A Beirã tinha duas grandes famílias em termos de poderio económico, que se distinguiam de todas as outras, pela projeção e pelo impacto que tinham: os Vivas e os Caritas, tendo ambos os homens fortes de cada uma delas, chegado a presidentes da câmara de Marvão (Manuel Berenguel Vivas, 1945-1954 / João Diniz Carita, 1964-1973), o que é bem revelador.
A história dos Vivas, mais antiga, confunde-se
com a criação da própria aldeia, e teve nela um papel fundamental. Nem sempre
por aqui estavam, mas por aqui passavam com muita frequência, quando
pernoitavam num casarão enorme de belíssimos azulejos, frente à estação, com um
jardim privado de grandes dimensões, que se estendia até à igreja de Nossa
Senhora do Carmo, templo que mandaram construir como privado, em homenagem a
Carmen Berenguel Vivas, mas que depois abriram e ofertaram à terra, sendo a
padroeira da freguesia. Pais de muito filhos, que por sua vez tiveram vasta
descendência, os Vivas são sempre muitos e ainda hoje, quando regressam à
terra, pelo menos para os de lá, esta parece ter outro ar.
Os Caritas tiveram o seu apogeu mais tarde, muito relacionado com o caudal económico associado ao ramal de Cáceres, e os despachos alfandegários das mercadorias. Recordo-me que tinham um escritório na estação, onde trabalhava o meu pai, com mais 6 ou 7 colegas; e uns casões situados mais à frente, a 200 metros dali, onde estavam outras tantas funcionárias no escritório, com mais alguns funcionários nos casões, para o trabalho mais braçal.
O pai trabalhando no escritório, como ajudante de
despachante |
A freguesia tinha a alguns quilómetros dali,
na herdade do Pereiro, outra família muito influente de Marvão, daquelas que já
não vai havendo nos dias de hoje: uma extensão da família Sequeira, com o filho
Artur, que se fixou na herdade do pereiro, e ali chegou a ter, lá está, segundo
a minha memória, uma min-aldeia de trabalhadores daquelas terras, com escola
primária inclusive! Ali labutava diariamente um exército de homens e mulheres
que se dedicavam desde apanha da azeitona, e a todos os trabalhos no campo, que
implicassem cuidados, manutenção e extração de produtos.
A
família Sequeira tinha o seu centro económico nevrálgico, a 4 quilómetros dali,
em Santo António das Areias, com um enorme edifício onde exploravam a sua
produção industrial de amêndoas, calçado, e demais produtos que vendiam para
todo o país. Hoje, está há alguns meses para venda.
Ser criança ali (o antes e o depois)
É certo
que já virámos o século, e já passaram quarenta anos, mas tudo aconteceu…
ontem. As crianças que viviam na Beirã nesse então, estão tão a anos-luz das
crianças de hoje em dia, que mais parece que foi noutro milénio. Tudo passou
tão rápido, que quase que nem nos conseguimos dar conta das pequenas grandes
revoluções que se forma instalando nas nossas vidas.
Do meu
ponto de vista, a internet, os computadores, e os recursos tecnológicos
associados como os smartphones, mudaram radicalmente o mundo. Recordo-me
perfeitamente quando comprei o meu primeiro computador pessoal, ou melhor, que
os meus pais me compraram o meu primeiro pc, na loja COAL e Portalegre.
Tratava-se de uma CPU com uma torre gigantesca, e um monitor que mais parecia
um aquário daqueles das grandes marisqueiras. Era uma máquina muito lenta,
muito vagarosa, que desenvolvia muito pouco.
A
internet chegou num pequeno pacote da Telepac, que se tinha de ligar à ficha
telefónica e ficava ali tempo sem fim a emitir uns ruídos estranhos (BBBBZZZIIIIIIIIIIIIIIIINNNNNNN,
BBBBZZZZRRRRRRRROOOOOOOOOOOONNNNNNNNN,BBBBBBBBBZZZZZZZZZZZZZZZZREEEEEEEEEEEEEEEEEENNNNNNNNNNNNNNN,
até se conseguir ligar a rede virtual mundial.
