sábado, 1 de abril de 2017

Viagem ao passado (numa tarde diferente)



Larguei o serviço ainda bem de dia, pouco passava das 4h, depois de 7 horas de jorna cumpridas e a minha cabeça, cá dentro, só dava vivas ao Costa. Fui todo o caminho pela frente dos paços do concelho, museu, castelo, fonte do concelho, sereno, mudo, mas cá dentro de mim a gritar: Costa! Costa! Costa! Costa sempre, meu grande, caro e querido primeiro ministro que nos devolveste à vida! Ou este, ou os outros dois artistas, os outros artolas da porra que nos enclausuravam até se fazer de noite, quando já tudo (serviços públicos) estava fechado na vila, já ia para duas horas. (16h-18h)

É isso aí, nosso Tio Sabi! ;) Thanx, mate!

O que era primeiro-ministro, um tal Passos, levou um nó e uma chicuelina, que ainda hoje, o deixam atarantado, o pobre. Ele, cotadinho, cada vez mais calvo e sozinho, insiste em dizer que quer ser, que quer voltar, que não foi assim tão mau, mas já ninguém lhe consegue dar razão. Se o homem tem menos ímpeto que o frango acabadinho de assar no Zé Francisco da Portagem, quanto mais. Dali, só para a goela. Está por dias, certamente. Bem fez a outra boneca que brincava aos vices, que assim que lhe cheirou a esturro, bateu asa e moscou-se para a Mota-Engil, onde ganha umas massas a dirigir um Conselho Internacional. Coisa de nível!

- Ai meu vice, meu vice... saiu-nos o pombo mocho! E a gente a pensar que tínhamos ganho esta brincadeira...
Levamos uma abada na secretaria...
- Eh, eh... eu vou bater asa daqui... Do Paulinho não se riem...

Eu sei bem porque votei neles. Sei porque quis que a esquerda fosse capaz de levantar tanta negatividade, tanta subjugação à Fräulein e ao seu terrível paralítico de estimação. E como fico feliz de cada vez que ouço notícias que nos aliviam, engrandecem e ajudam a retomar o amor-próprio enquanto nação.

Podias chupar, podias, mas o dedo era o outro, ó Schauble. Ora experimenta lá o do meio...

Com a gerigonça de esquerda, como eles lhe chamam, subiu o nosso ânimo enquanto país, porque subiram as exportações, desceu o desemprego, e atingimos o deficit(num orçamento, o défice ocorre quando osgastos ou despesas superam os ganhos ou receitas. Nesse caso, "falta"dinheiro para a receita igualar a despesa, e o orçamento é chamado"deficitário") mais baixo desde que vivemos em democracia, ou seja, desde que os capitães de Abril, mandaram os lacaios do Esteves (Esteve aqui, Esteve ali a inaugurar aquilo), irem bugiar para outra freguesia.

Com a geringonça eu sou mais eu, eu vivo mais.

Com o tempo estava tão primaveril, depois da invernada das chuvas incessantes que não nos têm largado, decidi, ao contrário do que é habitual, ser eu a ir buscar a Alice à escola. Ela estranhou a minha presença ali tão cedo e, influenciada pela mãe que como trabalha aos fins de semana, folga dias durante a semana, perguntou: hoje não trabalhaste?

- Trabalhei Alice. Esta hora é a hora a que saio, na verdade. Quando não tenho nada para estudar, preparar, ou fazer, posso vir-te logo buscar. Hoje, pensei numa tarde diferente: como tenho de comprar tabaco que gosto e só há em Espanha, aproveito para dar de beber ao Kaguincha que está a ficar seco (a água dele lá, é mais barata), e levo-te a passear comigo. O que achas?

- Já no caminho… “pai! Assim é demais! Eu prefiro que tu me venhas sempre, sempre buscar.”.

- Sabes Alice, até poderia. Com esforço mas poderia. Depois das 4h, eu aproveito para fazer coisas que quando tenho lá “clientes” não posso, ou fazer coisas que gosto, com calma e paz (leia-se em paz, longe de vocês mulheres que mal me deixam pensar), como escrever, ou preparar as catequeses. Poderia evitar isso tudo só que a questão aqui é outra, mais profunda.

- Então…

- Então… tu és minha filha, mas também és neta. E se eu tenho o direito a te ter, os pais da tua mãe e a minha mãe também gostam muito de estar contigo. E tu de estares com eles, não é? Por isso é que deixamos que tu estejas durante o dia, após a escolinha, um pouco com eles. Depois à noite, já podes estar connosco. Assim ficamos todos contentes, tás a ver?

