terça-feira, 8 de abril de 2014

Nebraska



Com a primeira-dama a trabalhar na Tower of Marvão, a Leonor na piscina em competição de natação e a benjamim a passar a tarde com a prima na casa dos avós depois da aula de zumba no GDA, naquele que diz ter sido o seu “dia mais feliz de sempre” fiquei com a tarde… livre para mim! Uma coisa verdadeiramente extraordinária porque viver dá imenso trabalho. Como o meu smartphone indica onde gasta a energia (W no monitor, Y no android, Z na web), também eu gasto a minha energia em ser pai, ser marido, ser trabalhador do estado, ser chefe de redação do blogue, ser amigo, ser parente e… fico com pouco tempo para mim. Para mim sozinho. Para fazer o que me dá na bolha. Para ser egoísta.

Sou um apaixonado de cinema. Se há arte que me gala a gata, é a cinematográfica. Gosto muito de um bom disco, de um jornal, de um bom programa de televisão, não sou tanto de livros, mas não há nada, nada, que chegue a um bom filme.

Para a vida correr como eu quero que ela corra bem, um filme por semana deveria ser o mínimo. Sei que nem sempre me dou ao luxo de ter essa regalia mas desta vez foi demais. O último filme que vi com olhos de ver (dentro da cabeça) já foi há quase 2 anos: “Os Descendentes”. Deste mesmo realizador, Alexander Payne, do qual já vi todos os filmes.

Confesso que sou um cinéfilo atípico. Porquê? Quem percebe de filmes fala de fotografia, luz, planos e outras cenas técnicas. Para mim, um filme ou é bom e eu gosto ou não gosto e ponto. Se gosto é porque transmite alguma coisa ou porque dá prazer a ver. Os filmes bons podem ser de 2 tipos, portanto. E sou um gajo que funciona muito por realizadores. Há tipos dos quais sigo o rasto e não falho uma pegada. Quentin Tarantino, Tim Burton, o tal Alexander Payne, Darren Aronofsky. Depois há os clássicos que convém revisitar: Scorcese, Coppola, Kubrik e afins.

Outra prova que sou atípico é porque na faculdade levaram-me a ver “O Leopardo” do Luchino Visconti dizendo que era uma obra magistral muito recomendada por um professor e eu, devo ser muita burro porque achei aquilo uma real cagada. Bonitas imagens, bonitas cenas nos bailes mas… uma obra prima?!?!?! For god’s sake. Obra-prima é o “Reservoir Dogs” onde com um low budget, com recurso à sabedoria e experiência dos atores, à mestria do argumento e à sapiência de Quentin Tarantino em mexer nas câmaras e orientar a orquestra, se fez um hino ao cinema. Isto para não falar na bomba celestial que se seguiu em Pulp Fiction.

O Alexander Payne é muito bom. Tudo o que toca... é bom, ponto. O “About Schmidt” com um Jack Nicholson superlativo levou-me às lágrimas no final. E quando um realizador consegue fazer essa proeza, prova-me que vale a pena. Sempre.

“Sideways” é um road movie com humor muito próprio e gostoso. “Os Descendentes” recorda-nos aquilo que é realmente importante na vida e vi-o numa altura da minha em que também ela me tinha ensinado isso.

Antes de escrever sobre Nebraska, tenho de escrever como e onde o vi. Hoje os cinemas estão quase todos a fechar portas por falta de público e o MEO cobra caro por um filme no videoclube quando já pagamos tanto de assinatura. Pior que os 3 euros desembolsados na nossa própria casa, é o atraso inexplicável com que os filmes são disponibilizados que mais choca. Contra tudo isto e sem ter de fazer qualquer download ilegal, bastou-me pesquisar na net para poder ir ao tuga-filmes.com e ver o filme legendado em português com óptima qualidade. Os apoiantes no facebook já são mais de 15.000. Muita gente para se prender de uma assentada. Tudo poderia ser muito mais legal se cobrassem 1 ou 2 euros e disponibilizassem logo os filmes. Ça va? Ora tudo isto era o meu sonho de criança que queria tanto um cinema quando não havia um e teve de ir pela mão das tias ver a estreia do E.T. a Valência de Alcântara. Esta era uma possibilidade inimaginável num futuro próximo nesse então. È uma realidade hoje em dia. Admirável mundo novo, como eu costumo dizer.


