Para mim só há uma grandeza maior que a própria vida e essa grandeza de que vos falo é o Cinema. Acho que a paixão pelos filmes já nasceu comigo. Com 9 anos ameacei imolar-me se não me metessem no raio do carro e não me levassem a Valência de Alcântara para a estreia castelhana do “E.T., o Extraterrestre”. Nessa altura era mais coisa de miúdos, tipo “Goonies”, “Karate Kid” e “Salteadores da Arca Perdida”. Digo que o Bud Spencer era então o meu actor favorito e acho que isto significa o fim de papo.
Aquele fascínio do escurinho da sala e a dança rasante do raio de luz mágico sobre as nossas cabeças sempre me fascinaram.
Mas a verdadeira revelação da minha devoção cinéfila haveria de me bater em cheio, com a força de um autocarro desgovernado, no agora remodelado Cine Crisfal, no ido ano de 87, durante uma mostra qualquer de fitas de todo o mundo. Numa tarde em que faltei às aulas, sozinho na plateia, recostado numa cadeira de madeira, deixei-me deslumbrar por uma fita de nome estranho, de um realizador desconhecido, daquelas pelas quais ninguém dava então um tostão furado. “Der himmel uber Berlin” no original, “Nas Asas do Desejo” na feliz tradução lusa, de Wim Wenders, encantou-me de tal forma com a beleza poética das imagens e soturna melancolia daquela paixão impossível que acho que a minha vida nunca mais foi a mesma. A história do anjo caído em desgraça que renunciou à confortável certeza da eternidade pela dúvida de um amor impossível, devastou-me por dentro. Perdido no inebriante vái-vem do trapézio dourado da musa mais improvável, hipnotizado pela silenciosa marcha negra dos anjos protectores, deslumbrado com a exuberância daquela Berlim cinzenta e oprimida, dormi com eles nas ruas, vivi a angústia das suas dúvidas e passei a dar valor ao muito que então passava despercebido. Passei a acreditar que o cinema pode mesmo ser a melhor escola de vida.
Com o passar dos anos fui ganhando o estatuto de inveterado que apenas ficou na prateleira com o nascimento da herdeira. Com os filhos, a gestão do tempo passa a ser fundamental e os filmes ficaram irremediavelmente para trás.
Para quem acha que era capaz de ver pelo menos três fitas seguidas todos os dias, passar a apanhar um ou outro de vez em quando já não é mau e vai dando para matar o bicho.
É tudo uma questão de selecção e de saber bater no sítio certo.
A última injecção tomei-a na semana passada, chama-se “Little Miss Sunshine” e entrou directamente para a galeria “não mexe!” o que corresponde ao intocável estatuto de culto, onde repousa já serenamente ao lado de “Sideways” e “As Confissões de Schmidt”.
Little Miss Sunshine é o nome de um concurso de talentos para pré-adolescentes que leva uma família disfuncional a atravessar os Estados Unidos em busca do sonho da benjamim da casa. Um avô cocaínomano, um tio gay e suicida, um pai obcecado por uma técnica de gestão do sucesso que é um frustrado nato, um filho fã de Nietzsche que fez um voto de silêncio até entrar para a força aérea, uma filha que sonha ser dançarina e uma mãe que se desunha para que tudo não se desmorone protagonizam o road movie mais inteligente e enternecedor das últimos anos. Grandes actores e actrizes, diálogos geniais, um enredo de excepção, uma câmara muito atenta e uma carrinha que só pega de engate são ingredientes mais que suficientes para nos fazerem sair literalmente deste mundo por hora e meia.
Se ainda não tiveram oportunidade de ver, podem dar uma espreitadela ao trailer aqui e depois por favor, por favor, mas mesmo por muito favor, não o percam e depois digam que sim. SIM!
Aquele fascínio do escurinho da sala e a dança rasante do raio de luz mágico sobre as nossas cabeças sempre me fascinaram.
