domingo, 31 de outubro de 2021

Shangri La - O meu horizonte longínquo sobre carris (Parte VII - As casas (de todos nós))

As "Manas Sobreiro" que para sempre ficarão assim, gravadas na minha cabeça (e coração), captadas pela objetiva do responsável por esta revista cultural, Prof. Dr. Jorge Oliveira


A Ti Aurora

A (taberna da) Ti Aurora era um espaço muito pequenino no largo da igreja, bem ao lado da casa do Sr. Murta, uma outra figura muito popular da terra. Creio que tinha o marido por lá a acompanhá-la, mas a memória é muito vaga, o que fazia dela uma daquelas mulheres de negócios sem medos, que era capaz de dominar o seu ambiente.

Recordo-me que naquela altura, como todos os espaços comerciais da terra, vivia muito à custa da clientela que ali chegava através dos carris, e com isto incluía ferroviários, maquinistas, trabalhadores comuns da CP, e profissionais de outras atividades ligadas à linha do comboio.

Guardo uma imagem do Sr. Valentim, funcionário da alfândega, e pai do meu querido amigo Manuel Ventura, sentado junto a uma mesa redonda, a fumar um cigarro de enrolar e a beber o seu tintinho.

A melhor história que recordo daquela casa, tem a ver com a minha tendência em andar sempre com os miúdos mais velhos. Naquela altura, eu queria era ser grande, e se eles já o eram, nada melhor que com eles acompanhar, para ver se lhe conseguia pegar o jeito, e crescer por osmose.

Por querer sempre andar atrás, quase sempre sobrava para mim, o que fazia com que fosse alvo de chacota, e bulllying, como se chama agora, mas eu não me chateava nada, nem chateio hoje. A propósito, já aqui comentei que a ligação da família do meu pai a Valência de Alcântara era muito forte, e a visita aquela localidade estremenha no sábado de tarde, era passeio frequente. Pois se nunca omiti que sempre fui muito mimado pelas minhas tias, também é verdade que gostavam muito de me comprar em Valência, o encanto dos petizes daquela altura, os berlindes, sobretudo os lindíssimos “olhos de boi”, brancos, com linhas coloridas à volta.

A festa que era quando o Pedrocas lá aparecia com um saquinho novo, recebido da nova visita ao outro lado, com tantos, todos tão luzidios, dentro do saquinho de corda verde, para… os perder num ápice, mais depressa do que o diabo esfregava o olho! Assim que lhes dava o cheiro que eu tinha a nova mercadoria, todas as portas que estavam fechadas, se escaqueiravam de imediato para… se voltarem a fechar assim que se procedia à limpeza. ~

Bastava um “Jogo da Roda” (em que cada jogador poderia ficar com os berlindes estacionados dentro do círculo, que o seu conseguisse retirar de lá, apenas embatendo contra eles de uma assentada só), para a alegria se ir desvanecendo em aflição e tristeza, à medida que as esferas negras deles (com utilização proibida para os mais novos e… “se não queres assim, não jogas!”), entravam por aquele círculo adentro como se fossem bulldozers do Bolsonaro a devastarem a preciosa floresta Amazónica. Porca miséria! Da alegria da chegada, à desolação da partida, minutos depois, era sempre um ápice.

Completamente trucidado pela minha ineficiência, regressava logo após a casa mesmo à espera de novo ralhete mais que merecido mas… eis senão quando de lá vinha era um: “ai filho, deixa lá, não chores, não te aborreças… que a gente compra-te uns novos assim que lá voltarmos”, que era já na semana seguinte, se não houvesse nada em contrário. Pois isto me enchia tanto de consolo, quanto me impedia de crescer, verdadeiramente.

E a Dona Aurora, de quem tenho apenas uma vaga imagem da figura, mas já não do rosto, também foi testemunha destas sevícias a que era submetido. Um dia mandaram-me comprar “baba de cegonha em pó”, entre risinhos de chacota que eu, do alto dos meus 6 ou 7, ou menos, não percebi.

