sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Translating (nota do editor: traduzindo)

Post dedicado à mulher que amo



Este blogue é poderoso. Pensar que quis acabar com ele é desolador. Como é que fui capaz?!?!

Eu também vivo aqui. Por aqui chego a quem quero. Isto vale muito mais que um livro, uma revista ou outra publicação qualquer. Isto vale muito. Isto vale-me a mim. Quanto mais não seja, vale por isso.

Há muito tempo que ando a querer explicar à minha Leonor a importância que tem em se perceber a língua inglesa quando se gosta de música. Quando se compreende o inglês, a música ganha outro sentido porque a mensagem que ganha terreno à musicalidade.

O inglês que sei aprendi-o muito pela música e pelos filmes e por nada ser dobrado em português. A dobragem torna as pessoas cómodas, egoístas, fechadas, lazeirentas. O cérebro pára, só consome. Enquanto a legendagem nos faz estar permanentemente a dobrar a nossa própria língua. A ver os erros, a corrigir. O cérebro está sempre a trabalhar em dois caminhos, em duas vertentes, em duas pistas.

O inglês aprendi-o por mim. Os meus pais nunca me ensinaram a língua inglesa porque nunca souberam para eles, quanto mais. A minha mãe dá uns toques mas limitados. O convencional. Quanto ao meu pai, os únicos toques que dava era na bateria Ludwig igual à do Ringo Starr e na viola. Inglish? No, Só de praia!

Chegado ao ciclo preparatório, a língua estrangeira de escolha foi a francesa, considerada a segunda, desde o tempo da minha mãe, quando a cultura francesa tinha muita força. A minha geração foi a de confirmação de viragem para a língua das terras de sua majestade. O inglês que é a língua universal, a maior do globo, a mais falada, à frente do castelhano e do chinês que só é percebida pelo raio dos “amarelos”.

Aprendi o inglês tão bem na vida que cheguei a ser professor da língua inglesa na Guarda Nacional Republicana, onde ensinei o idioma a centenas de alistados durante três anos. Tirei o curso, não tinha emprego e tinha de me desenrascar, ganhar dinheiro para dar alegria à minha vida. Não tinha habilitação própria mas como tinha muitos anos de inglês, incluindo na universidade, desenrascava. Vim-me embora porque aquilo não era certo, já estava casado e tinha de me virar por mim. Como os contratos eram anuais, revalidados em Dezembro e o Natal era sempre incerto e angustiante em vez de ser tempo de família e de paz, decidi sair, por mim. Para grande pena dos meus superiores lá que gostavam muito de mim. Como sou bom rapaz, educado, respeitador, deixei marca. Ainda alguns quando me revêem me tratam por professor. E eu gosto. J

Há dias traduzi em direto e no momento esta música dos Coldplay. A Leonor estava a ver o vídeo na MTV e eu expliquei-lhe no momento, a importância de se compreender o inglês. Não traduzi tão bem como aqui está agora, mas passei as linhas gerais. Um misto de emoções atropelaram-me nesse instante. Isto não é apenas uma música. Isto é um hino à vida. Um hino dos Coldplay que conseguem ser brilhantes quando são assim simples e desarmantes. Quando acabei de traduzir isto à Leonor, eu que quase morri de um estúpido acidente de Vespa, senti-me tão bem por lhe conseguir passar esta mensagem à filha já adolescente que comecei a chorar. Não foi um pranto, mas um choro contido, de glória, com as lágrimas a correrem-me cara abaixo, em silêncio como na música.



Quando tentas o melhor mas não consegues,
                                                   When you try your best but you don't succeed,
Quando alcanças o que queres mas não o que precisas,
When you get what you want but not what you need,
Quando te sentes tão cansada mas não consegues dormir,
When you feel so tired but you can't sleep,
Presa em voltar atrás,
Stuck in reverse

E as lágrimas correm-te pela cara abaixo,
And the tears come streaming down your face,
Quando perdes alguma coisa que não consegues voltar a pôr no lugar,
When you lose something you can't replace,
Quando amas alguém mas deitas fora,
When you love someone but it goes to waste,
Poderá ser pior?
Could it be worse?


