quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

You only live twice...


Hoje de manhã, a fisioterapia em Portalegre levou-me para a rua, no largo de entrada do hospital onde fiz alguns exercícios relacionados com a marcha e o equilíbrio. Subi e desci a rampa e as escadas, andei para trás, caminhei para cada um dos lados, fiz uma série de trabalhos que para mim são de todo pertinentes (e difíceis!) mas que podem parecer estranhos para quem observa. Só de pensar…


Imaginem que eu estava do outro lado, detrás de um daqueles vidros altos do edifício a observar a situação e o que não me passaria pela cabeça a ver tudo aquilo… “Coitado do rapaz… O que era e o que é…”. Caminhando lentamente, sem equilíbrio, receando falhar ou dar passos em falso… lá fui avançando, a pouco e pouco. A dado momento, numa das muitas manobras, vislumbrei a minha silhueta no vidro de um dos carros que por ali estava estacionado e pude mesmo constatar o meu aspecto. Apesar de me aprimorar bastante e sinceramente, me arranjar sempre muito bem tendo em atenção as vestimentas e os pormenores, pareci-me mais velho, muito parado, pareci-me algo abatido até. Foi um choque até para mim ter oportunidade de me poder ver, poder ter um soslaio da aparência. Foi importante porque eu ali não tinha um espelho, uma vista narcisista só para mim. Tive uma visão do Pedro “de fora”, de como é que alguém de fora me pode ver, se é que me consigo explicar. É estranho mas ali no reflexo, na rua, no meio de tudo e de nada, eu consegui-me colocar “no exterior de mim” e ver-me como se fosse apenas mais um. Pareci-me uma versão limitada de mim, redutora, uma visão aproximada daquilo que eu sou efectivamente hoje, em recuperação, como eu gosto de me ver, como alguém que luta e caminha para o seu regresso em força.


Na entrada principal do hospital, um segurança do meu tempo, brincou comigo e perguntou-me quando é que “jogamos à bola outra vez?”.


“Bola? Pedro", perguntou-me a fisioterapeuta. “Mas também jogava à bola?”.


Eu respondi que sim, que tudo o que fosse desporto, eu estava lá! Para além de ser muito bom fisicamente, era também mentalmente estimulante e sendo assim, não perdia uma! O que é que eu fazia? Tudo! Fazia muito atletismo (incluindo meias maratonas), muita natação, muito ciclismo (em btt), tudo!, de forma a ocupar sempre os dias e ter uma actividade física constante e exigente comigo mesmo que eu não dava descanso!


É claro que esse meu tipo de postura foi fundamental até nestes dias tão difíceis, quando estava muito longe de pensar “cobrar” ao corpo aquilo que apostava nele. Não tivesse sido toda essa mais-valia, todo esse investimento… teria sido muito mais complicado e as consequências do acidente poderiam ter sido muito mais gravosas, como se temeu a princípio.


“Ele?”, comentou o segurança com outros amigos que chegaram entretanto, estavam próximos e com os quais comecei então a trocar impressões. “Vocês nem imaginam como ele aqui chegou… Eu estava aqui no hospital de serviço e foi um rebuliço. Ficou toda a gente (da parte médica) aflita a pensar no que fazer e em como fazê-lo. Até no transporte para Lisboa se pensou muito bem…”.


Eu depois fui juntando esta às histórias que me tinham dado a conhecer durante os últimos tempos e percebi… a dificuldade do transporte para a capital, o receio se resistiria à pressão craniana depois do traumatismo, o medo de ser transportado em helicóptero… enfim… tudo!


Às vezes, por melhor e mais científica que seja uma explicação, é assim, nestes pequenos momentos e instantâneos que se compreende realmente a profundidade das coisas. Foi assim, neste acto inusitado e nesta conversa inesperada e breve que eu fiquei realmente a compreender a extensão e a densidade de tudo. Foi grave, foi mesmo muito mau e eu tenho de dar muitas graças a Deus por ter sido tudo assim e ter tido tudo um desfecho tão bom e tão favorável para mim. De que me vale a mim se a imagem que o vidro do carro me reflecte está abatida, ou envelhecida, ou chateada, vá? O que importa, o que vale realmente a pena, o que tenho mesmo de guardar e agradecer é que o gajo está cá, está vivo, está na luta e a dar cartas. O homem está a jogo e em vez de queixumes e lamentações tem é de dar mais valor e olhar muito mais para o que tem, enaltecer tudo muito bem e agradecer. Agradecer tem de ser o que o que tem de prevalecer na minha mente. Saber viver, não lamentando mas alimentando o sentimento de agradecimento. Como disse o bom do Ian Fleming na sua maior criação James Bond: “You only live twice: once when you ‘re born, and once when you look death in the face” Realmente “só se vive duas vezes: uma quando se nasce, e a outra, quando se olha a morte de frente, na cara”. Que certo estava o homem!

4 comentários:

Isabel I disse...

Assim como a física, também a sua evolução intelectual se nota aqui no blog. Os primeiros posts ainda titubiantes, com hesitações de construção de frases e dificuldades em expressar-se, agora cada vez mais próximos do Pedro de dantes, com espírito, clareza e beleza na escrita. Que grande vitória a sua! Sua, sim! Por muitas ajudas que tenha a agradecer, muitos incentivos, muita preocupação, a força para a recuperação é sua, a luta é sua, a coragem é sua. Parabéns.

Helena Barreta disse...

É mesmo para agradecer a vida e valorizar o tanto que já recuperou. É uma benção estar vivo.

Força e coragem nessa caminhada que é sua. As melhoras.

Um abraço

Unknown disse...

Força Pedro! devagar se vai ao longe!é preciso não baixar os braços o que interessa mesmo é que está cá para fazer esse esforço.
Beijinho

Unknown disse...

Celeste Gaio