Com os óculos de ler do meu pai... tinha cá uma graça... |
Para além de todos
os jogos possíveis e imaginários de crianças que viviam numa aldeia situada no interior, no campo, existiam alguns inventados por nós, com regras muito próprias, que a
existirem noutros lados, teriam pouco, ou nada a ver:
a)
Jogar aos castelos
Consistia basicamente
num versão do jogo da apanhada, mas com regras muito próprias. Teriam de
existir duas equipas com um número de participantes discutível e variável (dos
4 aos 20) que teria de ser dividido pelas duas, de forma homogénea. Uma equipa
ficava de guardiã do espaço a conquistar (o adro da igreja da Beirã), e a outra
equipa teria de fugir pela aldeia. Quando a equipa fugitiva dobrava a curva da
Rua Vivas (a da igreja), a equipa que defendia o castelo poderia disponibilizar
os membros que entendesse para os ir apanhar. Geralmente ficavam apenas dois,
mais que suficientes, a guardarem o castelo (não mais que dois metros de
entrada) para apanharem algum que chegasse ao último reduto.
O ideal seria,
para um elemento da equipa fugitiva que queria conquistar o castelo, fugir a
todos os caçadores, conseguir aproximar-se do castelo, e entrar nele sem ser
apanhado, ganhando-o. Ou então, do ponto de vista da equipa que defendia, seria
encontrar os fugitivos, e apanhá-los, um a um. Este jogo poderia ser muito
rápido, como durar noites inteiras sem nunca ter sido resolvido. Acredito que ainda
haja muitos nesta fase… há alguns anos.
b)
(Ir ao) Tanque da Broca
Nos anos 80, a
Broca era já uma exploração decrépita e tenho ideia que pouca ou nenhuma
atividade mantinha regularmente. Por vezes via o então proprietário, o Sr. João
Forte, figura caraterística ainda viva, de grandes barbas longas, sempre de
gorro de malha, fizesse frio ou calor, com duas ou três vaquitas pela estrada
acima, mas a propriedade original fora fundada pelo seu pai, que faleceu
centenário, e nunca cheguei a conhecer sendo eu já grande. Tinha diversas
construções, uma das quais, um aviário; outra, uma vacaria, mas o encanto dos
petizes da altura era o tanque, um espaço não muito grande mas que tinha sempre
água a correr, onde os animais iam beber água. Era adornado com ervas, musgo,
um ou outro inseto que se movia à tona da água; e os pais, não viam com os
melhores olhos a atividade balnear dos petizes por lá.
Lembro-me que de
uma vez, das muito poucas que o meu pai me meteu a mão em cima, trazia as
cuecas molhadas na mão quase à hora de jantar, quando fui inquirido do porquê
daquele preparo (não cheguei a tempo de as meter logo no saco da roupa suja,
atrás da porta da casa de banho), e não consegui mais que uma desculpa esfarrapada
que me valeu um açoite, porque revelei o motivo proibido que originou aquela
situação.
Ir ao tanque da
Broca era o máximo! Era a nossa Portagem.
c)
Corridas (de equilíbrio) em cima da linha (do
comboio)
Conseguir manter o
equilíbrio enquanto se caminhava rápido sobre os carris, era um desafio simples
e que poderia ser um bom entretém. Atendendo a que junto ao depósito da água, existem
diversas linhas, principais e acessórias, para que ficassem estacionados
algumas carruagens que transportavam carros e mercadorias, poderia ser bem
divertido num período de férias de verão, quando muitas crianças chegadas de
fora, vinham visitar os familiares.
d)
Ir aos pássaros
Este era um
passatempo claramente para os indivíduos mais velhos, já proprietários de uma
pressão de ar, ou com a possibilidade de terem acesso a uma de um pai, irmão,
primo, tio e por aí fora. Consistia em descobrir uma árvore onde os pássaros,
habitualmente pardais, pernoitassem, para depois disparar sobre eles enquanto
dormiam com recurso a uma lâmpada forte para os focar. Não só nunca gostei de
pássaros fritos (não têm chicha! Aquilo é só ossos!), como sempre me pareceu da
maior cobardia tal conceito, de matar enquanto dormem! Deus m’a livre! O meu
coraçãozito de criança boa nunca me permitiu achar piada a tal entretém, e
sempre me pareceu mais um exercício de cobardia, de luta desigual, que outra
coisa qualquer.
Havia também a
variável de “Ir às rãs”, mas também nunca gostei das suas patas fritas, como
também sempre achei completamente absurdo andar aos tiros de pressão de ar aos
animais. Sempre fui menina, aqui, ostracizado pelos demais machos que se
queriam fazer grandes.
e)
Polícias e ladrões / índio e Cowboys /
Detetives e Espiões
Creio que faz
parte do imaginário infantil desde sempre brincar aos bons e aos maus, no
seguimento dessa luta ancestral entre o bem e o mal, seja no campo, ou na
cidade. Qualquer criança da Beirã nos 70 brincava assim, como certamente se
teria brincado desta forma nos anos 60, e se brincou nos 80. Não sendo, pois,
um exclusivo da infância rural, e certamente também teria entretido muitos
petizes pelas urbes desse país fora, o que eu sim posso garantir é que aqui
assumia contornos verdadeiramente hilariantes Agora que penso nisso, recordo
que a discussão “estás morto ou não” mantida entre dois contrários situados em
cabeços contíguos, era coisa para demorar… muito tempo… e quem ganhava sempre
era… o mais velho (claro!)