As luzes irão guiar-te a casa,
Lights will guide you home
E fazer-te mexer,
And ignite your pulse,
E eu irei tentar arranjar-te.
And I will try to fix you.


E lá bem alto ou muito em baixo,
And high up above or down below,
Quando estás tão apaixonada para o deixar partir,
When you're too in love to let it go,
Mas se nunca tentares, nunca irás saber,
But if you never try you'll never know
Quanto realmente vales
Just what you're worth


As luzes irão guiar-te a casa,
Lights will guide you home,
E fazer-te mexer,
And ignite your pulse,
E eu irei tentar arranjar-te.
And I will try to fix you.


Depois desafiei a Leonor para traduzir uma música das que ambos gostamos e agora passam muito na rádio. Junta o vocalista dos Fun e a Pink que agora está em grande e em todas as frentes.

O resultado que vem a seguir, com o vídeo e a tradução feita por ela surpreendeu-me. A tradução é mesmo dela e é bem feita. Tinha uma série de músicas que lhe queria pedir para traduzir. Mas para uma miúda de 11 anos, passou com tanta distinção e feeling musical que rebentou com as que se músicas que se seguiam. Traduziu a música melhor que a mãe que é técnica superior de turismo. Não sabe tanto de inglês mas soube procurar e já vai sabendo mais de música e poesia. Não valem a pena mais traduções. Passaste Leonor. E com distinção!



Desde o princípio,
Right from the start
Eras um ladrão,
You were a thief
Roubaste o meu coração
You stole my heart
E eu… (não traduziu o resto da frase “your willing victim” porque não sabia traduzir. Viu no dicionário e não conseguia perceber. Deixou em branco. Prova que a tradução é mesmo verdade, feita por ela, como ela me jurou, olhando-me para os olhos e eu acreditei nela. Como sempre acredito quando lhe olho para os seus olhos)
And I your willing victim
(Traduz o pai)         E eu, a tua vítima voluntária

Deixei-te ver as minhas partes
I let you see the parts of me
Que não eram tão bonitas
That weren't all that pretty
E com cada toque tu arranjaste-as
And with every touch you fixed them

Agora tu tens falado a dormir
Now you've been talking in your sleep, oh, oh
Coisas que tu nunca me disseste
Things you never say to me, oh, oh
Diz que já tiveste o suficiente
Tell me that you've had enough
Do nosso amor, nosso amor
                                                                                                   In our love, our love

Dá-me apenas uma razão
Just give me a reason
Apenas um pouco é suficiente
Just a little bit's enough
Apenas um segundo quando o partido está apenas dobrado
Just a second we're not broken just bent
Para podermos voltar a amar
And we can learn to love again
Está nas estrelas
It's in the stars
Está escrito nas cicatrizes dos nossos corações
It's been written in the scars on our hearts
Nós não estamos partidos mas apenas dobrados
We're not broken just bent
Para podermos voltar a amar
And we can learn to love again



Desculpa não estou a entender
I'm sorry I don't understand
De onde está a vir isto tudo
Where all of this is coming from
Pensei que estávamos bem
I thought that we were fine (Oh, we had everything)
A tua cabeça está num caos outra vez
Your head is running wild again
Minha querida ainda temos tudo
My dear we still have everythin'
E são só coisas da tua mente
And it's all in your mind (Yeah, but this is happenin')

Tu tens tido pesadelos horríveis
You've been havin' real bad dreams, oh, oh
Tu costumavas deitar-te ao pé de mim´
Used to lie so close to me, oh, oh
Não há mais do que lençóis vazios
There's nothing more than empty sheets
No nosso amor
 In our love, our love


