quarta-feira, 28 de julho de 2010

Crime e castigo



As notícias dão conta que o país arde de norte a sul.

Na origem da grande maioria dos fogos estão mãos criminosas que passando impunes de ano para ano, continuam a semear a habitual desgraça que infelizmente caracteriza a época.

Nada a estranhar neste país de brandos costumes.

Em Portugal, o crime compensa. Compensa porque a justiça não funciona, porque é lenta, cega e nunca chega a apanhar quem deve e quem manda. Compensa e sendo assim, quem precisa… prefere arriscar.

Tudo seria bem diferente se nos deixássemos de modernices e tivéssemos ficado pala velhinha Lei de Talião, popularmente conhecida pela máxima: “Olho por olho, dente por dente”.

Fácil. Simples. Eficaz. Porque há crimes que não merecem outra sorte.
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Um pirómano que confesse a sua culpa sabe que “vai dentro” mas também sabe que há sortes piores. Ali vai poder comer à pala, beber à pala e ter acesso a um sem fim de mordomias onde se incluem a televisão a cores, literatura à disposição e o conforto a um regime de pensão completa. Se não entrar em avarias e for bom rapazinho terá ainda a possibilidade de passado ¼ da pena já estar prontinho para montar mais um arraial.

Mas alguém duvida que se o programa incluísse um banhinho a gasolina e uma faísca oportuna, a vontade era logo outra e a coisa mudava de figura? Talvez começassem a pensar duas vezes…

Prontos! Já sabia! É neste preciso momento que se levanta o coro de boquiabertos espantados por um rapazinho tão novo como eu ter ideias tão talibãs quanto estas. Pois… eu compreendo que a coisa possa ser elementar demais, mas que fazer? Quem diz o que pensa…

Passemos para outro “ramo”: pedófilia. Complicado? Naaaa. Simples até. Bastava a genitália ir fora. Querem apostar que a vontade era logo outra?

Tomemos o caso do suposto “Rei dos Gnomos” que se entretinha a “dar caminho” aos amigos mais próximos. E que tal dar-lhe sumiço a ele de vez só para provar o seu veneno? Seria despropositado?

E “ai que horror” que isto são só ideias fascistas, que o ser humano é recuperável, que todo o homem se pode arrepender e voltar a viver em sociedade. Mas o rapaz estará doido?

Está bem, abelha… Conta-me histórias…

Eu gostava de saber se essas pessoas que pensam assim continuariam a pensar da mesma forma se a casa engolida pelas chamas criminosas fosse a delas, se a criança abusada fosse a sua, se o jovem enterrado numa mata qualquer lhe fosse próximo.

Isto quando acontece aos outros…

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Nascer para a música

Depois de 7 meses a aprender viola é natural que um gajo se convença que já toca alguma coisinha e comece a alimentar em segredo dentro de si uma imagem do artista que gostaria de ser.

Eu forrei a capa do meu dossier das letras e músicas com os manos que me inspiram e guiam.

Eu gostava de ter um bocadinho da pinta do Marquinho dos anos 80,



A aura de crooner do bas-fond alfacinha do Tony,


O descaramento do Cid,


Os trinados e a bonomia do Demis Russos,


A pinta e a voz do Rod Stewart, (e já agora, o jeito para as bébés... Excelente conjuntinho!)


O espírito globe-trotter do Roberto Leal,


A categoria do Tom Jones,


A maneira de cantar e a pinta do Rodrigo,


A pose do Nel Monteiro,


E a musicalidade, a autenticidade e a excentricidade do Variações



Se eu tivesse isto tudo ficava contente.

Deus sabe como eu me esforço, como eu treino, como eu deliro de cada vez as coisas correm bem. Já tenho calos nos dedos, tenho as notas e as escalas memorizadas mas sei perfeitamente que ainda sou um bebé na coisa e que tenho que pedalar muito para poder chegar onde quero.