Nós
hoje observamos uma criança de três ou quatro anos a mexer num smartphone, ou
num tablet, e ficamos boquiabertos com a destreza com que os pequenos dedinhos
interagem com o ecrã e os conteúdos. Por vezes, dou por mim a perguntar a mim
mesmo se serão mais espertos que nós, mas acalmo-me dizendo que é capaz de não
ser bem assim. O que se passa é que os recursos que têm são muito mais
absorventes, e impulsionadores, do que eram os nossos. Depois, por acréscimo,
ou em consequência, têm respostas como a que há dias me deu o filho de um amigo
meu, que andará na casa dos 8/9 anos, e encontrei na piscina municipal,
enquanto esperávamos cada um por sua coisa: eu pela hora de entrada e ele, que
o viessem buscar. Entrei por baixo, de manso, de fininho, como que a
experimentar. Fui tentando encontrar pontos comuns por onde desenhar uma
conversa. Pronto descobri quem era, de onde era, e sabendo que era grande amigo
de longa data da família, perguntei-lhe se me poderia dizer o que era para ele,
o aspeto mais preocupante do nosso país.
Ele
respondeu-me… “a corrupção!”
Atónito,
pasmei: “A corrupção?!?!?” Comássim?!?!? Danou-se!” Eu com a sua idade, nem
tampouco saberia o que isso era, quanto mais!
Fiquei
assim para o… pensativo e sorridente.
Assim à
partida, as crianças na Beirã tinham uma grande vantagem em relação às outras
espalhadas pelo país fora, e não estou a falar agora na liberdade, na
tranquilidade, ou noutra coisa óbvia qualquer; mas toda a gente sabe que nos
anos 80, o grande divertimento presente em cada lar era… a televisão! Nós aqui,
enquanto os que viviam longe da fronteira tinham de levar com a mira técnica,
relacionada com os horários racionados de funcionamento, nós tínhamos a RTVE
que nos salvava!
Pois
fiquem sabendo que é pela televisão que tenho tão grande facilidade de falar e
compreender castelhano, ao ponto de muitos me perguntarem, quando visitam o meu
posto de trabalho na Autoridade Tributária, vulgo Finanças, se andei nalguma
escola, e ficarem a rir-se quando digo que não, que aprendi em casa. A minha
professora foi a “Alaska, dos Dinarama”, uma cyberpunk de cabelo cor de
laranja, sempre vestida de couros e borrachas, que apresentava “La bola de
Cristal”, um mítico programa matinal que preenchia os sábados até à hora de
almoço, onde podíamos ver a “Família Monster”, os “Teleduendes”, e os vídeos
roqueiros do “Loquillo y los Trogloditas”.
Nessa
nossa televisão ibérica, aprendemos a sonhar com o “Verão Azul”, por exemplo,
uma mítica série de televisão transmitida
em 1981, com 19 episódios, dos quais creio que me lembro de memória de todos,
sobretudo do inicial, do final, de quando a Beatriz passou a ser mulher, ou de
quando o Chanquete faleceu. A música do genérico ainda me transmite um
sentimento de felicidade e bem-estar que ecoa no meu passado.
Pela
televisão víamos o “Aplauso”, uma revista de variedades como ainda não havia
por cá em Portugal, e o “Informe Semanal”, um magazine de reportagens de grande
calibre e profundidade, que me influenciaram muito a seguir na minha carreia
académica de jornalista.
Por la
tele también seguimos la copa del mundo de España ‘82, nesse famigerado jogo em
que a minha seleção brasileira de sonho com o Zico, Éder, Sócrates, Falcão
tombaram nos quartos de final com estrondo aos pés de uma Itália sanguinária
que venceu por 3 a 2, comandada pelo maldito Paolo Rossi. O que eu chorei nessa
tarde, deitado no meio do chão da casa da minha avó Joaquina, que teve de ligar
para o escritório onde o meu pai trabalhava porque “tinha de vir que o garoto
não estava bem!”
Pela
televisão, sempre ela, que já entrou tarde porque me lembro de ir assistir à
casa da minha tia, víamos o concurso “1,2,3”, depois trazido para Portugal pelo
Carlos Cruz, mas que ali, apresentado pela fantástica apresentadora Mayra Gomez
Kemp, e que era um regalo de bom gosto, comédia, e entretenimento de altíssima
categoria.
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