Just give me a reason
Dá-me apenas uma razão
Apenas um pouco é suficiente
Just a little bit's enough
Apenas um segundo quando o partido está apenas dobrado
Just a second we're not broken just bent
Para podermos voltar a amar
And we can learn to love again
Está nas estrelas, está escrito nas cicatrizes dos nossos corações
You're still written in the scars on my heart
Nós não estamos partidos mas apenas dobrados
You're not broken just bent
Eu nunca parei, para podermos voltar a amar
I never stopped, and we can learn to love again


Our tear ducts can rust
Vou arranjar isso para nós
I'll fix it for us
Nós estamos a ganhar pó
We're collecting dust
Mas o nosso amor é bastante
But our love's enough
Tu estás a segurá-lo
You're holding it in
Tu estás a servir uma bebida
You're pouring a drink
Não, nada é tão mau como parece
No,nothing is as bad as it seems
Vamos dizer a verdade
We'll come clean

Tradução de Leonor Sobreiro de 11 anos
(nota do pai, editor e dono desta taberna virtual): às vezes parece incrível mas é verdade, verdadinha, verdadeira) 

terça-feira, 27 de agosto de 2013

A GRANDE pequena Alice (de 3 anos)



A minha Leonor é muito inteligente. Digo isto com muita alegria e alguma vaidade mas sem me querer armar aos cágados. É a constatação de uma realidade. Dizer isto para mim é tão óbvio como dizer que a Alicia Keys é linda, tem uma voz soberba é uma artista que não dá um tiro ao lado. A Leonor sempre teve uma inteligência pacífica, tranquila.

A minha Maria, filha pelo baptismo, também é muito inteligente. Mas já é uma inteligência rebelde, algo desassossegada. Muito desassossegada. Questiona tudo o que mexe.

A ver se consigo explicar a diferença: pela Leonor ainda vivíamos no tempo do Salazar se ele não tivesse caído da cadeira, o pobre do velhinho. Para não fazer reboliço, ela aguentava o Antigo Regime. Sofria em silêncio.

Isto para dizer que se as grandes são assim, a minha Alice é um upgrade da Maria. É a inteligência dela em versão de 2010. Rebelde ao cubo. Um cubo em 3 dimensões e virtual.

Dois apontamentos deste domingo passado:

Fomos almoçar fora com as tias do Vasco Santana (as minhas…) no sítio do costume quando saímos para comer no Verão, à beira rio e a ver Marvão. Onde se paga não só a comida mas o espaço também. Tudo muito bom, tudo muito fantástico. Mas a Dona Alice, que tinha ido de manhã para a piscina comigo e com a mana, arreou depois do peixinho grelhado. Não foi ao tapete, resistiu mas quando fomos dar uma voltinha a Castelo de Vide para apresentar às minhas tias que estavam desertas de ver gente e coisas novas, a loja da mãe da minha amiga Sofia Borges, a Alice deixou-se dormir no carro. Aí só não foi ao tapete como se diz no boxe porque ficou encostada na cadeirinha. Ficou com guarda mas a descansar no carro. “Coitadinha… eu sabia que se ia deixar dormir”, pensei. Uma meia hora depois decidimos regressar a casa. Eu arrisquei-me na condução e desci uma rua mais estreitinha do que eu me lembrava, que vai da igreja matriz à fonte da vila. Raspei um bocadinho com o espelho. Um bocadinho, porque o Astra é largo que se farta e eu estava habituado a descer aquilo à pendura nos carros dos meus pais, mais franceses e mais fininhos, um Renault e um Peugeot. Tudo tranquilo. Tudo calmo. Mas a menina Alice, de 3 anos, acordou com uma energia que foi como a inteligência dela. Quando ouviu o carro a raspar, saltou e disse bem alto e a ralhar: “se a mãe tivesse vindo não te tinha deixado vir por aqui!” Logo assim, de rompante e à primeira, sem medir as distâncias. Como eu não tinha medido com o carro.