É o que eu digo: a gente pensa que sabe mas depois vai à net e dá de caras com um miúdo destes e… fica com uma cara que eu nem vos conto…
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Dá para acreditar?!?!?!? (Até parece fácil...)










terça-feira, 20 de julho de 2010

Posto de observação: Férias 2010

É capaz de ser a mais curiosa das mais de 500 fotos que tirei neste Verão. Os "Lazy Beggers" cairam-me no goto. Esmola para cerveja, para vinho, para charros ou para a ressaca. Tudo por categorias mas com a sinceridade acima de tudo. Um valor raro nos nossos dias pelo que contribuir é obrigatório. É óbvio que eu e o mano ajudamos estas almas errantes. E eles, perdoaram o cachet da foto... Uma simpatia...
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Do caderninho de notas deste Verão 2010:
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1) Eu na praia gosto de observar: uns lêem jornais, outros revistas do coração. Uns ressonam, outros dormem, outros assam ao sol e algumas ainda fazem crochet. Eu gosto de tentar ver. Hoje em dia, olhar o areal e a fauna que por ali desfila diariamente é como contemplar um quadro vivo do Botero. Percebe-se então, melhor do que nunca, olhando as centenas de corpos em estado de semi-desnudez (apenas tapados por um ou dois farrapos), porque é que se diz que a obesidade é o maior flagelo da saúde dos nossos tempos. Admirando os rabos, as coxas, os braços, peitos e as belas mamas, pasma-se um concluindo que mais de 90% dos exemplares transborda peso em excesso e faz mais do que isso: está-se pouco marimbando para o facto. Quando mais perto do porte de um urso polar, mais eles e elas correm a abalroar o pobre do homem dos bolos que arrisca a vida dia-a-dia no areal de cada vez que abana a sineta. Vê-los enfardar é um regalo!

Eu que já me exibi do lado de lá há não muitos anos atrás, percebo melhor que muitos a diferença de estar de um ou do outro lado da barricada. Um corpo com peso a mais engasga e mergulha para o colapso como para um abismo sem fim. A gordura entope os órgãos vitais, desorienta as células, faz de nós uma bomba relógio. A diabetes, os enfartes e as tromboses esfregam as mãos sentadinhas nas rochas como abutres que sorriem ao contemplar a chegada de mais uma caravana na linha do horizonte da pradaria.

É certo que pode acontecer a qualquer um, mas a possibilidade de uma alimária (daquelas que já oscila nos três dígitos da balança) rebentar em pleno areal ou sucumbir por combustão humana espontânea é gigantesca e imensamente superior a que algo similar aconteça às escassas starlettes que gingam no areal depois de um Inverno de privação e malhação no ginásio. Valeu a pena!

2) A praia estava cheia de idosos. Idosos e idosas, quer-se dizer, pessoas com muitos anos e fatos de banho que parecem sacos-cama às flores e contam a vida toda a cada meia hora. Pareciam os relógios que tocam os hinos de Fátima de 15 em 15 minutos. Pessoas de idade que no meu tempo de miúdo se chamavam velhos mas agora foram baptizados de séniores. E não me venham com a história que seleccionei mal o meu spot. Às 8 e meia da manhã já estava a correr todo o areal e o fenómeno estende-se pelos quase 5 quilómetros de costa. Das duas, três: ou os novos emigraram, ou foram de vacances para o estrangeiro ou estão todos trancados na arrecadação lá de casa com medo que o Sócrates e a crise os comam. Eu não tenho nada contra os velhinhos. Mas preferia, sinceramente, que a a areia estivesse polvilhada com beldades saídas dos reclames dos Corpos Danone. Era mais giro, sei lá! Não sei explicar, prontos.

3) As áreas concessionadas são cada vez mais. Já pagamos para quase tudo. Qualquer dia, quem quiser praia em Portugal tem de pagar e se quiser mesmo espetar o guarda-sol que herdou da família ou gamou na esplanada do café lá da esquina, terá de o enfiar no rabo e sair correndo. Camaradas, a luta armada já esteve mais distante. Resistiremos! Praia livre de merdas e concessões, já!

4)
Por falar em resistência… continua a saga das bolas de Berlim sem creme. Um flagelo! O grandessíssimo filho da puta que inventou esta medida absurda devia ser atado a uma traineira pelos tomates e rebocado até Marrocos a alta velocidade sem se desviar dos tubarões, orcas e outros mamíferos subaquáticos. Puta que o pariu! Há-de arder nos confins dos infernos para toda a eternidade. É o que lhe desejo por me ter estragado um prazer de menino!

