um cachet diário bastante significativo para a época, que dificilmente durava na carteira até à manhã seguinte. As noitadas eram longas e o ritmo bem puxado. A coisa andava sempre à pele. A dada altura, a restante família foi passar férias a Armação de Pêra, de onde um meu tio era natural e passou entretanto a ser pouso de Verão. Como as saudades eram muitas, o meu avô, bem mais duro de carácter e muito alinhado, decidiu ir visitar o meu pai. Andou à procura dele e deu com a malta num esplanada, em amena cavaqueira. Os cabelos do Sobreiro estavam de tal maneira grandes que o próprio pai não o reconheceu à primeira vista. “Então, não viram o João?”. “Ó paizinho, estou aqui”, respondeu ele encavacado. Convidou-o e foram os dois dar uma volta. Houve o já mais que esperado desbaste do cabelo e foram comprar umas sandálias. Antes de regressar, o meu avô disse-lhe que estavam em Armação, que a mãe e as manas o queriam ver, que teria que ir para África e provavelmente não teriam outra oportunidade de poder estar assim todos juntos outra vez. Despediu-se e partiu. O meu pai voltou para junto dos colegas e disse-lhes que essa era a última noite que tocava com eles, para espanto geral. Na manhã seguinte trocou a borga pelo arrumar da trouxa, apanhou o primeiro autocarro da manhã e partiu para Armação. Quando chegou à paragem, o meu avó estava lá sentado à sua espera e disse-lhe “sabia que vinhas, filho”.

Na impossibilidade de os ter comigo, reconforta-me pensar que é desta massa que sou feito.

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

A 8 de Setembro... Dia Grande!


Aproxima-se a passos largos o dia 8 de Setembro, Feriado Municipal e dia grande, dia maior da comunidade marvanense. Nesta data, gentes de todas as paragens, mesmo das mais remotas, sobem ao alto do monte para homenagear a sua padroeira, agradecer a protecção recebida ao longo do ano e pedir olhamento para o que se segue.

O dia depois de amanhã, esse 8 de Setembro, é um dia ainda maior para mim porque é o dia de anos do meu filho adoptivo, o anos do Manuel da Conceição Carrilho Martins, mais conhecido por Manel Gira, ou Manel Bodes, ou Gira Bodes, mas eu gosto de lhe chamar só Manel.

No ano passado, por estas alturas, andava de fotocópia do B.I. na mão, a mostrá-lo a toda a gente e eu não fui excepção. “Viste, viste?”. “Viste o quê, Manel” e seguindo a indicação do seu polegar pude ler “Data de Nascimento: 08-09-1962”. Quis o destino que o Manel nascesse na data mais nobre do concelho. A mim parece-me bem.

Como nesse dia eu tinha, por obrigação protocolar, um dia cheio daquilo que ele mais gosta, convidei-o a ir comigo. Á hora marcada não falhou. Mal saí à porta, já ele esperava junto ao carro. Seguimos os 3, eu, ele e a Leonor. Junto à Santa Casa esperámos a Banda do Crato que ele dirigiu solenemente de seguida, com muita perícia por entre os obstáculos naturais de Marvão.

Assistiu com dignidade à cerimonia do hastear da bandeira e no final, durante o beberete, cantámos os parabéns ao som da orquestra, a ele e ao companheiro da banda que também desaguou nesse dia, e partimos o bolo que a Dona Maria Jacinta Lança, filha de um também muito grande amigo do Manel, fez questão de oferecer. Era de chocolate e o Gira, ficou com aquela carinha de felicidade que hoje todos podemos recordar no vídeo em baixo, graças à cortesia de uma camerawoman de eleição, a minha querida amiga Emília Mena (Máquina! Tás em todas!).

Nunca mais me largou. Fomos juntos à missa e dali, ao almoço dos Irmãos da Santa Casa. Portou-se 5 estrelas! Comeu com uma correcção e uma delicadeza que não se reconhece em muitos fadistas cá da zona que se acham de gabarito. Repetiu foi os 3 pratos, duas vezes cada, três o doce!, mas isso quem o conhece bem já sabe que o rapaz é de alimento. Álcool zero! Só suminho, Joy, que estava muita bom.

Bebemos café, assistimos ao concerto da Banda antes da procissão, acompanhámos a mesma pelas ruas e no final, ainda ajudou a levar as cadeiras para o espectáculo da noite.