Como se não bastasse, de tarde outra pérola, esta relatada pela mãe que a presenciou. Como almocei bem, apenas jantei uma sopa e uma peça de fruta. A Cris falou com a Tia Bia e ela disse que a Alice tinha comido bolachas na Beirã. Houve mal entendido e a Cris que é uma mãe zelosa foi-se na conversa da minha tia que tem quase 90 anos e já se alimenta com muito pouco porque os anos não querem fartazanas. Confiaram uma na outra. Descuraram a Alice. A Alice também comeu uma sopa fantástica que a mãe tinha estado a fazer nessa tarde, para desenjoar. Quando acabou de comer a sopinha, achando que o convés ainda não estava bem arrumado, disse: “ó mãe: eu agora queria um bocadinho daquilo que se come depois da sopa ao jantar.”


Compreendem agora o que escrevi no princípio do texto?

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Espelhos

Hoje apercebi-me pela radio que o Justin Timberlake tinha vencido ontem o MTV vídeo music awards. Uma cerimónia de prémios que era um must imperdível para mim quando era teenager. Hoje estou quarentão e já me passa ao lado. Mas a música não. O vídeo é verdadeiramente impressionante. Compreender a letra ajuda muito. Vou abrir neste blogue o capítulo da tradução em breve (era para ser hoje...) e esta é uma das sérias candidatas para ficar na calha.

O Justino Timberlaquiano aprimorou-se e ter o mago Timbaland por trás ajuda. E muito.

Eu gosto muito de música pop. Pop de popular, inteligente, orelhuda. Pop como o meu amigo Zé Manel Dias que o meu pai numa tirada ao seu melhor estilo, alcunhou de Zé Pop.


Esta pop não é uma pop qualquer. É envolvente…


Professor Bama, ali na 5 de Outubro, em Pistalegre

Este Verão tem sido mesmo para viver o Verão. Família, piscina e amigos são os pratos do dia desta ementa mediterrânica do summer. Só há noite tenho tempo para ir tratando da minha vida na net.

Enquanto preparo as novas publicações que vão sair amanhã fresquinhas, tempo agora para um conselho. Uma palavra de apoio recebida há dias no vidro do carro em Portalegre.

Quando os tempos são de aflição… 

É favor não confundir este Bama que é o verdadeiro com o primo escurinho que é presidente dos Estados Unidos da América. Esse tem a letra O antes do nome e é um fraco pensador. Bama é um e Obama é ligeiramente diferente. O que é nacional é bom... Vejam apenas as credenciais: Mestre, astrólogo, curandeiro, espiritualista e como se não chegasse, ainda por cima é cientista. Nível!



terça-feira, 20 de agosto de 2013

Prato do dia: iscas de sebolada (com o novo acordo ortográfico?) e um espadarte (grande e velho e xéxé)

Nestes dias, ter um blogue é fácil. Quer dizer… é fácil em termos de assuntos. As matérias blogáveis são tantas, tantas, tantas e surgem de tantos pontos do dia que são como os tortulhos: basta um bocadinho de humidade e nascem logo uns poucos. A informação é tão abundante e as formas de chegar a ela são tão variadas que podia levar o dia inteiro a alimentar o meu blogue, sem me repetir. O menu poderia ser tão rico e variado que o prato do dia nesta tasca nunca se repetiria. O problema é que este prazer não dá rendimento ou como diz o meu grande amigo Pescada, não me dá o dinheiro “que dá alegria à minha vida”. À minha e às minhas pequenas…

O problema é o tempo. Assuntos que deito fora e deixo cair chegam a ser aos pares por dia. Mandar para o lixo petiscos como punhetas de bacalhau e toucinho frito, com tanta fome que há no mundo, dá pena! E o vinho? Eu sei que é carrascão, de baixa qualidade e preço, mas é vinho, que diabo! O tempo não chega… Não dá! No Inverno sempre tenho mais tempo. Quando tudo vai prá caminha, fico acordado a fazer o gosto aos dedos e aos miolos. Agora no verão… com o sol, o calor, a piscina maravilhosa que temos na Portagem… não dá! Ontem à noite, os meus santos sogros deram uma excelsa sardinhada. Hoje outra, na casa do meu querido Escarameia. As solicitações são mais que muitas e eu pareço uma dondoca daquelas que andam a correr de festa em festa para aparecer nas revistas do social. Que cabra vadia me saí!
 