Diversos elementos,
e equipamentos poderiam ser adicionados para adensar a trama, mas uma nova arma
comprada algures, talvez em Valência de Alcântara de onde vinham muitas e
frescas novidades (não se esqueçam que em Portalegre ainda não existiam grandes
superfícies comerciais, e era tudo caríssimo), ou um recém-construído (um
atira-chinas, por exemplo, que consistia num pau comprido aí com um meio metro,
que levava um elástico dobrado pregado numa das extremidades, para poder
projetar uma carica (china) espalmada que segurava numa mola de roupa pregada
na outra ponta) seriam fabulosos para adensarem o mistério.
f)
Jogar ao alho
O “Lá vai alho”
era um jogo dos antigos populares que foi muito bem integrado pela nova geração
porque o tradicional, que consistia numa equipa de dimensão variável dependente
da composição da outra, que saltava para as cavalitas da que por sorte ficava
de cabeça baixa a suportar os colegas, a “levar com o alho”, portanto; foi
adaptado numa versão hard em que o pessoal se mandava “à maluca”, e avacalhava
a situação. Aí, dava diversão. E mazelas! Mesmo.
A versão do lenço
foi abandonada porque precisamente lhe faltava esta componente radical.
g)
Visita aos vagões estacionados ao lado da linha
Os vagões
estacionados ao lado da linha, que serviam de camarata para os funcionários que
estavam longe de casa e ali pernoitavam, consistiam um festim para a criançada
ávida de novos conhecimentos. Ali tínhamos muitas vezes o primeiro contato com revistas
para adultos que por lá eram abandonadas, visivelmente utilizadas, de páginas
coladas, e ficávamos deslumbrados com esta educação sexual alternativa
hardcore. É bom que se note que ainda não estávamos nos 80, o Estado Novo só
tinha terminado há um par de anos, e tudo era muito longínquo.
“Gina”, “Tânia”,
“Weekend Sex” passaram a integrar o nosso vocabulário… e as nossas prateleiras
escondidas em casa.
h)
Ir aos tortulhos
Sempre que as
condições meteorológicas o permitiam, e o sol rasgava as nuvens depois de
temporadas de chuva, os fungos por todos mais desejados conhecidos como
tortulhos, brotavam da terra em lugares específicos, cujas condições
morfológicas, de luz e exposição, os tornavam num el dorado a perseguir.
Havendo alguns destes
sítios perfeitamente identificados, eram supervisionados por espertalhões que
tomavam aquele espaço como se fosse seu, muito porque o proprietário da terra
não se preocupava com essa prática, e asssim ninguém lhes fazia frente.
Este repasto que
sempre adorei, era confecionado por alguns com ovos mexidos, de omelete, mas na
minha casa eram habitualmente cozinhados apenas grelhados à moda do meu pai, sob
uma chapa, ao fogão, com duas ou três pedrinhas de sal no chapéu, virado ao
contrário, formando um molhinho delicioso e suculento. Claro que para evitar
que esses míscaros fossem venenosos, e pudessem ser motivo de um final trágico,
era sempre colocado sobre eles um anel de prata, que, caso não ficasse negro,
conferia a validade do produto.
Nunca cheguei a
saber se esta cautela era mesmo válida, e me poderia servir de descanso, mas
até à data, graças a Deus, resultou sempre.
Certo dia, alguém
me convidou para também eu “ir a eles”. Ou porque tinha chovido muito e haviam
muitos, ou porque alguém soprou que sabia de um sítio, enchi-me de coragem… e
fui!
Quase que me
recordo do ar de espanto e felicidade do meu pai, pela minha intrépida audácia,
mas assim que os começou a tirar do saco e a olhar bem para eles (e se eu
procurei sempre os branquinhos com a anilha branca à volta do pé), foi fazendo
um monte maior e um mais pequenito, com muitos menos.
- Então pai? Estes
poucos não prestam?
Olhou para mim com
um ar de misericórdia, e disse baixinho: não filho, estes poucachinhos, são os
únicos que são bons. Os outros… é melhor não comermos.
Agora gosto muito
que mos possam oferecer… Só.
i)
Andar de Carrinhos de Rolamentos
Então era assim:
os rolamentos vinham não sei bem de onde, mas a verdade é que se pegássemos em quatro,
e lhe metêssemos dois paus redondos a unir, de dois em dois, com uma madeira em
cima, tínhamos um carrinho de rolamentos. Atualmente, existe inclusive, uma
corrida deles no Porto da Espada, que já vai sendo muito popular.
As viaturas
poderiam ter diversos formatos, atendendo ao tipo e tamanho do rolamento
utilizado. Muitas vezes, eram utilizados dois maiores no eixo de trás, o que
sempre conferia um ar racé, e desportivo. A memória que tenho era que o meu pai
era muito jeitoso para bricolages, e o meu era dos mais rápidos de então.
De visita ao Cristo-rei e a Lisboa: Gina, Vítor
Felino, Bela Carita, com Miguel Sobreiro à frente, eu e Paulo Varela, Zé Dias e
os manos Carita. |
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