Jantámos juntos na Varanda do Alentejo, com a minha família e amigos de Santarém. Mais uma vez, soube estar e fazer-se representar.

O espectáculo de flamenco foi apoteótico e aproveitou para ensaiar e acompanhar as guitarradas espanholas com a sua inseparável gaita.

No final, já cansado, pediu-me para regressarmos. Como ainda só eram 11 da noite, e havia pagamentos aos artistas para fazer e todo o estojo para arrumar, deixei-o vir com um amigo mais jovem, porém de confiança, que me garantiu e jurou a pés juntos que o levaria directo para a sua casa, o que depois vim a confirmar.

Presumo que dificilmente terá tido um dia tão em cheio com este nos últimos tempos, apesar de saber que está mais do que bem tratado, porque não havia vez que me visse que não me perguntasse quando era outra vez.

É claro que de tudo isto, houve o normal e já habitual e esperado aproveitamento político. Alguns vermes mais rasantes cá do burgo, não perderam a oportunidade de gozar o seu prato quando viram que na foto da cerimónia do hastear da bandeira do concelho, vinha também o Manel. “Ao que isto chegou, até o Bodes aparece ao lado do executivo! Deve ser um deles…” diziam pelos cafés, luzindo com brilhantismo a sua ignorância e bestial estupidez. Esses, os que se dizem de esquerda, os mais solidários, os mais justos… Sei até que um artista mais afoito chegou mesmo a afirmar que se teria embebedado, espalhando a calúnia com uma baixeza inqualificável, quando toda a gente viu como estava mais do que em condições.

Certamente muitos deles perguntar-se-ão porque é que eu faço isto. Eu próprio mo pergunto. Descansem que não é por propósitos populistas ou pela caça ao voto como querem fazer parecer, até porque já deixei mais do que uma vez bem claro que a minha meta é o fim do mandato.

Faço-o porque gosto de ver os outros felizes e sobretudo os meus amigos, como ele é. É que eu conheço o Manel de outras encarnações, quando com 14 anos comecei a vir para Santo António, quando conheci a Cris e iniciámos o nosso namorico.

Eu já era amigo do Manel quando ainda cheirava mal e passava fome e andava mal vestido e o embebedavam só para se rirem dos disparates que fazia, e para lhe apontarem o dedo no minuto seguinte.

Eu sou amigo do Manel há muito anos, antes mesmo de o Dr. Brito lhe ter deitado a unha e o ter metido no Lar e ter feito a única coisa de jeito em muito tempo.

Eu tenho centenas e centenas de fotografias do Manel e com o Manel tiradas em muitos anos e muitas ocasiões. E é por isso que ele confia em mim, e é por isso que vai todos os fins-de-semana a minha casa a ver da chapinha para o tabaco, e é por isso que eu o entendo como poucos e ele me entende a mim. Toca à campainha e diz cá do portão, “Undapé! Undapé! Háde nãche!” e estica a mão que é como quem diz “Pedro, não chega!”, para o que ele quer.

Jamais gozei com ele, no entanto, brinco com ele sempre que posso porque sei que gosta. E fico tão contente quando, depois de estarmos uns dias sem nos vermos, os olhos dele me encontram e ele abre os braços e me diz: “Adeeeeeeuuuussssss!”, como querendo dizer, “onde é que tens andado?”

Quando alguém morre ou há um fogo ou uma briga num baile ou uma colhida numa tourada, é sempre por ele que sei primeiro.

Quando andava na faculdade e trabalhava no bar do GDA, nas férias de Verão, com o Carroça, decidimos adoptar o Manel numa tarde. Depois de acesas negociações, ficou certo que eu faria de pai e o César de mãe. O Manel nunca mais se esqueceu.

Como nunca mais se esqueceu do seu Dia de Anos do ano passado e é por isso que me pergunta e volta a perguntar se há outra vez, se é amanhã e se já pedi à Presidente do Lar para ele ir.

Já lhe disse: “Só vais se levares gravata!” Ele responde que sim com a cabeça como quem diz: “Tá chata!”.

Uma muito minha amiga, quando soube que este ano íamos repetir a dose avisou-me prudente, “Oh, se o vais levar, tens de pôr as orelhas de molho! Já sabes que te vai tocar…”

Pobre de mim, boa amiga, se eu pautasse a minha a minha conduta e a minha consciência pela cabeça desses… pobres de espírito!