- Dona Aurora, eu queria baba de cegonha em pó, se faz favor (sem saber muito bem se sequer levava dinheiro para isso. Talvez me fiasse…)

- Ai filho… vai-te embora que já te enganaram outra vez… Não andes com eles! Anda com os da tua idade…

- Ora!!!!

 

b)    Clube

O Clube era, de longe, a instituição de recreio com mais peso naquela aldeia, segundo a minha visão. Não sei bem qual a sua origem, se tinha ou não, órgãos sociais; se tinha associados e qual era a composição da direção, mas como disse no início, isso tampouco interessa agora. O que sim interessa é que a sua localização era central na terra, bem por cima da linha do comboio, e o edifício era magnífico, sendo atualmente particular, dentro do qual se (con)vivia muito.

Quando se entrava, subiam-se umas escadinhas muito íngremes, e existiam diversas salas onde se poderia, por exemplo, jogar às cartas e outros jogos de mesa como o dominó, ver televisão (num tempo em que ainda muito poucos dispunham de uma própria, em casa) e… conviver, com uma vista lindíssima sobre a terra (com os comboios a passarem logo ali por baixo), o panorama, Santo António, um pouco acima; e Marvão, numa varanda que se debruçava sobre a linha. 

 

c)    Cantina do “Serras” da Estação

O Sr. Serras era um homem muito grande, encorpado, calvo, de barba branca, a quem a terra sempre ficou muito a dever, embora nunca lho tenha agradecido em vida, lamento-o; por ter sido uma das figuras principais na criação da associação “A Anta”, que ainda hoje presta serviços sociais à terceira idade e necessitados; é um dos principais empregadores, e motivo pelos quais a terra ainda não morreu. O Sr. Serras era casado com a Dona Zita, que trabalhava na Segurança Social ou noutro ministério público em Portalegre. Eram retornados de África, pessoas com uma visão abrangente e avançada para a época.

Na altura exploravam o espaço onde hoje está estabelecido o Train Spot, num edifício lindíssimo mesmo junto à estação, e era na pequena cantina que ladeava esta que acontecia muito do convívio entre os funcionários da estação, os da C. P., e os clientes da linha que por ali passavam nas ligações internacionais.

Às 3 horas da tarde, passava o T.E.R. e depois mais tarde do TALGO. Recordo-me daquela estação mais parecer um aeroporto em hora de ponta de chegadas, tal era a quantidade e qualidade de gentes, cores, roupas, linguagens e tamanhos, que deixavam qualquer um boquiaberto, ainda muito mais uma criança de menos de 10 anos, que por ali circulava ingenuamente.

O “Serras” era o sítio para se ler o jornal do dia, se beber um café e um bagacinho, se fazerem as palavras cruzadas ou jogar uma cartada. A cantina do “Serras” poderia ser um ponto de passagem à hora de almoço, ou um bom entretém para os homens, no final da tarde.

 

d)    Sr. João Viegas

Este era um espaço que também combinava a habitual disposição estrutural de então, que ainda hoje é presente nas grandes superfícies: um espaço para as senhoras fazerem compras para casa, ladeado por um espaço estilo taberna, para os machos conviverem, entretanto. Situada a escassos metros abaixo da linha do caminho-de-ferro, tinha um espaço central na aldeia e era por isso beneficiado em relação à concorrência.

O Sr. João Viegas era um homem baixinho, muito sério e nada de copos, que geria o espaço com muita sensatez e responsabilidade. A família ficaria muito marcada por um trágico acidente de viação, no qual faleceu a mãe da filha Nélita, uma jovem da terra que trabalhava nos telefones do escritório do Sr. Carita.