Conversa real entre a minha pessoa e o mano que vendia as bolas na primeira tarde de praia deste ano:
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-“Boas, ó chefe! Tem bolinha? Sai uma com creme, então!”.
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(O gajo, rindo) - “Com creme? Naaaa… Estão proibidas!”
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-“Proibidas? Tcchhh, não sabia! Ande lá… você de certezinha que tem aí uma escondida para si debaixo do paninho de linho… Venha ela! Dispense-me isso! Eu vim hoje do Alentejo e sou assalariado. Só tenho uma mísera semana de praia por ano. Cheguei há pouco e tenho de comemorar, de preferência, antes que a minha filha nos apanhe…”.
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- “Não posso, amigo. Íamos presos… Sem creme não quer?”
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- “Não!”
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- “E com creme, queria?”
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-“Ouça… se você tivesse com creme eu comprava-lhas todinhas! Até lhe comprova a trotinete! Dava-lhe gorjeta e comprava-o a si só para ser meu amigo mesmo que gastasse até ao meu último cêntimo. Sem creme não quero. Embaçam!”

5) Quando chegava das minhas corridas matinais, de calções, em troco nú e de óculos de sol, cruzava-me com pessoas na entrada do empreendimento e se me antecipava, segurava sempre o portão para que pudessem passar, carregadas com o estojo da praia (o meu já lá estava). Muitas delas agradeciam-me em inglês: “Thank you”. Eu ficava sem conseguir responder, embargado pelo reconhecimento do meu ar cosmopolita, de cidadão do mundo, vá! Com a selecção a jogar assim e com este governo, quem é que tem orgulho em ser português?!?!? Assim como assim, ficar calado e apenas sorrir nem era muito mau da minha parte. Se respondesse “You’re welcome” teria sido bem pior, não concordam?

6) Na faculdade, os professores proibiram-me de ler o “Correio da manhã”. Péssimo jornalismo, diziam. Eu, que era fã assumido do “Jornal do Incrível” e da “Gaiola aberta”, estranhei a privação. Redescobri o prazer da sua leitura muitos anos depois, na Pastelaria do Choca, entre umas fresquinhas e tremoços. O “CM” é o único e mais fiel retrato do país real, do Portugal profundo. A actualidade não fica completa sem o seu estalo pimba. No Algarve era o primeiro jornal a esgotar. Voavam da banca e esvoaçavam depois pelo areal fora. Não há como começar um dia de praia sabendo de mais um assassinato, uma burla e um desaparecimento em parangonas. Para o ano, façam mais! Ou pelo menos, distribuam-nos melhor.

7) Este foi o Verão em que redescobri a magia sedutora de comer um Fizz limão sentado na esplanada de um bar da praia. A reedição deste mito da nossa infância já é uma das bombas do milénio! O fado é mentiroso. Pode-se voltar a ser feliz onde já fomos no passado. O céu é verde fluorescente, está fresquinho e espera por nós em qualquer ponto de venda da Olá.

8) Este foi o Verão de confirmação da minha geleira. Eu sei que a cor é horrível mas já não haviam azuis-bébé e eu queria mesmo uma da Camping Gaz verdadeira. Cor-de-rosinha desmaiado também não está mal. E serve o propósito na perfeição. Guarda os iogurtes da bebé, os suminhos da mais crescidas e as minis 25 cl. do papá! Maravilha! De revelação a confirmação! Uma das compras da minha vida!

9) As pequenas conseguiram convencer-me (dada a proximidade do apartamento) a não ficar o dia inteiro na praia e a ir almoçar com elas a casa. Foi uma boa concessão. Comecei a comer melhor e redescobri o prazer de assistir às “Tardes da Júlia Pinheiro” na TVI enquanto ensaiava violão. Como é que eu pude ser feliz perdendo este programa que já é o meu favorito da televisão portuguesa? Que burro eu era! Eu vivia na Idade Média e a Júlia marcou a viragem para o Renascimento televisivo. Para já, apesar de entradota, ainda gasta bem as solas. Tem o seu quê! Depois, quem mais tem o talento de fazer programas com títulos tão sugestivos como “Eu só casei aos 40” ou “Eu fui o melhor amigo da minha mulher durante a menopausa”? Júlia: Tu és grande e mereces o céu! Sabes o que arranjaste? Já tenho o Meo programado para gravar todinhos e não vou deixar de rever mais nenhum ao serão. Júlia… tu devias ser a nossa rainha! “Eu amo você!”.