Vai ser um grande dia amigo, o dos teus 44 anos! Se Deus quiser, vai ser um dos nossos!

Os parabéns do Gira em 2006

Gira Live at Bombas da Gasolina

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Viagem a Lisboa I - “Regresso na hora da partida”


Há uns tempos, por inerência das funções autárquicas, desloquei-me a Lisboa para uma reunião de trabalho no Centro Cultural de Belém com o Secretário de Estado da Justiça. O assunto relacionava-se com o objectivo governamental de agilizar, descentralizar e moralizar o já tão moribundo sistema judicial português. Para evitar mais entupimentos de décadas de pilhas de processos sem fim, pretendem agora dotar o país de um sistema de Julgados de Paz que se pretendem mais céleres e mais pragmáticos, no fundo, aquilo que os tribunais convencionais deveriam ser. Autarcas de todo o país, dos mais preocupados aos mais engalanados, dos mais curiosos e bem falantes aos mais taciturnos e aborrecidos, todos quiseram opinar e impressionar, dar nas vistas e ficar bem na foto. É claro que na sala havia de tudo, dos mais poderosos tubarões aos mais jovens nos campeonatos, nos quais obviamente me incluo, que apesar de menos participantes, não estavam por isso menos interessados em apanhar a sua vez, a vez de defender a sua dama.

Apesar do inegável interesse e actualidade das matérias, para mim, o grande assunto do dia não podia ser outro que o regresso a Lisboa. Mal a borracha dos pneus entra no tabuleiro da ponte, numa ruidosa trepidação que me faz sempre pensar que levanto voo a qualquer instante, sinto na pele o eterno retorno. Com a brisa húmida do rio a invadir-me as narinas e a toldar-me o pensamento, avisto a cidade prostrada na margem, imponente mas adormecida, banhada por essa luz tão imensa e tão sua, apenas desafiada pelo constante vai-vem dos incansáveis cacilheiros. A minha Lisboa é esta, a Lisboa de Santos, a de Alcântara, a do Calvário, da Junqueira e de Belém. Por aquelas ruas e vielas passeei quatro anos da minha vida, de muito trabalho e solidão, aos quais regresso sempre em pensamentos num misto de saudade e dor.

A minha história com Lisboa é a história de um amor mal resolvido. É um daqueles namoricos tão desejados, em que se quer tanto que tudo corra bem… que acaba tudo por terminar invariavelmente mal. O desejo era muito, o namoro foi de pico mas a coabitação pós-matrimonial foi de um desencanto profundo. Passei a adolescência a sonhar que só ali podia ser feliz. Entrei na idade maior a pensar que tinha de me raspar de lá o mais depressa possível.

Mas como em todos os namoros sentidos, há sempre algo que fica. Quando a vemos de novo, uma parte de nos estremece, sabe-se lá do quê e porquê.

Passados os anos de ruptura, saradas as feridas maiores de tanto serem lambidas pela memória, fazemos as pazes na certeza que dificilmente voltaremos a ser um do outro.

Agora já gosto de regressar… seja para um jogo do Glorioso na catedral, acompanhado de amigos; seja com a filhota e a família para o tal espectáculo infantil que nunca poderemos ver na província; seja para um concerto com o mano, seja para as compras de Natal, ou mesmo em trabalho ou para um exame das Finanças. Sebe bem cair nos seus braços.

O tempo passou e eu sei que Lisboa é única. Há uma parte da sua magia que hei-de trazer sempre comigo…

Viagem a Lisboa II - “Sinais dos tempos”


Na pausa para almoço, dou um giro em volta e afasto-me das luzes das câmaras. “De tarde é mais para a imprensa. Vem o Ministro e a televisão. Não haverá nada de novo, para além do que aqui foi debatido de manhã”. Interpreto as palavras do assessor como um convite ao desafio. Estar em Belém, no CBB e não espreitar a colecção do Berardo, parecia-me sacrilégio. O estômago reclama. O relógio confirma que é mais do que tempo para meter algo dentro. Dou uma volta pela área e caio num óbvio Macdonald’s, sim, porque eu sou dos que desfruta muito do menu. Situado num rés-do-chão bem antigo que conserva a traça da época, decorado a rigor, pareceu-me um espaço agradável. Sento-me ao lado de três espanholas, mãe e filhas que ficam surpresas pelo meu pedido em castelhano de licença para me sentar nos únicos lugares disponíveis ao seu lado. Nem eu sei bem porquê é que não falei em português. Acho que foi um reflexo condicionado.