 

e)    Sr. Joaquim Ventura

Este espaço, na minha memória, era assim uma cena do tipo armazéns “Braz & Braz”, em Lisboa. Uma casa enorme, com um balcão comprido longitudinal que aos meus olhos de criança, teria dezenas de metros. Ali se vendia… de tudo, ao que me lembra. O Sr. Joaquim Ventura, que sempre me batizou por “Pedro, Penedo, da Rocha, Calhau, olho de vidro, cara de mau”, cognome que eu achava piada, mas altamente injusto, porque nunca me achei ser daquela forma, ruim. Parece que tenho na memória que caia sempre com um rebuçadinho, ou por aí. Acontece que o Sr. Joaquim Ventura era pai da Dona Mimi, que casou com o primo Manuel, filho do Sr. Carita, que era o padrinho do meu pai, cunhado da avó paterna, portanto. Quero eu dizer com isto tudo que o meu pai e o seu genro eram primos-irmãos, e eu sempre senti que o carinho ali era diferenciado. Gostava muito. Recordo-me que tinha óculos?

 

f)     Sr. António do carro de praça

O Sr. António, homem de média estatura, não muito alto, mas muito robusto, é provavelmente dono dos “apertos de mão” mais convincentes que me lembro. Sendo uma figura que conheço de toda a vida, claro que fico sempre feliz de o rever, mas… a pensar duas vezes depois de lhe ter esticado a mão. Já tenho reparado nos rostos, dele e dos outros intervenientes no mesmo ato, e… pelo ar, que me parece que a firmeza se repete, e não se verifica apenas comigo.

Recordo-me desde sempre dele como dono da mercearia cujo alvará viria depois a ser comprado pelas minhas tias, que sempre conciliou com o serviço de táxi. É bom de recordar que naquela altura nem toda a gente tinha carro (bem me recordo quando os meus pais compraram o primeiro Renault 5 branco), e aquele tipo de serviço era muito requisitado, então.

Quando trespassaram o espaço, mudaram-se para a parte de baixo da linha, e abriram um café com serviço de refeições, num prédio que construíram.

 

g)    Casa Nicau

Era incrível, e muito sintomático da vida que fervilhava naquela pequena aldeia, que se agigantava sempre que passava um comboio (de mercadorias, e sobretudo, internacional); a quantidade de espaços comerciais que nela existia. De todos eles, embora não fosse o que tivesse as melhores condições (a azinhaga ao lado, era o W. C., penso eu de que; porque nunca me lembro de ter puxado o autoclismo numa lá dentro), esta casa era, muito pelo carisma do proprietário, o Sr. Joaquim Nicau, aquela que para mim, mais se destacava. Condutor da camioneta da carreira da Rodoviária Nacional, comprou o alvará ao Sr. Batista, que nunca me recordo já de ver aberto, porque não é do meu tempo.

Tendo sido sempre colega de escola do seu filho mais novo, acompanhei sempre aquela casa que, enquanto o pai trabalhava fora, era assegurada pela esposa, a D. Teresa, que assumia a mercearia e a taberna, também. Sendo muito popular entre os jovens, e os homens por ter tido sempre as mais populares máquinas de arcada, flippers e matraquilhos; a casa vivia sobretudo do carisma do progenitor, que muito pelo trato interpessoal que tinha devido à sua atividade profissional (interagia diariamente com centenas de pessoas); e do toque para a cozinha da dona da casa.

O “estimado amigo” que era a forma como tratava os clientes, e se lhe colou como alcunha para sempre; era um verdadeiro barman de 1ª linha de aldeia, que sobre tudo sabia falar, opinar, não deixar ninguém indiferente. Sportinguista dos 7 viol(ai!) costados, pegou a devoção ao filho mais novo, e transformou aquela casa num núcleo daquela clube na aldeia. Bem-disposto, bem falante, e uma figura perante a qual ninguém poderia ficar indiferente, sempre viveu com esforço, devoção e glória as suas paixões sportinguistas e socialistas, o único campo em que o vermelho entrava na sua vida.

 

h)    Pastelaria “O Leque”

Foi fundada numa casa de raíz, construída nos anos 80 pelo Sr. João da Cunha Felino, antigo guarda-fiscal, um beirão natural de Monsanto, de extrema educação e cortesia. Extremamente carinhoso e afável, este Senhor, casado com uma outra figura da terra, a D.ª Conceição, funcionária de apoio das atividades na escola da terra, filha do antigo proprietário da casa onde foi fundada a Casa Nicau; idealizou criar ali mais um espaço para se poder ocupar nos tempos livres, talvez a pensar já na reforma.