O meu querido Vítor Hugo, colega no fisco e iscspiano como eu, mandou-me esta pérola que adorei. Já tinha recebido há tempos mas voltei a rir-me muito. O português espalhou uma língua lindíssima pelo mundo. África, Ásia e América do Sul. Agora aprende com eles essa mesma língua com o novo acordo ortográfico. Cedendo aos recetores. Saudade… a única palavra que não tem tradução. Saudade desse tempo atrás. Pensar que andou o D. Afonso Henriques a espetar surras na mãe para fundar este condado… Se tivesse estado sossegado a ver o Meo…



Outro amigo do fisco que foi colega nos tempos de liceu, o grande Gonçalo, mandou-me esta belíssima crónica da grande jornalista e escritora Clara Ferreira Alves que eu sigo sempre no Expresso (revista) e na televisão (Eixo do Mal na SIC Notícias). Brilhante, como sempre, sem papas na língua. (clicar nas ligações em cima dos nomes para saber mais)

Para vós, meus petizes, do vosso tio sabi, com amor…

Texto original:

"Eis parte do enigma. Mário Soares, num dos momentos de lucidez que ainda vai tendo, veio chamar a atenção do Governo, na última semana, para a voz da rua.

A lucidez, uma das suas maiores qualidades durante uma longa carreira politica. A lucidez que lhe permitiu escapar à PIDE e passar um bom par de anos, num exílio dourado, em hotéis de luxo de Paris.

A lucidez que lhe permitiu conduzir da forma "brilhante" que se viu o processo de descolonização.

A lucidez que lhe permitiu conseguir que os Estados Unidos financiassem o PS durante os primeiros anos da Democracia.

A lucidez que o fez meter o socialismo na gaveta durante a sua experiência governativa.

A lucidez que lhe permitiu tratar da forma despudorada amigos como Jaime Serra, Salgado Zenha, Manuel Alegre e tantos outros.

A lucidez que lhe permitiu governar sem ler os "dossiers"…

A lucidez que lhe permitiu não voltar a ser primeiro-ministro depois de tão fantástico desempenho no cargo.

A lucidez que lhe permitiu pôr-se a jeito para ser agredido na Marinha Grande e, dessa forma, vitimizar-se aos olhos da opinião pública e vencer as eleições presidenciais.

A lucidez que lhe permitiu, após a vitória nessas eleições, fundar um grupo empresarial, a Emaudio, com "testas de ferro" no comando e um conjunto de negócios obscuros que envolveram grandes magnatas internacionais.

A lucidez que lhe permitiu utilizar a Emaudio para financiar a sua segunda campanha presidencial.

A lucidez que lhe permitiu nomear para Governador de Macau Carlos Melancia, um dos homens da Emaudio.

A lucidez que lhe permitiu passar incólume ao caso Emaudio e ao caso Aeroporto de Macau e, ao mesmo tempo, dar os primeiros passos para uma Fundação na sua fase pós-presidencial.

A lucidez que lhe permitiu ler o livro de Rui Mateus, "Contos Proibidos", que contava tudo sobre a Emaudio, e ter a sorte de esse mesmo livro, depois de esgotado, jamais voltar a ser publicado.

A lucidez que lhe permitiu passar incólume as "ligações perigosas" com Angola, ligações essas que quase lhe roubaram o filho no célebre acidente de avião na Jamba (avião esse transportando diamantes, no dizer do então Ministro da Comunicação Social de Angola).