E prontos! Apontei muito mais coisas mas as outras eram tontas e sem sentido. Não valia a pena contar… Envergonho-me!

domingo, 18 de julho de 2010

A banhos...


Ah, meus amigos (e amigas)… umas feriazinhas… Tinha de ser…

Pois, eu sei que não se fecha assim a taberna por quase 10 dias sem passar pano à clientela mas não houve mesmo oportunidade. Só houve tempo de armar a trouxa e zarpar. As novas tecnologias ficaram deliberadamente para trás. Foram dias dedicados em exclusivo à família. Mergulhos salgados, banhos de sol, petiscos e gelados (Muito Fizz limão!), sardinhas e excelsos jantares, mas também corridas, caminhadas e claro, minis geladinhas no areal magnificamente refrescadas com distinção pela minha geleira de eleição. Um mimo!

Já tenho saudades, mas enfim.

Como nos ensinaram os bons Python, temos sempre de fazer um esforço para olhar para a vida pelo lado mais brilhante.

Sendo assim, não chorem mais. O vosso velho Tio Sabi já está aqui de volta para animar a pequenada com as suas tarequices.

E para provar que não me esqueci de vocês, aqui vos deixo um artigo que li no Público da outra Sexta-Feira, dia 9 de Julho, que me deixou verdadeiramente emocionado. Tem dentro todo o poder revelador da música e vale mesmo a pena ler. Para o poder partilhar convosco vi-me obrigado a comprar a edição desse dia na loja digital do jornal pelo que nem que seja por isso, não me façam a desfeita. Percam lá 5 minutos e vão ver se não vale a pena.

Muitos beijinhos e até já!





Alzheimer
O que é que a música lhe faz lembrar, Marsha?

Um homem que parecia não ter memórias da sua vida acabou por lembrar-se que um dia tinha ido a um concerto de Frank Sinatra. Uma mulher que é incapaz de dizer o que comeu ao pequeno-almoço sabe de cor o Let me call you sweetheart. Pode a música ser uma forma de resgatar o passado enterrado pela demência? Por Donald Bradley
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Percebe-se a custo que o ténis branco está a bater no chão. Levemente, suavemente, regularmente. Como o bater de um coração. “O que é que a música lhe faz lembrar, Marsha?”, pergunta o enfermeiro de Villa Ventura, no Sul do estado do Kansas, Estados Unidos da América, num tom suficientemente alto para ser ouvido por cima do som dos auscultadores.

A mulher olha para cima, primeiro um pouco intrigada, depois responde: “De estar viva.” Os investigadores no campo da medicina não parecem ter conseguido até agora fazer muito pelos doentes com Alzheimer. Talvez Perry Como o consiga. Ou Patsy Cline. Ou até mesmo Mozart. Hospitais e casas de acolhimento ao longo dos Estados Unidos da América estão cada vez mais a utilizar a música para tentar alcançar áreas do cérebro encobertas pela demência. A doença de Alzheimer é degenerativa. Mas alguns especialistas pensam que canções antigas podem atrasar a evolução da patologia, e activando memórias e possivelmente até restaurando algumas funções cognitivas.

Concetta Tomaino, directora-executiva do Instituto de Música e Funções Neurológicas dos Serviços em Nova Iorque, afirma que os doentes com demência em estádios médios ou avançados tiveram valores mais elevados nos testes de funções cognitivas após dez meses de terapia musical.

Desde há muito se sabe que, mesmo depois de já não reconhecerem nomes e caras, os doentes ainda conseguem cantar a acompanhar a sua canção favorita. “O processamento auditivo parece ser a última capacidade a desaparecer”, avança Tomaino, que trabalha neste campo há 32 anos. E as pessoas, conscientemente ou não, associam canções a acontecimentos, como se fosse uma espécie de banda sonora da sua vida.