“O Leque” tinha um caráter que a diferenciava de todos espaços concorrentes por ter um ar mais citadino, com um espaço específico pensado para as senhoras, com mesinhas redondas de camilas; uma zona para os homens mais parecido com um bar que com uma tasca, e um reservado idealizado para o petisco.

 

i)     Manas Sobreiro, da mercearia Sobreiro

Cartoon desenhado pelo pai na parede da taberna

 Por último, mas não em último, como dizem os ingleses; deixei a casa que me diz mais, pelas razões óbvias. Num momento muito particular da vida da nossa família, marcado pelo desaparecimento prematuro do meu tio Lázaro Duarte Gomes, com 60 anos de idade, apenas; as minhas tias, Maria que enviuvou, e Cremilde, solteira; que não detinham uma ocupação concreta, foram impulsionadas pelos meus pais, para comprarem em conjunto com eles, o alvará da loja no largo do fontanário, que pertencia ao Sr. António Sobreira, do carro de praça. Desta forma, estariam ocupadas mentalmente, durante toda a semana e, trabalhando, acabariam com dois problemas, numa solução só. A perspetiva económica nunca foi o intuito primordial, nem poderia ser numa terra, que embora tivesse uma população diária muito significativa à conta da atividade dos comboios, tinha tantas casas que… basicamente, vendiam o mesmo.

Haviam outros garantes diferenciadores, e o trato pessoal era sempre determinante para onde pendia o fiel da balança. “As manas”, até e sobretudo por não terem uma figura masculina por detrás do balcão, foram carinhosamente apadrinhadas pelos trabalhadores da C.P. (maquinistas, revisores, outros trabalhadores de manutenção das linhas) que por ali passavam diariamente a comer o farnel que as esposas lhe preparavam de casa. Por vezes, ali se faziam umas tortilhas de batata à espanhola (absolutamente divinais, como só a minha tia sabia fazer), e um ou outro petisco circunstancial, como um ovo estrelado à antiga em azeite, uma latinha de atum, sardinhas com tomate, ou anchovas, que eram comprados… na mercearia do lado, ou seja, ali.

O espaço ganhava outra vida quando o meu pai, saia do escritório, por volta da 18h, e reforçava o staff, dando um apoio suplementar na parte do bar. Nesse então, o público-alvo deixava de ser a dona de casa que vinha buscar o arroz para fazer com tomate, a fim de acompanhar os carapauzinhos fritos; para passar a ser o marido que vinha beber um tinto, conversar um bocado e, ouvir um ou outro fadinho, que a guitarra estava sempre detrás do balcão. Ficarão sempre na história, as tertúlias que muitas vezes se prolongavam noite dentro, e por vezes, até já à madrugada, quando os convivas, ou os motivos, eram especiais.

A morte prematura do meu pai, com 49 anos apenas, vítima de um enfarto do miocárdio, muito provocado pelos hábitos tabágicos absolutamente fora do normal (ninguém resiste a 2/3 maços diários por muito tempo), aliados a uma propensão genética a complicações cardíacas (a morte ainda mais prematura do irmão com apenas 14 anos, nas escadas do Sr. João Viegas; e a intervenção à sua irmã Irene numa das primeiras operações em Portugal de coração aberto, eram bem prova disso), ditou também o fim daquele espaço.



Com o passar dos anos, e o envelhecimento das minhas tias, ainda mais gritante no caso da Cremilde, que foi caindo gradualmente aos pés da demência, agora pomposamente chamada com o nome de um cidadão estrangeiro (Alzheimer); a loja foi definhando, até fechar. Deixaram de ser compradas as caixas de chocolatinhos da Regina, e de outros bombons bons; de chupas e toda a espécie de pastilhas elásticas com que se deliciavam as minhas filhas, e qualquer criança que por lá passasse, para se ir tornando cada vez mais um espaço comunitário, onde as vizinhas passavam a tomar um cafezinho, quase sempre de oferta, e para elas não estarem fechadas em casa. Voltando às origens, enfim.

