sábado, 22 de janeiro de 2022

À procura do pote de ouro do velho Shane


Já o disse tanta vez que já não deve ser novidade para ninguém que a minha arte, a minha cena, é mesmo o cinema. O cinema consegue congregar todas as outras numa só (literatura, fotografia, até pintura), e fá-lo num espaço temporal reduzido (média de 2 horas, 2 horas e meia) o que é extraordinariamente lucrativo porque permite fazer uma gestão adequada e inteligente do nosso bem mais precioso: o tempo (que não chega para nada e nos está sempre a fazer falta).

 

Já me prometi também sei lá quantas vezes que pelo menos, pelo menos, um filme por semana teria de ser o meu mínimo olímpico.

Está bem, está! Quando um gajo dá por ela… já passou! E uma, e outra, e outra… e até me enerva!

 

Castigo-me, penitencio-me, só faltam mesmo as chicotadas auto-inflingidas nas costas nuas, mas de nada vale. O segredo do sucesso é: assim que posso deitar o olho a um desejado, finco-o, e não o largao mais.

 

A estrela de que vos quero falar hoje, é um documentário sobre uma banda de rock/folk/punk, e sobre a sua estrela, um asteroide maior que a vida: "Crock of Gold” (“Pote de ouro”, numa alusão aos duendes e a esse imaginário celta) sobre a banda irlandesa The Pogues, e o seu vocalista Shane MacGowan", que estreou a 1 de dezembro, mas que me chegou pela mão de um amigo de toda a vida, que me levou pela mão para os ver ao vivo no meu primeiro grande concerto de sempre, no final da década de 80 do século passado, no Coliseu dos Recreios, em Lisboa.

 

Realizado por Julian Temple, diretor responsável pelos famosos e galardoados  “The Great Rock 'n' Roll Swindle” (1980) e “The Filth and the Fury” (2000), sobre o fenómeno punk e os seus ponta de lança, a banda Sex Pistols, utiliza os mesmos subterfúgios que resultam numa mistura de recurso à animação, cenas captadas em espétaculos ao vivo, programas de televisão, entrevistas diversas, para conseguir obter um produto notável.

 

Utilizando um tom onírico, que lhe dá um tom de lenda e percorre todo o sinuoso percurso de vida de Shane, das primeiras bebedeiras e visões alucinogénias com os animais da quinta falantes, quando ainda criança, na Irlanda profunda; às  trips alcoólicas no Oriente, que lhe iam custando a vida, como a queda de um táxi em andamento que resultou num duro traumatismo craniano; sem deixar de passar pelo epicentro do furacão punk, em que foi muitas vezes a vedeta dos concertos desses mesmos Sex Pistols, com muita dentada, álcool e drogas à mistura, esta obra é já obrigatória para todos os amantes deste tipo de música, em particular.

 

Depois, Shane, um enorme poeta e grande figura da cultura irlandesa (chega a receber, no final, um galardão pela mão do Presidente da Irlanda) é um grito de vida, e a prova mais que evidente de que a minha teoria de que um gajo só vai (desta para melhor) quando tem mesmo de ir, que no fundo não mais do que uma versão moderna do “fado com que cada um nasce”, nessa perspetiva tão tuga, é mesmo certa!

Comparo, de alguma forma e com as naturais distâncias, o Shane ao meu Abel Realinho Meira, essa fera alcoólica marvanense de tantas e tantas décadas bem para lá da linha vermelha, com tantas noites a dormir na valeta com a cabeça muitas vezes encostada ao alcatrão (mais quentinho), que nunca foi estralhaçada pela roda de um mais distraído… por milagre, para acabar os seus dias na Santa Casa da Misericórdia que creio que o viu nascer.

Shane já poderia ter morrido há muito de cirrose hepática (depois hectolitros de álcool que ingeriu durante a turbulenta vida), de cancro do pulmão (depois dos milhares de maços de cigarros que fumou desde criança!!!!!), de um acidente qualquer… mas não! Está vivo!! Está vivo porque Deus quer que assim seja. Está vivo porque a sua alma ainda não faz falta num outro sítio qualquer, ou num outro corpo vivo, que não aqui.

 

No final, dei por mim a imaginar assim à minha frente num deserto, todos as garrafas de bebida, e todos os maços de cigarros que já fumou na vida. Não deve de haver um deserto assim tão grande!

 

No concerto final em que muitas celebridades o parabenizam e lhe cantam em coro, felicitando-o pelos seus 60 anos (embora mais pareça que tem 300!!!), é de, literalmente, ir às lágrimas, que foi o que eu fiz.

 

Façam-vos um favor: não percam por nada deste mundo, esta verdadeira pérola!

 

Ah!!!! E conta com um interlocutor delicioso: o pirata das caraíbas Johnny Depp! De partir a moca!!!!


Ligações:

Quando eu interagi com um ídolo sobre esta minha paixão pela banda (com muitos vídeos sobre os Pogues):

https://vendoomundodebinoculosdoaltodemarvao.blogspot.com/2021/11/a-faturar-na-linha-avancada.html


Uma excelente crónica sobre esta obra:

https://www.musicaemdx.pt/2021/09/08/crock-of-gold-a-few-rounds-with-shane-macgowan-de-julien-temple-no-indielisboa21/


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