Canções para cada doente

Assim, nesta era de assombrosa tecnologia médica, uma canção como "Ain’t she sweet" poderá ser a melhor ferramenta para recuperar memórias de amor, família, um dia de neve ou o regresso a casa.

O lar Villa Ventura iniciou recentemente o seu programa de música em iPod. Sarah Miller, directora de assistência aos internados, não pode falar de nenhuma melhoria de funções cognitivas, mas pode falar daquilo que todos os enfermeiros desejam para os doentes com demência: um momento de alegria.

No período de confusão do fim da tarde conhecido como sundowning, uma residente pode ficar agitada e sentir-se ansiosa e perdida. Mas basta colocar os auscultadores do iPod nas orelhas e pôr a lista de músicas fornecida pela família a tocar, e ela acalma-se.

Conta Miller: “Ela pode não se lembrar do que comeu ao pequeno-almoço, mas consegue recordar toda a letra de Let me call you sweetheart.” Os investigadores sabem desde há muito que os sentimentos, as emoções e as memórias estão adormecidos no fundo das mentes – como caixas esquecidas no sótão – das pessoas com demência. Aceder-lhes tem-se revelado um grande desafio.

“Agora, estamos a aprender cada vez mais e mais acerca de como a música pode levar a uma melhoria das funções, que podem despertar mais a mente”, diz Michelle Niedens, directora para a educação e programação da secção “Coração da América” da Associação Alzheimer, sedeada em Prairie Village, estado do Kansas. O que já não acontece com uma cara ou uma fotografia. “A mente não consegue decompor a imagem”, explica Tomaino. “A música é neurologicamente mais enriquecedora.” E a razão para isso é o facto de o ritmo, a melodia e o volume da música a tornarem um estímulo complexo que não é processado por uma só área do cérebro.

Tomaino fala-nos acerca de um doente que raramente falava e parecia não se recordar de nada do que tinha feito ao longo da sua vida. Mas, após participar num programa de música, o homem contou como anos antes tinha ido assistir a um concerto de Frank Sinatra no Paramount Theatre [em Nova Iorque]. Sabe-se também de doentes que recomeçaram a alimentar-se sozinhos.

Outra vantagem é que o efeito calmante de música que é familiar pode diminuir a necessidade de medicar doentes agitados.

Estas investigações foram vistas – ou ouvidas – pelos responsáveis da Senior Star Living, a companhia sedeada em Tulsa que é proprietária de Villa Ventura. O programa de música da companhia está já a ser posto em prática em todas as suas instalações. As equipas de funcionários trabalham em conjunto com as famílias para criar listas de canções únicas para cada doente.

“Perseguir a felicidade”

Os estudos ainda não determinaram qual o efeito que a música tem na doença de Alzheimer, declara Letitia Jackson, a directora de serviços de saúde da companhia. “Mas temos ouvido acerca de regeneração de células cerebrais, melhorias ao nível cognitivo e de humor. Por isso tivemos que agarrar esta oportunidade.”

Marsha Snyder, de 66 anos, está sentada num sofá em Villa Ventura a gingar ao som de "I only have eyes for you", de Harry Connick Jr. “Ele está a cantar para mim”, diz esta ex-enfermeira, com um grande sorriso. Depois nota que está um homem sentado ao seu lado. Ele estala os dedos de ambas as mãos. A cabeça abana. Estão os dois com auscultadores nas orelhas. Ela bate-lhe com o cotovelo. “O que é que estás a ouvir?”, pergunta ela. Ele responde com uma canção. "My momma done tol’ me… Blues in the night". Ele até imita um trompete. Bob Ryan tem 88 anos e não sofre de demência. Apenas gosta de música. Canta até passar um empregado a empurrar um carrinho de comida. “Vou ter que lhe cobrar por esta versão”, diz Ryan ao empregado.