Convenci-a, mas não muito. “Está uma tarde tão bonita…”

Sabes Alice, esta viagem para mim também está a ser bonita e importante. Eu estava habituado a vir a Valência, todos os sábados, com as minhas tias Maria e Cali, e os meus pais, quando tinha a tua idade. Quando era tal e qual como tu. Naquela altura, não existia a União Europeia. Havia fronteiras entre os países. Havia Portugal e Espanha. Nem todos os produtos se podiam passar de um lado para o outro. Tinham de se pagar os impostos nas alfândegas, na fronteira. O meu pai, o avô João, trabalhava numa empresa de senhores que, tratavam dos produtos passarem de um lado a outro. Toda a gente aqui o conhecia, do lado português e espanhol, e recordo-me que ele estava sempre em suspenso e cheio de medo que trouxéssemos connosco, alguma coisa que não pudéssemos e nos chamassem a atenção. Em vez de estar mais à vontade, por os conhecer a todos, ficava mais preocupado.

Naquela altura, não havia tantos sítios em Portugal onde se fazer compras, e Valência era um mundo. Não havia, como agora, folhetos coloridos a anunciarem tudo e mais alguma coisa: peixe, carne, vinhos, doces, roupa e até produtos para carros. Dantes, quando se precisava de mantimentos, ia-se à loja e comprava-se. Não havia Modelo em Portalegre, nem Pingo Doce em Castelo de Vide e nós tínhamos sempre Espanha. Metíamos gasolina, na fábrica em frente à avó Alzira, na avenida 25 de Abril em Santo António das Areias; e fazíamos compras na Beirã, na mercearia que depois foi comprada pelas minhas tias, quando o tio Miguel era pequenino.

Outros tempos, filha. De outro século, que mais parece outro milénio. Só tínhamos 2 canais de televisão portugueses, que abriam num horário reduzido. Os desenhos animados eram poucos e… esquisitos. Também aí nos valeu a TVE espanhola que tinha programas bestiais como um que era a “Bola de Cristal. Foi aí que eu aprendi a falar o castelhano, que é a língua dos espanhóis.


Aqui em Espanha éramos muito mimados. Haviam chocolates, sugos, rebuçados, torrões, granizados, berlindes e outros brinquedos. Recordo-me tão bem que as minhas tias me compravam sacos de bilas, berlindes lindíssimos, olhos-de-boi e eu, chegava à Beirã todo contente com eles e… perdia-os todos.

- Ó pai, então? Eras tonto?

- Um pouco. Ainda sou. Eu sempre gostei de andar com os meninos muito maiores que eu. Com os grandes é que era fixe. Depois, era esse o preço que eu tinha de pagar para estar com eles. Jogava, por exemplo, à roda e fffsssssssccccccchhhhhhhhhhhiiuuuuuu, levavam-me os bilas todos. Tinham um abafador grande, uma esfera, e de cada vez que passava na roda… lá iam meia dúzia deles. Ao final do dia, tinha poucos, ou nenhuns. Mas tinha-me sentido tão bem entre a maralha.

- E depois?

- Depois? Olha… ia chorar para o pé das minhas tias e elas diziam-me: “deixa lá, filho. Para a semana vamos lá outra vez e compramos-te mais.” E era assim. Assim me fizeram tão mimado que depois, me vi à rasca para conseguir crescer.


Olha, esta loja era uma das minhas favoritas. Tinha umas vitrines sempre muito arranjadas e estava sempre cheia de bonecos. Adorava vir cá. Era um deslumbre. Tudo e mais alguma coisa da Playmobil, do Action Man, que era o que eu mais adorava.

E esta mecercearia… era o sítio! Era aqui, nesta esquina, não entro cá há tantos anos… e imaginava aquilo tudo já em liquidação total ou à beira do fim.


Aproximo-me da porta e… tive o choque visual de encontra a dona, que estava tal e qual a deixei eu, há mais de 30 anos atrás! Lembrei-me das minhas tias, de tão suas amigas que eram, como estão, e ela… com a mesmíssima pose.

Entrámos e ela… sorriu, tal e qual como fazia para o Pedro de caracóis de San Marcos.

- “Guapa!”, para a Alice, ao entrar. “Que pelo más bonito tienes…”

- Diz assim Alice, “gracias”, que quer dizer “obrigado”.