Fazendo sempre um ponto de honra em nunca deixar de acompanhar a quem sempre me apoiou a mim, fiz questão de as ir visitando sempre que podia e confesso que me doía muito, quando dava com as duas a dormir, de cabeça deitada sobre a camila onde estava a braseira quentinha, enquanto o velhinho rádio baixinho debitava o terço na Renascença.

Nos últimos tempos já viviam as duas juntas na casa da minha tia Cremilde, de porta trancada por dentro, para evitar que esta acordasse a meio da noite, enquanto a Maria dormia, e saísse pelas ruas da Beirã, soluçando por vezes em choro compulsivo, por não conseguir encontrar aquilo que queria, mas nem sequer sabendo que jamais poderia reencontrar, porque o passado jamais volta assim.

Por saber, sofrer tanto devido a esta a sua ansiedade pela incapacidade de tomar conta da irmã; e sobretudo devido à degradação do seu estado de saúde (à causa de uma complicação de pele, na testa, que lhe obrigava a visitas frequentes ao IPO a Lisboa), muito a influenciei para que fossem para um quartinho particular para a Santa Casa de Marvão, que sabia que era esta a única possibilidade de as conseguir manter juntas. Depois da tranquilidade de o ter feito, descansei, por as saber sempre acompanhadas, bem alimentadas, bem higienizadas, com supervisão médica constante, em segurança.

Soube (muito tempo) depois pela minha vizinha da Beirã, esposa do Sr. Graça, que lá trabalhava (que pela terra ser tão pequena, éramos, somos e seremos, de cada vez que nos virmos, vizinhos), a primeira noite da minha tia Maria na Santa Casa foi de grande sobressalto, e pânico até, porque sentia que iria morrer.

- Ó Dona Maria!!! Que disparate tão grande, valha-me Deus! Então as senhoras estavam tão sozinhas e aqui estão tão acompanhadas, sempre com vigilantes a acompanharem o vosso descanso, sempre com uma equipa médica por perto, sempre com tanto gente para garantir o vosso bem-estar, e agora… diz-me que vai morrer? – disse a vizinha.

Não foi nessa noite, foi na noite a seguir. E não houve nada, nem ninguém que lhe valesse. Para mim, que a conhecia, estimava, prezava, amava como ninguém da mesma forma que eu (cada um, é como cada qual, e eu hei-de sempre ter a minha); morreu de desgosto. Morreu por depois de 86 anos de vida, não ter tido sítio algum para ficar nesse final da caminhada, senão aquela casa onde haverá sempre o estigma de serem despejados todos aqueles que não têm ninguém para lhes dar colo, quando eles deram tanto durante a vida.

Esta é uma dor que viverá sempre comigo.

Todos sabíamos que lutava há tantos anos com o problema cancerígeno, mas ainda hoje não sei bem o que se lhe sucedeu para se finar. Esfumou-se, e eu, que tinha ido a Algés para assistir ao Nos Alive com a minha Leonor, levei um choque tremendo, por ter sido inesperado, e sobretudo, por ter sido um interveniente crucial nesta situação. Sem remorsos, mas com algum, ou muito peso na consciência pelas circunstâncias, regressei praticamente sem dormir nessa noite deitada a altas horas, acordada em sobressalto pelo telemóvel, onde o choro lamurioso da filha me deu a notícia. Assisti à preparação do túmulo, numa das minhas duas campas de família no cemitério da Beirã, e vi a reordenação dos restos mortais dos que já lá estavam, para conseguir ser feita a deposição dos seus.

A Cremilde continua, graças a Deus, naquela casa onde seguramente nem sabe onde está, mas sei eu, que a visito com regularidade semanal, está como se estivesse num casulo, onde não lhe falta amor, compreensão, e até lhe é dada a comidinha toda triturada, porque até isso, até de mastigar se esqueceu já. Até que, como em todos nós, Deus queira.

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