O cartaz dava boas pistas. Chamava-lhe “o melhor, mais completo e satisfatório do realizador”; “um dos melhores do ano” e “uma obra de arte”. Quem o diz deve ser entendido apesar de desconhecido e deve saber da coisa mas eu apenas digo que Nebraska conta a história do idoso com um passado alcoólico e muito pouco crédito na família que se convence que ganhou 1 milhão de dólares numa publicidade enganosa que recebeu no correio. Decidido a ir levantar o prémio, contra o vontade da mulher e do filho mais velho, conta apenas com a determinação do filho solteirão, um perfect nobody que vive sozinho porque a namorada o deixou, farta de lidar com a sua total indefinição. Apesar de saber que o prémio não existia, David decidiu apoiar o pai e fazer a viagem que ele tanto queria para ver se o conseguia convencer do logro quando chegasse ao final. Uma viagem nada fácil porque o fantasma do álcool se foi atravessando no caminho de ambos e ao regressarem onde já tinham vivido, tiveram de lidar com problemas com a família e antigos “amigos” potenciados pelo drama da fortuna. Mais um caso que prova que o dinheiro e o poder que tudo transformam e tudo revelam.
  


Num preto e branco belíssimo, duro como o horizonte sempre nevado, vai-se desenhando um filme de afectos no qual o filho vai conhecendo melhor o pai e este se vai revelando pelas pessoas que foram povoando a sua vida como os sócios nos negócios falhados ou o grande amor perdido. A redescoberta pessoal do pai na viagem acabou por ser o milhão de dólares para o filho. Para o pai, bastou-lhe o chapéu de milionário de consolação e, no final, uma camionete nova como queria, carregada com o ar comprimido que tanto desejava se o dinheiro existisse mesmo. David fez-lhe a vontade, trocou de carro e deixou-o voltar a conduzir. Entrou assim para a minha galeria de heróis na tela, aqueles que conseguem dar um pouco de si para que os outros sejam felizes. Para fazer o pai feliz, deu de si e fez-lhe a vontade.






Pejado de grandes actores, Bruce Dern destaca-se pelo papel de pai que representa o culminar de uma carreira. Will Forte está muito bem como David.

7/9 no Internet Movie Data Base

8 em 10 para Pedro Sobreiro.


2 comentários:

Helena Barreta disse...

Obrigada pela dica.

Um abraço

Felizardo Cartoon disse...

Este foi, para mim, o melhor filme que vi, nos dois últimos 2 anos e também vai ficar fortemente ligado ao meu imaginário cinematográfico. Feito com um baixo orçamento e num preto e branco irrepreensivelmente belo, dificilmente poderia competir pela estatueta chamada óscar, cujos jurados, gostam mais de filmes estereotipados, espalhafatosos e de emoções a puxar à lágrima fácil, como foi o caso, do 12 anos escravo. Não digo que este último seja um mau filme, mas, parece um "Déjá vu" maniqueísta, com os muito bons e os muito maus, perfeitamente identificados, a puxar ao choradinho,pretensamente moralista, como é apanágio de muitas criações oriundas da criação cinematográfica de Hollywood. Nebraska é um filme simples, onde não se sente a presença da câmara, tal é o realismo imprimido aos personagens e que parecem ter sido subtraídos ao quotidiano. Trata com mestria, a velhice, o desencanto e até as ambições que cada ser humano carrega até ao fim dos dias, isto tudo, sem nunca ceder ao sentimentalismo bacoco e fácil, com que o cinema americano muitas vezes nos brinda.

Abraço!
Hermínio