Enquanto decoro as batatas com ketchup, dou por mim a pensar que eu sou do tempo em que abriu o 1º Macdonald’s de Portugal, ali ao Saldanha. Ainda me lembro de ver a fila para entrar, que dava voltas ao quarteirão. A voragem dos tempos é tanta que parece que estou a falar de algo que aconteceu há séculos. Na verdade foi só um.

Uma mensagem do telemóvel recorda-me que nessa altura, em 94/95, também estes aparelhos pertenciam ao exclusivo domínio da futurologia. A malta ia às cabines telefónicas e não dava jeito nenhum namorar com um marmelo atrás a rir-se dos beijinhos que seguiam pela linha fora em sussurro. Mas era o que havia…

Como não havia Internet. Se queríamos saber mais, íamos às bibliotecas, consultar os calhamaços cheios de pó, cujos ácaros faziam um festim quando descobriam a minha bronquite alérgica. Uma vez em plena Biblioteca Nacional, escarafunchando arquivos para encontrar as entradas certas para um trabalho sobre as Cruzadas, deu-me tamanha crise que tive de ser rebocado pelos colegas para um espaço com mais ar. Naquela altura saber muito não dependia apenas da sede de conhecimento. Dependia também de uma extraordinária compleição física! E era um autêntico desporto radical.

Nem Messenger, nem vídeo-conferência, nada! Nessa altura os discos não se sacavam da net, só se compravam nas lojas. Os jornais só se vendiam em papel e quem quisesse ir a correr e a ouvir música, tinha que levar um gajo atrás com um carrinho de mão para transportar o rádio. Mp3? Era ficção científica.

Nessa altura não havia correio electrónico. As cartas eram escritas em papel e levadas pelos carteiros ao seu destino, como aquelas que o meu pai me escrevia para contar três ou quatro mexericos cá da terra e para terminar dizendo que a conversa toda era só para distrair, porque o que me queria mesmo dizer era que tinha muitas saudades minhas. Essas eram aquelas cartas que mal as via chegar, esgueirava-me para a casa-de-banho, onde sabia que podia chorar sozinho sem ninguém me importunar. Ainda as tenho guardadas no sótão, mas ainda não sou capaz de lhes mexer.

Eu a falar de Internet! Nesse tempo nem sequer havia computadores. Era tudo feito à unha! À unha e com um lápis ou esferográfica. Na minha faculdade havia para aí 2 computadores que mais pareciam arcas frigoríficas e três máquinas de escrever.

Quando se queriam tirar fotografias, tinha de se meter um rolo e levar à casa para revelar. Isto é muito divertido de se recordar.

Olhando para a televisão, também me ocorre que foi então que Portugal passou a ter mais dois canais de televisão, a SIC e a da Igreja. Até aí era tudo muita cinzento, muito triste e apático. TV Cabo? Sonhei muitas vezes com ela antes de existir.

Saio para a rua e passa um carro com o GPS a dizer ao condutor qual o melhor caminho para chegar onde ele quer. Rio-me por dentro. Lisboa é a mesma, mas o mundo não tem nada a ver com o meu de então.

Viagem a Lisboa III - “Os Jerónimos e o Luís Vaz”


Entro no café da frente e recordo um jogo que fazia habitualmente comigo mesmo nesses tempos de estudante, para fugir da solidão. O tempo que passei em Lisboa foi de clausura auto-imposta quase total. Muito trabalho, muito marranço e solidão, num longo e lento crescimento interno sacado a ferros. Esse jogo consistia em olhar para as pessoas e imaginar quem eram, de onde vinham, o que faziam e no que estavam a pensar. Jogava-o nos cafés, no metro, no autocarro, no comboio e onde calhava. Jogava-o quando estava aborrecido. Acho que o jogava em toda a parte. Já estava destreinado mas voltei a jogá-lo com a rapariga que me serviu o café. Não devia ter mais de 20 anos. Pensei, “deixou a escola cedo demais”. Estava a fazer um frete do caraças e tinha na cara escrito em letras grandes que estava mais do que deserta de se pirar dali. Servia as bebidas com o ar de quem ia ser chicoteado antes de passar a noite na solitária. “Aposto que mora nos subúrbios, que o pai a trata mal e está ali a trabalhar por cunha. É sobrinha do dono, e há uma coisa para resolver entre os irmãos que foi paga com este emprego”. Tem um brinco no lábio e umas olheiras fundas. “Deitou-se tarde. Está grávida do namorado e…” Já não joguei mais porque um velho ao meu lado pediu mais uma ginja e eu pensei que tenho mais que fazer. Sendo assim, fiz-me à rua.

