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Luca Bartolomeo de Pacioli (c. 1447 – 19.06.1517) |
25 anos
No dia 24 de Fevereiro, cumpriram-se 25 anos desde a data em que entrei para a Direção Geral das Contribuições e Impostos.
Aprovado e selecionado no até então apregoado como maior concurso para a função pública em Portugal (e não tenho conhecimento que tivesse acontecido um outro tão grande desde então) ao qual se propuseram, creio eu se a memória não me atraiçoa, mais de 80 mil aspirantes que se dispuseram à prova de admissão (uma espécie de Prova Geral de Acesso que em vez de dar acesso à Universidade, habilitava a uma carreira laboral que se presumia auspiciosa, segura, e bem remunerada), fiquei classificado na posição 2.053 que ainda assim, não me garantia a entrada na primeira fase, mas antes me deixava durante mais uns meses a penar, sonhando se conseguiria “entrar” como os colegas melhores classificados na dita afronta que assentaram logo praça.
Foi num dia frio e solarengo do raiar do início do ano do novo milénio, no ido ano de dois mil, quando me encontrava a desempenhar as funções de chefe de vendas da Opel, em Castelo Branco, que recebi a chamada que me trouxe de volta, vinda de uma Cristina ainda a derreter felicidade. No instante seguinte liguei a quem me deu a mão quando nada tinha, agradeci com humildade por tudo, e confirmei que iria mesmo rumar a outras paragens. As minhas…
Nessa tarde, no caminho para casa, parei em Nisa, no Largo Heliodoro Salgado. Sabia bem onde eram localizadas as finanças, porque nesta localidade que ficava a meio do caminho ate à cidade
albicastrense, parei muitas vezes para tomar café, para espertar e afastar o cansaço, muitas vezes no café do saudoso António José Correia, que ainda haveria de ser meu chefe lá, e me deu o grato prazer de me deixar ser seu amigo. Ali chegado, subi a escadaria e, aberta a porta à esquerda, dei com uma sala ampla, e um balcão em “L” invertido que nos separava de diversas secretárias, habitualmente ocupadas por Homens e Mulheres que haveriam de comigo coabitar durante dois anos (2000-2002), e passariam a fazer parte de mim para sempre, por mais tempo que vivamos, e mesmo que estejamos muito tempo sem nos vermos.
Foi então assim que graças a Deus, há 25 anos atrás, assinei o contrato administrativo de provimento que me ligou para sempre aos quadros da função pública.
Não foi o emprego com que sempre sonhei, verdade; não foi o trabalho para o qual estudei (eu queria era escrever... e por isso tirei jornalismo, mas tem sabido ser o meu lugar de sonho à medida que o tempo passa, e estou mesmo certo que sou muito feliz ali.
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Nesse dia, era o dia dos compadres.
Todos foram sorrindo, se apresentando, dando as boas vindas, desejando boa sorte e tudo se foi abrindo à minha passagem até ao gabinete do chefe. Lá chegado, as portas entreabriram-se e detrás dos cortinados de renda que tapavam os vidros saiu uma figura de baixa estatura, blazer azul, camisa branca e gravata, porte composto e cabelo grisalho de risco ao lado. Creio que fumava para dar um ar blasé, até porque nesse então era comum toda a gente fumar em todo o lado.
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O Chefe à frente deste grupo de grandes amigos que lá fiz, sempre com o seu grande estilo |
Trocámos uma conversa circunstancial, de apresentação, a medir terreno mutuamente.
Teve a cortesia de me ir apresentar aos serviços públicos, mas a dada altura, talvez até quebrando o gelo, atirou um: Ó Pedro Alexandre (tratando-me pelos meus dois nomes próprios, como sempre fazia), não quer tomar nada?
Eu… (com um ar “esfinzado”…), larguei um “ehh…”
(Ao que respondeu com…) Venha daí! (enquanto se encaminhava para “A Colmeia”, (café/pequena casa de pasto) situada em frente ao serviço, habitualmente frequentada pelo pessoal da casa.
Lá chegados, eu (cheio de reservas, de pé atrás) pedi… uma garrafa de água.
Ao meu pedido, o chefe comentou com um “muito bem! Está a ouvir? Faça sempre isso!”
Já ele, disse que queria, tão clássico como o “dry Martini” do James Bond: um copo de vinho branco natural traçado com gasosa fresca. (e tinha se ser esta a ordem!!! Se fosse o vinho a ser fresco, e a gasosa natural… a bebida não tinha nada a ver!!!)
A páginas tantas, já com mais colegas de companhia que entretanto foram saindo, disparou um:
Ó Pedro Alexandre, sabe quem foi Frei Luca Pacioli?
- Meu caro chefe, lamento mas não faço a mais menor ideia.
Frei Luca Pacioli, (disse ele começando a brilhar!) foi um frade franciscano do séc. XV, que foi um célebre matemático italiano, e hoje é considerado o “Pai da Contabilidade”, por ter sido o inventor das partidas dobradas, o princípio básico da contabilidade, que diz que quem deve, tem a haver.
Muita conversa, animação, muita conversa e algumas “datas” depois, o Chefe voltou à carga, julgo eu que querendo impressionar um colega que o conhecia de ginjeira.
Ó Marquês… (um colega da casa, um pouco mais velho que eu, mas que ainda hoje me trata por puto), sabe quem foi Frei Luca Pacioli?
- Hã?!? Eu sei lá! (virando-se para o lado, não dando o mínimo crédito à disputa).
Virando-se… E você, Pedro Alexandre, sabe quem foi?
(Enchendo o peito de ar, mesmo assim, não conseguindo esconder a vaidade) Ó chefe... Por favor… (ar “impossível disfarçar o ar convencido”) Frei Luca Pacioli foi... (tudo aquilo que me tinha ensinado há minutos) um frade franciscano e célebre matemático italiano do séc. XV, que é hoje considerado o “Pai da Contabilidade”, por ter sido o inventor das “partidas dobradas”: um sistema fundamental nesse processo que diz que quem deve, tem a haver.
O Chefe, virando-se boquiaberto para o lado, disse espantado para o nosso colega: Está a ouvir?
Este individuo tem uma cultura extraordinária!
E nessa conta me teve até ao final dos seus dias, o meu querido Amigo, uma verdadeira jóia de pessoa, do melhor que alguma vez conheci.
Neste aniversário, não me posso, nem quero por forma alguma esquecer dele e de todas as pessoas maravilhosas com quem trabalhei nesta casa à qual muito me orgulho de pertencer.
~
Reservo uma palavra especial para os contribuintes que atendi, com quem trabalho e trabalharei que na realidade, para além do Estado que me paga, são os meus reais patrões, porque é na pele de “servidor público” (numa expressão tão feliz da língua inglesa, que “choca” com o aburguesamento do português “funcionário público”), que me sinto bem.
A Deus peço saúde e que me continue a guiar pela vida, levando-me sempre pelos caminhos certos, mesmo que às vezes, eu não consiga compreender a razão de ir por ali.
Mais 25 naquela labuta do ativo não peço certamente, e é com essa certeza que a maior parte já passou, que peço ao Senhor da Vida, tranquilidade, experiência e sapiência, para conseguir honrar o árduo e exigente trabalho que tantos criticam mas que tão necessário é, para que o País funcione.
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Festa de anos frente à mercearia das minhas saudosas tias por esse então 28(?) Dia inesquecível! Ainda hoje... |
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O chefe com o meu Companheiro de vida desde esse então: o estagiário Rui Miguel Caixado Pescada (antes de o ser, já o era!) Ribeirinho Pinheiro. Uma Paixão! |