Em Villa Ventura está quase a bater as quatro horas da tarde. Tal como em lares e casas de repouso um pouco por todo o lado, é a altura do dia em que as actividades tendem a terminar e começa a agitação. Parte da confusão e ansiedade está relacionada com a mudança de turno dos funcionários. Outra parte está relacionada com a escuridão que se instala no exterior. Está na hora de ligar os iPod.

Marlene gosta dos Beatles. Fazem-na lembrar de quando os seus filhos eram pequenos. “Andamos a perseguir aquele momento de felicidade – quer seja de cinco minutos ou de cinco segundos”, diz Sarah Miller enquanto a observa.

Normalmente, os residentes querem ouvir Sinatra, orquestras de Glenn Miller, Benny Goodman e êxitos pop. Mas isso irá mudar com o passar do tempo.

Qualquer dia, esses pedidos deverão começar a incluir, também, os Rolling Stones e Michael Jackson.

Exclusivo PÚBLICO/ The Kansas
City Star

terça-feira, 6 de julho de 2010

De volta...

Foto daqui
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O trabalho levou-me de volta à cidade, à grande cidade. Por 5 dias estive de novo refém dela.

Eu também sou dos que acham que Lisboa é uma cidade magnífica, uma capital da qual todos nós portugueses nos deveríamos orgulhar. É castiça e autêntica, vaidosa na sua luz tão própria, secular e cheia de história(s), mas também sabe ser moderna e europeia quando quer. Lisboa não se deixa ficar mal. Eu adoro Lisboa mas é quando lá vou sabendo que me venho embora.

Já a deixei há muitos anos, quase 15, mas do muito que mudou, há coisas que permanecem precisamente iguais.

Entro no comboio e olho em volta. A carruagem vai cheia. Uns dormitam, outros fitam o betão pela janela com olhos baços e distantes. Nunca olham uns para os outros. Fazem como se quem viaja ao seu lado não existisse. Desviam o olhar quando algum se cruza com o seu. Levam headphones nos ouvidos por onde parecem receber as ordens que cumprem em movimentos mecânicos. São incapazes de um gesto que revele emoção. Estando lado a lado, conseguem estar a quilómetros de distância. Não falam da bola, do tempo, da família, do que lhes vai na alma. Apenas estão.

Às 8h e 30m da manhã de um dia de semana, a baixa está estranhamente deserta, como se fosse um domingo de há meia dúzia de anos atrás. Parece o cenário de um filme futurista. Estando com tempo, tomo o pequeno-almoço numa esplanada dos restauradores, sem filas nem pressas. Subo a avenida a pé e cruzo-me com dezenas de sem-abrigo que dormitam em frente às montras das lojas de griffe. Uns arrumam os parcos pertences em sacos de plástico, outros esperguiçam-se e caminham até ao jardim como se fossem ver as flores do quintal da casa que não têm, outro ainda esfumaça um cigarro de perna trocada, com a descontracção de quem está na suite presidencial de um Hilton. Um de mais idade pede-me uns trocos para comer e eu lembrei-me num flash de uma das primeiras vezes que visitei Lisboa com os meus pais e da aflição que me causou ver pessoas a pedir na Rua do Carmo por entre a multidão imperturbável. Era duro demais para uma criança de província. Corri para alguns e só parei quando me explicaram que não poderia ajudar todos. Devia ter uns seis anos. Nunca mais me esqueci. Desta vez também não pude ajudar todos, mas este à minha frente sim. Abriu a boca desdentada a custo e pensei que me iria agradecer. Antes perguntou: “que dia da semana é hoje?”.

Se eu vivesse numa cidade haveria de ir sempre ao mesmo café de esquina para que as pessoas me conhecessem e se metessem comigo sempre que o meu clube perdesse.

Se eu vivesse numa cidade, haveria de me sentar sempre no mesmo lugar dos transportes públicos para ver se conseguia meter conversa com o vizinho do lado.

Se eu vivesse numa cidade haveria de desmontá-la e fazê-la pequena para que se parecesse mais com a minha aldeia.

Acho que eles têm razão. Rato do campo não vive em cidade e se for assim, eu tenho orgulho em ser campónio.

As pessoas que vivem numa cidade e querem ser gente de carne e osso têm de ter muita coragem. Têm de ter alma de resistentes. Têm de ser uns heróis.