A lucidez que lhe permitiu, durante a sua passagem por Belém, visitar 57 países ("record" absoluto para a Espanha - 24 vezes - e França - 21), num total equivalente a 22 voltas ao mundo (mais de 992 mil quilómetros).

A lucidez que lhe permitiu visitar as Seychelles, esse território de grande importância estratégica para Portugal, aproveitando para dar uma voltinha de tartaruga.

A lucidez que lhe permitiu, no final destas viagens, levar para a Casa-Museu João Soares uma grande parte dos valiosos presentes oferecidos oficialmente ao Presidente da Republica Portuguesa.

A lucidez que lhe permitiu guardar esses presentes numa caixa-forte blindada daquela Casa, em vez de os guardar no Museu da Presidência da República.

A lucidez que lhe permite, ainda hoje, ter 24 horas por dia de vigilância paga pelo Estado nas suas casas de Nafarros, Vau e Campo Grande.

A lucidez que lhe permitiu, abandonada a Presidência da Republica, constituir a Fundação Mário Soares. Uma fundação de Direito privado, que, vivendo à custa de subsídios do Estado, tem apenas como única função visível ser depósito de documentos valiosos de Mário Soares. Os mesmos que, se são valiosos, deviam estar na Torre do Tombo.

A lucidez que lhe permitiu construir o edifício-sede da Fundação violando o PDM de Lisboa, segundo um relatório do IGAT, que decretou a nulidade da licença de obras.

A lucidez que lhe permitiu conseguir que o processo das velhas construções que ali existiam e que se encontrava no Arquivo Municipal fosse requisitado pelo filho e que acabasse por desaparecer convenientemente num incêndio dos Paços do Concelho.

A lucidez que lhe permitiu receber do Estado, ao longo dos últimos anos, donativos e subsídios superiores a um milhão de contos.

A lucidez que lhe permitiu receber, entre os vários subsídios, um de quinhentos mil contos, do Governo Guterres, para a criação de um auditório, uma biblioteca e um arquivo num edifico cedido pela Câmara de Lisboa.

A lucidez que lhe permitiu receber, entre 1995 e 2005, uma subvenção anual da Câmara Municipal de Lisboa, na qual o seu filho era Vereador e Presidente.

A lucidez que lhe permitiu que o Estado lhe arrendasse e lhe pagasse um gabinete, a que tinha direito como ex-presidente da República, na... Fundação Mário Soares.

A lucidez que lhe permite que, ainda hoje, a Fundação Mário Soares receba quase 4 mil euros mensais da Câmara Municipal de Leiria.

A lucidez que lhe permitiu fazer obras no Colégio Moderno, propriedade da família, sem licença municipal, numa altura em que o Presidente era... João Soares.

A lucidez que lhe permitiu silenciar, através de pressões sobre o director do "Público", José Manuel Fernandes, a investigação jornalística que José António Cerejo começara a publicar sobre o tema.

A lucidez que lhe permitiu candidatar-se a Presidente do Parlamento Europeu e chamar dona de casa, durante a campanha, à vencedora Nicole Fontaine.

A lucidez que lhe permitiu considerar Jose Sócrates "o pior do guterrismo" e ignorar hoje em dia tal frase como se nada fosse.

A lucidez que lhe permitiu passar por cima de um amigo, Manuel Alegre, para concorrer às eleições presidenciais mais uma vez.

A lucidez que lhe permitiu, então, fazer mais um frete ao Partido Socialista.

A lucidez que lhe permitiu ler os artigos "O Polvo" de Joaquim Vieira na "Grande Reportagem", baseados no livro de Rui Mateus, e assistir, logo a seguir, ao despedimento do jornalista e ao fim da revista.

A lucidez que lhe permitiu passar incólume depois de apelar ao voto no filho, em pleno dia de eleições, nas últimas Autárquicas.

No final de uma vida de lucidez, o que resta a Mário Soares? Resta um punhado de momentos em que a lucidez vem e vai. Vem e vai. Vem e vai.
Vai.... e não volta mais.