Comprámos um chocolatinho, porque não podem ser muitos doces, e quis pagá-lo antes de me apresentar, para evitar parecer que me estava a meter a jeito. Mais um carinho à pequena, mais um sorriso e as figuras que eu faço, que são uma coisa de filme.

Não consigo explicar o que se passou comigo. Não encontro palavras que o exprimam. Mas foi estranho. Estar eu ali, mais de 30 anos depois, com a minha filha, em frente à mulher igualzinha a como a conheci, foi… tão estranho, quanto belo. Tive a sensação que um túnel do tempo tinha desviado aquela imagem para o passado, e fiquei ali eu e a minha filha, como se de um triângulo das bermudas de memórias e afetos se tratasse. Realidades, tempo e prespetivas diferentes geraram uma sensação tridimensional.

Mudo, embargado pela emoção, enquanto ela elogiava a minha filha, a minha filha sorria e brincava, fui comentando, respondendo às perguntas, e perguntei, antes de me apresentar: te puedo dar un besito?

Ela, com ar de espanto, respondeu um claríssimo “No”. Na sua mente hispânica deve de ter pensão “Y este?!?!?!? Como es que este calvo quiere que le bese, si tampoco lo conozco de parte alguna?”  

E aí, abri o jogo todo. “Sabes que tenia yo su edad quando empezé a venir a Valencia, por la mano de mi madre y mis tias? Eran las dos hermanas del ferrocarril, que su padre fue el Jefe, e tenian un comércio en Beiran, sabes?!?!? Una com el pelo blanco e la outra,de pelo negro cogido atrás.

- Oooooohhhhhhhhh siiiiiiiii. Oye… hace quantos años?

- Muchos. Más de 30.

- Y ellas?

- Pues solamente me queda una, ya. Está muy mal de la cabeza, y se encuentra en una casa de jubilados de misericordia, sabes? La outra se murió, no en la primera noche que se cambio allá, pero en la seguinte. Le he dicho yo que no se hiba para aquel hogar por si misma, pero porque queria seguir junto a su hermana, ya que no tenia mas fuerza para ayudarla. Si fue pero contra su voluntad y se fue alli.

- Ui, ui, Pedro. Que dolor.  

- Si, pues… es la vida. Y yo me encanto muchissimo de te poder ver asi tan bien…

E continuámos a conversa já com a presença do seu filho, historiador e escritor, com livros publicados, que também estava a ouvir a conversa e se juntou a nós. O filho conhece-me de quando eu era vereador da cultura da Câmara de Marvão, e recorda-se bem quer das minhas tias, quer da minha mãe, quer de mim, garoto, como a Alice.

Devemos ter estado algum tempo na conversa porque a pequena começou a dar sinal e tivemos de regressar. Mas antes ainda fizemos uma pausa na Iberia para una caña sin alcohol maravilhosa que têm lá, e uma cola para ela, que era dia de festa.


- Pai: nena quer dizer menina? Ele chamou-me assim. E ración é batatas fritas?

- É. Aqui em Espanha, metem sempre um  pratinho de qualquer petisco quando a pessoa pede uma bebida. Assim… bebem mais. É esperto, não é?

- Mas chamar ração, como a do Sizzle não é.

Antes de virmos embora já de saída, encontramos o João, um meu amigo filho do Mota que morreu, e da cabeleireira Candy.

- Companheiro, como é que é? Tá a dar bem?

E ele falou na boa, como se nos tivéssemos visto ontem, quando já não o via há um bom par de anos.

- Sabes, Alice, este menino é especial. Tem trissomia 21. Tem um crescimento diferente do teu. Não vês os olhitos? Há mais meninos assim.

- Olha, para mim está tudo bem e não tem nada de especial. Isso é o que eu acho.

- Alice, olha lá que bonita é a nossa terra. Esta é uma das vistas de Marvão que mais gosto.
- Parece o monte do filme Vaiana que vimos ontem, não é pai?

1 comentário:

Helena Barreta disse...

As idas a Valência eram quase obrigatórias, eram muito aguardadas, mas só íamos quando um primo do meu pai, guarda-fiscal, estava de serviço na fronteira, para que pudéssemos trazer algumas coisas, como calças de ganga, por exemplo. Ainda me lembro do sabor da La Casera e do que comíamos a acompanhar, era tudo novidade e tão diferente, para melhor, do que tínhamos em "casa".

Ainda hoje, tantos anos passados, o que mais recordo são os passeios que dava com o meu pai, de mãos dadas, que saudades.

Um abraço