Os Jerónimos, o Mosteiro dos Jerónimos é um daqueles monumentos a que nos habituamos desde crianças e aos quais jamais seremos capazes de reconhecer o devido mérito. Parei-me a contemplá-lo e reconheci que é de facto algo de muito magnífico. Aquela bizarma respira Portugal por todos os poros. Um verdadeiro gigante que olha dali o Rio e avista o Oceano, para perpetuar a memória e a valentia dos portugueses. Construído no séc. XVI, por encomenda de D. Manuel I (Obrigado, Dr.ª Catarina Machado!), depois da chegada de Vasco da Gama da Índia, presta tributo aos descobrimentos, à era dourada do espírito português, quando mostrámos ao mundo aquilo que éramos capazes. Quais Ronaldos, quais Mourinhos, aqueles sim que eram rijos, para mandarem tudo às urtigas e “enfeixarem-se” de cabeça para o desconhecido. A porta lateral é notável e merece bem que se gaste a vista a admirá-la. Entro no interior da Igreja e pasmo-me com a sua altura e magnificência. As igrejas são sempre sítios especiais, pelo menos para mim. Esta é da primeira liga.

Olho para o lado e vislumbro o túmulo do Luís Vaz de Camões, o campeão aquele. Lá estava o túmulo, com o corpinho tal e qual só que em pedra. Descubro então que o gajo era mesmo muito parecido com o António Variações, ou o contrário porque este sempre nasceu primeiro, tem razão. É, a barbinha e o cabelo eram tal e qual. Até me imaginei a vê-lo a saltar lá de dentro e a cantarolar “a cabeça não tem juízo” mas desisti porque me pareceu de mau tom. Há, no entanto, coisas indecifráveis, verdadeiros mistérios da humanidade. Por exemplo, porque motivo meteram quatro leões agachados a suportarem a urna do homem. Sim, porquê? Não faz sentido e é feio. Quatro águias reais a içarem-no com correntes de ouro não era mais dignificante? Eu também acho que sim. Outra, porque motivo lhe colocaram uma almofada por debaixo da cabecita. Era a pedra que estava fria, era? Mas se estava morto, tanto lhe dava, não? Uma última observação: a julgar pelo tamanho dos sapatos, o bicho devia de dormir de pé! Calçava para aí o 44! Granda pata! Livra!

Descubro algures que o Fernando Pessoa também por ali está sepultado. Bem me tinha cheirado a bagaço e a absinto! É por estas e por outras que o nosso sistema de ensino falha. Se quando os jovens começam a estudar a prodigiosa poesia do génio, em autêntica catadupa, lhes fosse dito que o gajo era um dos bêbados mais empedernidos que já puseram as patas em solo luso, a malta começava logo a achar que o bacano era um 5 estrelas e a coisa marchava muito melhor. Não pensam, os governantes…

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Viagem a Lisboa IV - "De visita ao Comendador"


Avanço ávido de luxúria e saber para o Museu do nosso amigo. Começa bem: ou sou eu que sou muito patego, ou para quem gastou tanto dinheiro, bem podiam meter mais umas plaquinhas de sinalização a dizerem por onde é que se entra para aquela porra. Mas bem, lá estava eu, confirmando algumas das minhas expectativas. À entrada, uma escultura de garrafas que supostamente representa uma mulher. Bonito! Menos bonita é a enorme arca frigorífica no corredor de acesso que mais parece uma daquelas que o Filipe tem agora no restaurante novo do Sever. A placa diz que é uma obra de arte e quem sou eu para duvidar. Certo! As meninas sorriem quando pergunto “quanto custa?”. Por entre os dentinhos brancos e os lábios cheios de batôn deixam escapar um sussurro: “é grátis!”. Grátis? Ai sim? Boa!