Mas a verdadeira revelação da minha devoção cinéfila haveria de me bater em cheio, com a força de um autocarro desgovernado, no agora remodelado Cine Crisfal, no ido ano de 87, durante uma mostra qualquer de fitas de todo o mundo. Numa tarde em que faltei às aulas, sozinho na plateia, recostado numa cadeira de madeira, deixei-me deslumbrar por uma fita de nome estranho, de um realizador desconhecido, daquelas pelas quais ninguém dava então um tostão furado. “Der himmel uber Berlin” no original, “Nas Asas do Desejo” na feliz tradução lusa, de Wim Wenders, encantou-me de tal forma com a beleza poética das imagens e soturna melancolia daquela paixão impossível que acho que a minha vida nunca mais foi a mesma. A história do anjo caído em desgraça que renunciou à confortável certeza da eternidade pela dúvida de um amor impossível, devastou-me por dentro. Perdido no inebriante vái-vem do trapézio dourado da musa mais improvável, hipnotizado pela silenciosa marcha negra dos anjos protectores, deslumbrado com a exuberância daquela Berlim cinzenta e oprimida, dormi com eles nas ruas, vivi a angústia das suas dúvidas e passei a dar valor ao muito que então passava despercebido. Passei a acreditar que o cinema pode mesmo ser a melhor escola de vida.
Com o passar dos anos fui ganhando o estatuto de inveterado que apenas ficou na prateleira com o nascimento da herdeira. Com os filhos, a gestão do tempo passa a ser fundamental e os filmes ficaram irremediavelmente para trás.
Para quem acha que era capaz de ver pelo menos três fitas seguidas todos os dias, passar a apanhar um ou outro de vez em quando já não é mau e vai dando para matar o bicho.
É tudo uma questão de selecção e de saber bater no sítio certo.
A última injecção tomei-a na semana passada, chama-se “Little Miss Sunshine” e entrou directamente para a galeria “não mexe!” o que corresponde ao intocável estatuto de culto, onde repousa já serenamente ao lado de “Sideways” e “As Confissões de Schmidt”.
Little Miss Sunshine é o nome de um concurso de talentos para pré-adolescentes que leva uma família disfuncional a atravessar os Estados Unidos em busca do sonho da benjamim da casa. Um avô cocaínomano, um tio gay e suicida, um pai obcecado por uma técnica de gestão do sucesso que é um frustrado nato, um filho fã de Nietzsche que fez um voto de silêncio até entrar para a força aérea, uma filha que sonha ser dançarina e uma mãe que se desunha para que tudo não se desmorone protagonizam o road movie mais inteligente e enternecedor das últimos anos. Grandes actores e actrizes, diálogos geniais, um enredo de excepção, uma câmara muito atenta e uma carrinha que só pega de engate são ingredientes mais que suficientes para nos fazerem sair literalmente deste mundo por hora e meia.
Se ainda não tiveram oportunidade de ver, podem dar uma espreitadela ao trailer aqui e depois por favor, por favor, mas mesmo por muito favor, não o percam e depois digam que sim. SIM!
3 comentários:
O filme parece ser demais... Vais arranjar ao mano não vais? Só um apontamento, falar no filme “Nas Asas do Desejo” e não referir que tem uns minutos demolidores com um concerto do grande Nick Cave é para mim pecado. Se já não te lembras aqui vai o link... http://www.youtube.com/watch?v=oZsy6Ekkq0M
Beijinhos
Como não mi vou lembrá, cara? Claro que sim. Nessa altura, ouvi dois dos discos que mais me revolucionaram os gostos: o “London Calling” dos Clash e o “Tender Pray” do Nick Cave, na altura com os indomáveis Bad Seeds por detrás. Como é possível esquecer-me do Nick, esse guru maldito, também ele um anjo caído sabe-se lá de onde que assombra a fita a dada altura. Magnífico, as usual. Quando for muito velhinho e morrer, vai estar numa confortável suite no purgatório ao lado do Elvis, do Johnny Cash, do Roy Orbison, do David Bowie, do Lou Reed, do tio Morrison, da Janis, do Curtis, do Hendrix, dos Buckley, do Richards, do Cobain, e todas as demais glórias amaldiçoadas que iluminaram as nossas vidas com a sua dádiva de talento. Ah! As florzinhas Elton John e Freddy Mercury vão estar a lavar pratos no convés… de mini-saia! "I Want to Break Freeeeee"!
Ainda mais nível do que o Crisfal em noites de Inverno (em que se levava o saco de cama para meter em cima das pernas) era o Cine-Parque!
A minha primeira experiência com o cinema foi no Cine-Parque (antiga Fábrica Real), ao ar livre, com o filme projectado na parede e uma grande multidão sentada em cadeiras de palhinha. Lembro-me de ir ver o E.T. e o meu pai ter que dizer que eu tinha 6 anos para poder entrar quando na verdade tinha apenas 4.
Quanto ao Little Miss Sunshine os diálogos são de facto um espanto, e a miúda merecia o Oscar, um verdadeiro talento!
Parabéns pela foto do template, muito bem conseguida!
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