Os ajudantes que por ali andam são simpáticos. Pelo menos esforçam-se. Vê-se que estão contentes. Pudera! Aquilo é solo sagrado. Quem pisa aquele chão, fica logo mais inteligente. A sério. Todo o mundo que ali mete o cú, fica logo com uns assomos de grandeza. Não sei, deve ser do ar ou do perfume do Comendador.

Cá o Tio Sabi, diz que para ele é assim: Não sei o que é que aquilo era antes. Não sei se era uma estrebaria, ou uma arrecadação, mas o espaço é magnífico e está estrategicamente colocado. Não percebo muito bem a orientação da disposição da colecção. Não há uma base cronológica, nem sequer lógica. As peças estão bem arrumadas segundo a sua natureza, mas andamos para trás e para a frente, subimos e descemos e saltamos no tempo mas se calhar aquilo é mesmo para impressionar. Há o espaço dos surrealistas, do vídeo, da cor, das esculturas, da Pop Art, está giro!

Eu, como sou Vereador da Cultura, também fiz cara de mau e um ar curioso para a malta não me apanhar nenhuma gaffe. E logo me esqueci dos óculos de massa, droga!

Mas avancemos, para mim há ali muita, muita, muita coisa de qualidade de que eu gosto muito. Muito mesmo. Mas também ali há muita coisinha que não lembra ao menino Jesus. Há que ter coragem para dizer que há por ali muita merda, mesmo! E tem que se ter cuidado, porque algumas demonstrações artísticas são de tal forma inovadoras que eu vi gajos mais incautos a olharem para os interruptores e para os sensores de incêndio e a dizerem que sim com a cabeça. “Génio!” sussurravam. Ai ó avó!

Gostei muito do Dali, do Picasso, do Miró, do Magritte, da Paula Rego que eu adoro tanto, do Warhol e do Vieira da Silva exposto numa das salas de baixo. Flipei com o Fischl, o Schnabel, a escultura do George Regal, o Lichtenstein (é sempre uma emoção vê-lo à nossa frente nas dimensões originais), a escultura do John De Andrea, o Mclean e o Monory. As imagens destes todos, apesar de serem de telemóvel, deixo-as em baixo para que também as possam contemplar.

Não gostei do resto quase todo. Há ali cenas que só dão mesmo para rir. Numa das salas de vídeo, vi dois homens e duas crianças a verem numa sala escura uma cena muito louca, um trabalho de vídeo, sobre uma viagem de negócios de uma gaja chamada Marina Abramovic. Era a preto e branco e a imagem, muito tosca e suja. E aquilo era uma viagem de carro, como se nós também lá fossemos. A malta seguia aquilo com a maior das atenções. Uma seca! Se desse no Canal 2 lá de casa, depressa faziam zapping, mas ali, ó amigos, qualquer um pode ser um expert em arte moderna! Vi lá uma caixa de ferramentas pintadas de cinzento e uns desenhos tão mal feitos que nem a Leonor com dores de dentes.

Gostei de ver as pessoas a olharem para as cadeiras disponíveis para quem se queria sentar a admirar as obras, como se fossem também elas uma manifestação artística.

O Berardo é como o Rei Midas, só que o outro transformava em ouro tudo o que tocava, e este transforma em arte.

Ele que se livre de tocar no nosso Rui Costa, coitadinho, transformado em estátua de resíduos sólidos. Ó Berardo, não mo estragues, que vai ser por ali que nós vamos ser campeões.

Ai! Desculpem! Já me estiquei! Futebol e arte não jogam juntos! Acho que me excedi!

Se puderem, não se esqueçam de passar por lá na próxima visita à Capital. Aquilo é purificador… sai-se de lá a falar francês!

Au revoirzinho!

Do que gostei muito:

Paula Rego - The Barn



Eric Fischl - Mother and Daughter (94)

Julian Schnabel - Portrait of Jacqueline (84) - Feito com restos de pratos partidos



George Regal - Flesh nude behind brown door (78)



Andy Warhol - Judy Garland (79)



Roy Lichtenstein - Interior with restful paintings (91)



John De Andrea - Arden Anderson and Norma Murphy (72)



Jack Monory - Velvet Jungle nº 10 - 1 (70)

Do que não gostei mesmo nada:


Sim, sim, conta-me histórias. Caixas destas tem lá o Arlindo muitas na oficina!


Já percebi porque é que não se paga bilhete!